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SpaceX: sucesso no 4.º lançamento da Starship

SpaceX surpreendeu todo mundo, incluindo a si mesma, ao pousar com sucesso a Starship, em seu 4.º lançamento

08/06/2024 às 18:51

A SpaceX está apostando tudo na Starship, e os resultados estão aparecendo. O que ninguém esperava é que tudo desse tão certo, esse quarto lançamento foi praticamente um filme, daqueles que a gente vê e reclama que deu tudo certo demais, mão pesada do roteirista.

Starship decolando gloriosamente em seu 4.º voo de teste (Crédito: SpaceX)

Vamos então a uma retrospectiva no nosso popular formato de perguntas e respostas eu não sei estruturar texto para entender a importância da Starship e como foi o lançamento.

1 – Qual a diferença entre o Falcon 9 e a Starship?

Starship é um nome meio confuso, significa o segundo estágio E o foguete completo. O primeiro estágio se chama Super Heavy. No caso, não há comparação. A Starship (foguete completo) é um monstro de 120m de altura, contra 70 do Falcon 9, e 9 metros de diâmetro, versos 3,7 m do foguete menor.

A Starship lidera a classe de lançadores pesados. Totalmente abastecida, pesa 5.000 toneladas, equivalente a um destróier. É capaz de colocar 100 toneladas em órbita da Terra, contra 17,5 toneladas do Falcon 9.

Comparando foguetes (Crédito: Reprodução internet)

Duas vezes mais potente que o Saturn V, a Starship é projetada para viabilizar a colonização de Marte, e a comercialização do espaço, baixando o custo de kg em órbita em pelo menos uma ordem de magnitude. Um lançamento da Starship custará, quando estiver operacional, menos de US$ 10 milhões. Um lançamento do SLS da NASA custa uns US$ 2 bilhões.

2 – Por que a Starship explode tanto?

Isso tem a ver com o processo de desenvolvimento. A SpaceX usa o chamado “design iterativo”, onde ao invés de passar anos desenvolvendo modelos e simulações, você constrói, testa, refina, aprimora, testa de novo, acha novos problemas, conserta, testa.

É uma filosofia que eles usaram para resolver o então insolúvel problema de como pousar um foguete. Com o Falcon 9 funcionando e colocando cargas em órbita, podiam se dar ao luxo de “perder” quantos foguetes quisessem, depois que ele tivesse cumprido sua missão.

Eles aprimoraram o software, descobriram a quantidade ideal de combustível, descobriram que tinham pouco nitrogênio para os jatos de manobra, e foram aos poucos aparando as rebarbas. O resultado é que o povo que jurava que era impossível e a SpaceX estava perdendo tempo tentando pousar o Falcon 9, agora tem que engolir 299 pousos. E alguns foguetes reutilizados mais de 20 vezes.

A SpaceX tem várias Starships nos hangares, a maioria já obsoleta, pois o que é aprendido em um teste é aplicado nos foguetes em construção. Os objetivos das missões de teste também são limitados. No primeiro e espetacular lançamento, o objetivo era o foguete deixar a torre de lançamento sem explodir. Isso conseguiram, mas tiveram problemas com os motores, vários deram defeito. Também não deu certo a manobra para separar o primeiro estágio, que envolvia uma rotação do foguete.

No segundo voo, aumentaram a proteção entre os motores, para que se um falhasse não afetasse os outros, e todos ficarem bem mais confiáveis. A separação agora era via hot staging, acionando os motores do segundo estágio antes de separar do primeiro.

Descobriram que a cobertura do 1º estágio sofreu danos, o que fez com que ele fosse autodestruído. Um vazamento de combustível fez com que o segundo estágio se autodestruísse.

O terceiro lançamento teve uma separação perfeita, mas o primeiro estágio não conseguiu desacelerar, a curva de potência não estava adequada, e ele desceu descacetado no Golfo do México. Já o segundo estágio realizou um teste de transferência de combustível, testou a porta de lançamento de satélites (que não fechou de volta) e teve problemas com os jatos de manobra, cambalhotando e queimando na atmosfera a 65Km de altitude.

Tudo transmitido ao vivo, via Starlink.

3 – Quais os objetivos do quarto voo?

Os primeiros voos nem tinham software para pouso, já no quarto, a SpaceX se sentiu confiante o suficiente para incluir, mas sem colocar como objetivos primários. O objetivo era manter uma reentrada controlada, atingindo pelo menos 65km de altitude, para que pudessem estudar o comportamento do escudo de calor da Starship.

Fora isso, o que vier é lucro.

4 – Como foi o lançamento?

Bem, é um prédio de 40 andares subindo para o espaço. Um dos motores falhou, mas perde 1/33 da potência não é o fim de mundo, e a Starship subiu sem mais problemas, executando um hot staging perfeito.

5 – Como foi o Hotstaging Perfeito?

A SpaceX criou um anel para proteger o topo do Super Heavy, ele cumpriu sua função, desviando os jatos dos seis motores Raptor da Starship. Durante a manobra de retorno o Super Heavy liberou o anel (no bom sentido), a ideia é que nos próximos modelos ele seja integrado, e produzido com materiais bem mais leves.

6 – Ele se estabacou de novo?

Não! O Super Heavy dessa vez voltou no sapatinho, desacelerando na medida certa, até ficar a poucos metros da superfície da água, pairando por alguns momentos antes de dar a missão por concluída, desligar os motores e tombar, orgulhoso.

7 – Ele vai pousar em balsas agora?

Não, ele é grande demais para isso. O plano da SpaceX é bem mais ambicioso (e insano): O primeiro estágio vai voltar, pousa exatamente entre os braços da torre de lançamento, e ser agarrado.

Parece loucura? Sim, mas esse povo estragou o ditado “foguete não dá ré”. Eles são capazes de tudo.

8 – Quais os desafios da Starship no momento?

Segundo Elon Musk, o grande problema é a proteção térmica. A nave ser feita de aço, ao invés de alumínio ou compostos de carbono dá uma boa flexibilidade, mas as telhas térmicas ainda não estão funcionando como planejado, e mesmo uma telha perdida pode significar graves problemas. Nesse voo a SpaceX deixou alguns pontos sem telhas propositalmente, para medir as temperaturas nesses pontos. Musk também comentou em uma entrevista a Tim Dodd que não estavam satisfeitos com a proteção térmica nos flaps da Starship, e isso já tinha sido mudado na versão 2.0, que será construída daqui a uns 2 lançamentos.

9 – A Starship entrou em órbita?

Tecnicamente não. Esses voos iniciais testam o sistema de manobra, então caso o sistema não funcione, uma nave em órbita cairia de forma descontrolada, e você não quer mais de cem toneladas atingindo Nova York, Moscou ou Niterói. OK, talvez Niterói.

A trajetória escolhida é uma curva balística. A Starship atinge quase velocidade orbital, desligando os motores alguns momentos antes do necessário, assim ao invés de uma órbita normal, ela segue uma curva que a fará interceptar a Terra, quase do outro lado do Planeta.

Dados os resultados, provavelmente no próximo teste a SpaceX vai testar o religamento dos motores, e se tudo correr bem, entrará em órbita.

10 – E como foi o pouso?

Foi com emoção, bastante emoção.

O objetivo era manter uma atitude controlada, atingindo pelo menos 65Km de altitude, testando os sistemas térmicos. Quando a nave continuou descendo (OK, caindo com estilo) envolta num campo de plasma, o povo na SpaceX pareceu não acreditar.

Por volta de uns 60Km de altitude, os flaps começaram a ser consumidos pelo calor e pela pressão da reentrada. Pedaços se soltando, telhas térmicas voando para todo lado, a cobertura metálica dos flaps incandescentes, mas a Starship ainda estável.

Em certo momento, fragmentos atingiram a câmera, quebrando a lente de proteção, quase não dava para ver nada, mas a silhueta do flap estava lá.

A Starship se aproximava da superfície, ainda em voo estável. Ela começou a se inclinar, para cair deitada por algum tempo. Uma falha na telemetria não mostrou o acionamento dos motores, mas outros sinais estavam firmes, a nave virou 90 graus, acionou os motores e começou a reduzir a velocidade.

Enquanto isso, pelas frestas da lente quebrada, dava para ver o acionamento do flap semi-destruído, e dos motores. Em um momento final, após pairar sobre a superfície do Oceano Índico, a Starship tombou na água, como planejado apenas nos sonhos mais otimistas de seus engenheiros. Ninguém esperava ver algo assim, não tão cedo.

11 – Mas o foguete foi destruído

Sim, como acontece com 100% de todos os foguetes do mundo que não são da SpaceX. O NORMAL é um foguete cair no oceano ou se perder no espaço, após utilizado. A SpaceX acostumou mal a gente com essa coisa de ficar pousando foguete, aí hoje até foguete de testes achamos que deveria ser recuperado.

12 – Não poderiam aprender algo recuperando o foguete?

Em teoria seria útil, mas mandar uma expedição para o meio do Oceano Índico sai bem caro, e pode levar meses para conseguirem achar o foguete. De resto, a Starship tem uns 10 mil canais de telemetria enviando dados de sensores todo o tempo. Só de câmeras, foram 11 internas nesse lançamento, fora as externas. Dado é o que não falta.

13 – E se os chineses pegarem o foguete?

A China já kiba a SpaceX faz tempo, um dos motivos da SpaceX não trabalhar com patentes é para atrasar um pouco o roubo chinês de tecnologia, mas a única segurança da empresa é que quando a China coloca as mãos em algum equipamento, ele já está obsoleto.

Tipo isso (Crédito: Reprodução Internet)

14 – E se tudo der certo?

Se tudo der certo, a SpaceX vai ter a Starship operacional até o final do ano, e começará a lançar satélites Starlink às centenas, com cada lançamento custando uma merreca. O preço do kg em órbita cairá muito, várias empresas fecharão as portas, e a SpaceX terá um virtual monopólio.

Mais que isso, com o custo baixando uma ou duas ordens de magnitude, satélites e sondas não precisarão ser tão caros, ao invés de planejar um satélite para sobreviver 10 anos no espaço, você planeja para que dure um ano, a 1/20 do preço. Deu problema, lança outro. Mesmo pequenos rebocadores para desorbitar satélites mortos passam a ser economicamente viáveis, com o custo de lançamento da Starship.

Junto com isso, temos o Programa Artemis, a SpaceX foi contratada para construir uma variante da Starship para levar astronautas (e 100 t de carga) para a Lua.

Ah sim, a NASA acaba de anunciar um programa onde contratou várias empresas (incluindo a SpaceX) para proporem métodos de recuperar amostras da superfície marciana e trazê-las de volta para a Terra. É o projeto ideal para a Starship, com escudo térmico para desacelerar na atmosfera marciana, e espaço de sobra para mandar um módulo de pouso que recolheria amostras, lançaria um pequeno foguete que seria capturado pela Starship, e então rumariam de volta para a Terra.

Sem precisar perder tempo com batatas.

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