Carlos Cardoso 9 anos atrás
Existe um paralelo comum entre ditaduras absolutistas implacáveis e diretores de algumas grandes empresas. Ambos começam a acreditar na própria propaganda, se acham invencíveis e que seu desejo faz com que a realidade se curve. A rigor não há diferença entre o diretor que EXIGIU que eu enfiasse um arquivo de 5 MB em um disquete e Hitler, que EXIGIU que a V2 tivesse uma ogiva bem maior que a uma tonelada de explosivos que conseguia levar. Nota: quem sabe de qual diretor estou falando neste momento discorda. Hitler podia ser muito mais razoável.
Para quem está de fora, de longe e em segurança, essas situações se tornam boa fonte de comédia, ainda mais quando envolve tecnologia.
Na 2ª Guerra do Golfo o mundo ficou conhecendo Mohammed Saeed al-Sahha, o Ministro da Informação do Iraque. Enquanto Saddam e seus comparsas eram alvos marcados, com a cabeça a prêmio por atrocidades como o ataque químico que matou mais de 5.000 civis curdos, ninguém pensava mal de al-Sahha.
Ele se tornou um alívio cômico necessário. As tropas aliadas adoravam assistir aos vídeos onde ele repetia a retórica oficial, de que os inimigos arderiam no mármore do inferno, que as tropas iraquianas estavam empurrando os invasores rumo ao mar, e até um vídeo clássico onde ele anunciava vitória enquanto ao fundo explosões de misseis Cruise desmentiam o sucesso.
No final da Guerra ele foi protegido ferozmente pelas tropas americanas, nenhum soldado deixaria que alguém machucasse o “Comical Ali”. Ele foi levado para a Inglaterra, entrevistado pelas autoridades e liberado. Praticamente o único nome importante do governo iraquiano que escapou.
Na Melhor Coréia vemos o mesmo padrão. A retórica apocalíptica é o que vem mantendo o país inteiro. Eles falam o tempo todo “da guerra” (que acabou em 1953) e da iminente invasão dos EUA, que já dominam a Coréia do Sul, um território devastado, repleto de fome e destruição sob o jugo imperialista.
Por si só isso já é comédia pura, mas eles melhoram. Isolados do mundo, fora o MacBook do Kim Jong-Un o país vive uns 30 anos no passado, mas não admite. Vide o equipamento da foto de abertura, cuja peça mais moderna é um Trackball que saiu de linha uns 10 anos atrás, ou a sensacional sala de controle do programa espacial norte-coreano:
Para azar deles a Coréia do Sul ADORA os governos loucos do Norte, pois são usados pra justificar politicamente qualquer investimento em defesa, restrições comerciais, você escolhe. A população mesmo está se lixando pras ameaças, e se essa última teve algum efeito, não foi pela ameaça em si.
No momento a Melhor Coréia passa por um mini-drama: o Grande e Fofo Líder prendeu e executou seu tio, acusado de traição. Imagino que a ceia de Natal vai ser um climão só, mesmo KJU apagando quaisquer traços do parente na internet. Nesse momento é preciso mostrar força e a forma preferida deles para isso, é latir alto.
Foi o que fizeram, em uma mensagem ao governo do sul, alertando que “Repetidas provocações extra-grandes no centro de Seul à mais alta dignidade da Coréia do Norte” iriam provocar “retaliações impiedosas e sem qualquer aviso”.
As tais provocações? Um protesto de desocupados queimou bonecos (magros, palha está cara) do Grande Líder.
Como a Pior Coréia não vale nada, divulgou a mensagem, deixando todo mundo imaginar como um aviso de retaliação sem aviso não é considerado por si só um aviso, mas também fizeram questão de explicar como a mensagem foi recebida: VIA FAX.
Fax.
Isso foi genial. Sun Tzu aprovaria. A melhor forma de desacreditar o inimigo, não disseram que eram mais poderosos, mais bem-armados, nada. Deixaram que a Melhor Coréia se enrolasse na própria retórica e tropeçasse igual filme pastelão. Claro, poderiam dizer que o Sul constrói o maior navio do mundo, enquanto o Norte depende de esmola de comida da ONU pra não morrer de fome, mas isso não impressiona.
Em tempos de internet para perder a moral e ser zoado mesmo, tem que usar um fax.
Nós perdoamos tudo, menos usos não-irônicos de tecnologia arcaica. Afinal, estamos nos preparando para o apocalipse robótico, invasão alienígena, Skynet e zumbis biotecnológicos. Quer ser supervilão, tenha a decência de usar tecnologia do mesmo Século que a gente.