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DNA revela: leões de Tsavo comiam humanos e outras presas

DNA encontrado em pelos nos dentes dos "devoradores de homens de Tsavo" revela que leões comiam outras presas, além de humanos

17/10/2024 às 10:15

O DNA pode ser a chave para entender os "devoradores de homens de Tsavo", um par de leões machos sem jubas, que atacaram, mataram e devoraram dezenas de humanos na região do rio Tsavo, no Quênia, entre março e dezembro de 1898.

O caso, que inspirou vários filmes (o mais recente a recriar a história foi A Sombra e A Escuridão, de 1996) intriga a comunidade científica a mais de um século, sobre por que eles passaram a caçar humanos; por outro lado, uma nova pesquisa revela que, além de gente, eles comiam outras presas, embora ainda não tenha sido possível determinar quando eles predaram o quê.

Os "devoradores de homens de Tsavo", em exposição no Museu Field de História Natural em Chicago, nos Estados Unidos (Crédito: Jeffrey Jung/Wikimedia Commons)

Os "devoradores de homens de Tsavo", em exposição no Museu Field de História Natural em Chicago, nos Estados Unidos (Crédito: Jeffrey Jung/Wikimedia Commons)

DNA revela "cardápio" variado

Os leões de Tsavo tocaram o terror durante o processo de construção da estrada de ferro que ligaria os interiores do Quênia e de Uganda, na época protetorados do Império Britânico, ao porto de Mombaça, na costa do Oceano Índico. Durante nove meses, eles fizeram da região onde trabalhadores africanos e indianos residiam seu "campo de caça" particular, chegando ao ponto de arrastar as vítimas para fora de suas tendas enquanto dormiam, para devorá-los.

Os relatos de quantas pessoas foram mortas variavam muito, indo de algumas dezenas a mais de 100, um claro exagero por parte dos envolvidos, incluindo o tenente-coronel John Henry Patterson, que abateu ambos leões, e contou suas experiências no livro semi-autobiográfico The Man-eaters of Tsavo (sem edição em português); uma pesquisa de 2009, no entanto, que analisou traços isotópicos no colágeno dos ossos e na queratina nos pelos dos leões, fixou o número entre 28 e 31 humanos devorados, o que já é bem alto.

A grande pergunta, que todo mundo se faz há mais de 125 anos, permanece a mesma: por quê? Leões em geral evitam assentamentos humanos, e preferem caçar presas mais fáceis de lidar, mas há alguns fatores a levar em conta. Na mesma época, uma praga exterminou quase que completamente o gado local, que era uma opção preferencial.

Outro elemento era a dentição bastante danificada, com dentes quebrados (um deles, segundo Patterson, por um tiro de rifle dele), cavidades visíveis e cáries. Sabe-se que leões tendem a buscar presas que oferecem menos resistência quando sofrem danos nos dentes ou mandíbula, geralmente por coices de gnus e antílopes, pois contam com a força de sua mordida para sufocar suas vítimas; nesse sentido, humanos são bem mais frágeis do que as demais opções do cardápio, e a frequência dos ataques sugere que eles estariam famintos, e tinham poucas opções.

Além disso, o fato desses leões não terem jubas indicam que eles poderiam estar doentes, ou apresentavam altos níveis de testosterona, que causa calvície, da mesma forma que em humanos; há também a possibilidade de ser uma adaptação ao clima mais quente e úmido da região.

A pesquisa mais recente, publicada na Current Biology, não elucida os motivos que levaram os "devoradores de homens de Tsavo" a irem atrás de humanos, mas mostra que eles comiam outras presas, graças a traços de DNA presentes em milhares de pelos, presos nas cavidades dentárias.

Detalhe do crânio do leão exposto em pé no Museu Field; cavidades continham milhares de pelos (Crédito: Photo Z94320/Field Museum of Natural History of Chicago)

Detalhe do crânio do leão exposto em pé no Museu Field; cavidades continham milhares de pelos (Crédito: Photo Z94320/Field Museum of Natural History of Chicago)

O artigo (cuidado, PDF) menciona que ambos leões sofriam com acúmulo de pelos nos caninos quebrados (um deles infeccionou, segundo outro estudo de 2017), e essas amostras foram coletadas e examinadas, para identificar quais espécies os "devoradores de homens de Tsavo" caçavam. Embora o código genético estivesse danificado pela ação do tempo, os pesquisadores conseguiram usar um método para preencher lacunas o suficiente para dizer qual cabelo era do que.

Assim, os cientistas conseguiram identificar seis espécies caçadas pelos leões de Tsavo: girafas, oryx, zebras, pivas, humanos, e a grande surpresa, gnus, o que sugere duas hipóteses: ou os predadores percorreram uma distância muito grande para encontrar essas presas em particular, ou havia gnus na região do rio Tsavo mais de 100 anos atrás, o que não é mais o caso.

O que os cientistas ainda não conseguiram identificar, é quando esses leões caçaram cada uma dessas espécies, essencial para definir uma linha do tempo; é possível que eles tenham se alimentado de outras presas, na mesma época em que caçaram os humanos no rio Tsavo, ou se os trabalhadores da ferrovia foram a "última opção" que restou; é possível que eles tenham se habituado à carne humana, ao consumir cadáveres largados por caravanas de escravos rumo ao centro de comércio em Zanzibar (hoje Tanzânia), que passava por lá, ou dos ritos funerários dos trabalhadores indianos.

Referências bibliográficas

DE FLAMINGH, A., GNOSKE, T. P., PETERHANS, J. C. K. et al. Compacted hair in broken teeth reveals dietary prey of historic lions. Current Biology, 13 páginas, 11 de outubro de 2024.

DOI: 10.1016/j.cub.2024.09.029

Fonte: Ars Technica

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