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UE: Apple "se adequa" à DMA... criando novas taxas

Apple afrouxa regras sobre distribuição de apps por fora da App Store na UE, mas cria duas novas taxas; Spotify e Epic Games protestam

12/08/2024 às 12:20

A Apple não pretende deixar de cobrar taxas sobre apps na União Europeia (UE): após o bloco apontar à empresa as violações cometidas à Lei de Mercados Digitais (DMA), ao dificultar a manutenção de lojas alternativas em seus dispositivos móveis, a empresa apresentou, na última quinta-feira (8), uma série de modificações que relaxam um pouco as regras.

O problema, como não podia deixar de ser, é a Apple insistir que tem o direito de recolher comissões sobre vendas realizadas por fora de sua lojinha no iPhone e iPad, ao implementar duas novas cobranças sobre todos os desenvolvedores que optarem pelo método alternativo. Tanto Tim Sweeney, CEO da Epic Games, quanto o Spotify, dizem que Cupertino continua querendo dar voltas na Lei.

Tim Cook, CEO da Apple, continua torcendo as Leis da UE, a fim de cobrar comissões sobre vendas por fora da App Store (Crédito: Ronaldo Gogoni/Meio Bit)

Tim Cook, CEO da Apple, continua torcendo as Leis da UE, a fim de cobrar comissões sobre vendas por fora da App Store (Crédito: Ronaldo Gogoni/Meio Bit)

Apple quer seu quinhão na UE

Vamos relembrar: a DMA forma com a Lei de Serviços Digitais (DSA) um pacote de novas regras, que companhias de tecnologia, em especial as não-europeias, devem seguir para operar nos 27 países-membros da UE.

De modo resumido, a DMA é a uma Lei antitruste, voltada a restringir operações e práticas anticompetitivas das big techs, em especial as 5 gigantes do Vale do Silício, Apple, Google, Meta, Amazon e Microsoft, além do TikTok. Estas foram enquadradas como companhias gatekeepers, tendo que observar regras ainda mais duras que outras.

Entre as principais diretrizes, está a que vem tirando a Apple do sério, que a proíbe de privilegiar seus próprios produtos e serviços, mesmo em seu próprio hardware ou plataformas. No seu caso particular, tanto ela quanto o Google/Alphabet Inc. não podem impedir que desenvolvedores distribuam seus apps, games e serviços por fora da App Store/Play Store, não podem barrar métodos de cobrança alternativos, que não rendem comissões a ambas, e devem permitir a entrada em suas plataformas de lojas concorrentes, de forma nativa.

Enquanto a primeira diretriz nunca foi um problema para o Google (embora a empresa venha buscando depreciar o sideloading há tempos), a maçã abomina a ideia de devs oferecendo apps por fora, e nem cogita a possibilidade de permitir que dinheiro seja feito com apps do iPhone sem que ela tire sua parte, não importa como. O Google está fazendo o mesmo, mas nos concentremos na Apple aqui.

Originalmente, as regras de Cupertino para a UE diziam o seguinte: quem implementasse um método de cobrança alternativa em seu app ou game, ainda teria que pagar 12% ou 27% de comissão, respectivamente estúdios inscritos no programa de pequenas empresas, e os demais,  onde desafetos como Epic Games e Spotify se encaixam. A economia real, quando comparado ao método vigente (cobranças através da App Store) seria de 18% e 3%, em cada caso.

A Apple exige a submissão de relatórios de vendas alternativas, para que a própria companhia verifique as movimentações e calcule o valor devido, do contrário, o app não será permitido implementar cobranças alternativas.

Já com o sideloading, a Apple cravou a faca e girou: a prática ainda rende comissões para vinculação de ofertas, de 10% ou 17%, dependendo da categoria da desenvolvedora, que também se aplicam aqui, além de uma taxa adicional de 3% sobre o processamento das compras, de novo, com submissão obrigatória de relatórios de vendas para a autorização da distribuição alternativa, checagem, e cobrança dos valores.

Fora isso, apps e games que ultrapassem a marca de 1 milhão de downloads totais, onde atualizações via OTA também contam, independente se dentro ou por fora da App Store, terão que pagar mais uma comissão, chamada Taxa Sobre Tecnologias Essenciais (Core Technology Fee, ou CTF), no valor de 0,50 € (~R$ 3, cotação de 12/08/2024) por instalação, todos os anos.

Apple App Store no iPhone (Crédito: Ronaldo Gogoni/Meio Bit)

Apple App Store no iPhone (Crédito: Ronaldo Gogoni/Meio Bit)

Em março de 2024, a Comissão Europeia, o braço executivo da UE, abriu uma investigação formal contra a Apple, para verificar se a cobrança de comissões sobre vendas alternativas infringia a DMA, o que ela concluiu ser o caso em 24 de junho. Sob sua análise, as regras são tão complexas e onerosas, que a maioria dos desenvolvedores decidiria por permanecer dentro da App Store e processar suas vendas através da lojinha, a fim de não gerar complicações e cobranças adicionais.

Como a Apple bem sabe, as chances de reverter uma decisão da UE a seu favor tendem a zero, logo, ela apresentou um novo conjunto de regras, supostamente simplificadas:

Por exemplo, desenvolvedores serão permitidos a divulgarem métodos de pagamento alternativos em qualquer lugar, e o usuário poderá desligar notificações em torno de transações feitas por links externos. Os devs não precisarão aderir aos regulamentos da CTF, que será isenta a novos desenvolvedores por 3 anos, mas terão que se submeter ao Adendo para Apps de Direito a Compras Externas do StoreKit (cuidado, PDF), que força o uso das API do framework, e continuem a submeter relatórios de transações...

Porque a Apple criou duas taxas novas, no lugar da de 10% ou 17%.

Epic Games e Spotify protestam

A primeira delas, chamada Taxa de Aquisição Inicial (Initial Acquisition Fee, ou IAF), estipula uma comissão de 5% sobre transações feitas por um novo usuário, dentro ou fora da App Store, nos primeiros 12 meses após o primeiro download de um app ou game, referente ao serviço de conexão entre desenvolvedores e consumidores, providos por suas APIs.

Já a segunda, chamada Taxa de Serviços da Loja (Store Services Fee, ou SSF), gera outra comissão, desta vez de 10% para quem se submete ao CTF, sobre vendas de bens e serviços, dentro ou fora da App Store, em um período fixo de 12 meses contados a partir da data de instalação, reinstalação, ou atualização de um app ou game, referente aos serviços contínuos prestados pela Apple aos devs (distribuição, gerenciamento, segurança, etc). Esta será reduzida para 5% no primeiro ano, para quem está inscrito no programa de pequenas empresas, ou no caso de renovação de assinaturas, após um ano.

Para desenvolvedores que seguem o contrato padrão do Programa de Desenvolvedores Padrão, a comissão da SSF é de 20%, mas cai para 7% para inscritos no programa de pequenas empresas, ou para assinaturas após um ano.

Sim, o sistema de cobrança de comissões da Apple é ainda mais convoluto e complexo, e gera uma rede de minúcias para algo que deveria ser simples, apenas para facilitar seu próprio método: continuar dentro da App Store, não usar o sideloading, e não oferecer cobranças externas, pagando os tradicionais 30% de comissão sobre todas as operações.

Como era de se esperar, companhias que estão com a Apple atravessada na garganta não ficaram nada contentes com o movo malabarismo de Cupertino. Tim Sweeney, que se prepara para reintroduzir Fortnite e lançar a Epic Games Store para o iPhone e iPad na UE, tão logo esse imbróglio se resolva, subiu outra vez nas tamancas:

"Na União Europeia, onde a nova Lei de Mercados Digitais (DMA) estimula a competição entre lojas digitais, a Apple continua com seu compliance malicioso, ao impor uma nova taxa inútil e ilegal de 15%, sobre usuários migrando para lojas competidoras, e segue monitorando o comércio nessas lojas."

Já o Spotify, que há anos tem uma relação conturbada com a maçã, enviou um comunicado ao site TechCrunch, dizendo o seguinte:

"Nós (o Spotify) estamos no momento avaliando a proposta deliberadamente confusa da Apple (...). À primeira vista, ao exigir uma taxa básica de até 25% sobre a comunicação básica com usuários, a Apple mais uma vez desconsidera descaradamente os requisitos fundamentais da DMA. A Comissão Europeia deixou claro que impor taxas recorrentes sobre elementos básicos, como preços e links, é inaceitável.

Apelamos à Comissão para acelerar sua investigação, implementar multas diárias, e aplicar a Lei."

Como já comentamos, a Apple não considera possível um cenário onde ela não possa tirar sua parte da grana, e entender as Leis à sua maneira, o que já está lhe gerando problemas nos Estados Unidos. No caso da DMA, a Lei não é explícita sobre ser proibido cobrar taxas, ela menciona que "as condições devem ser justas" para estimular a competição, o que a maçã (e o Google) interpreta como uma autorização para continuar cobrando comissões, inclusive de operações financeiras externas e distribuição de apps por fora da App Store.

Ao mesmo tempo, ela entendeu muito bem o jogo, no que a UE entrará eventualmente com outra investigação (já existe uma em separado, sobre o sideloading), e outra notificação de violação, o que será respondido com mais uma revisão E novas taxas, que serão novamente questionadas, gerando um loop. Especificar a ilegalidade da cobrança de comissão nesses casos significaria revisar o texto da DMA, o que levaria tempo para redigir, e provavelmente teria que ser novamente submetida à votação pelos parlamentares.

Enquanto isso, os desenvolvedores ficam proibidos de distribuir apps por fora (leia-se, nada de Fortnite e Epic Games Store), implementar e notificar usuários sobre métodos de pagamento externos, e a Apple segue retirando sua comissão padrão, de 15% ou 30%.

A meu ver, só há duas soluções possíveis para essa celeuma: a primeira, e a menos provável, é a Apple implementar um método simples de distribuição alternativa de apps e cobranças externas, que não infrinja a DMA.

A segunda, é a UE decidir de uma vez que houve violação da DMA, e aplicar a multa mais pesada possível, de 10% sobre o faturamento global anual, que com base nos resultados financeiros de 2023, ficaria em assombrosos US$ 38,3 bilhões (~R$ 210,64 bilhões), além de multas diárias e outras sanções; dessa forma, é mais do que certo que a Apple se emendaria.

Fonte: Apple, 9to5Mac, TechCrunch

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