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Mudanças climáticas afetam a Terra mais do que você imagina

Aquecimento global está desacelerando a rotação da Terra, alterando seu eixo, e interferindo nos movimentos do manto interno do planeta

10 semanas atrás

Fato: a Terra está passando por um período de mudanças climáticas, e se o Homem não é o culpado único, ao menos está contribuindo significativamente para o aumento da temperatura global. Dois estudos, publicados nesta segunda-feira (15), mostram que o derretimento das calotas polares está desacelerando a rotação e, literalmente, tirou o planeta do eixo.

Pesquisadores apontam também que uma maior massa de água também se relaciona com o manto interno da Terra, além de passar a influenciar a rotação planetária mais do que a Lua.

Segundo o ETH Zürich, o aumento da temperatura desencadeia um efeito dominó (Crédito: Ronaldo Gogoni/Meio Bit)

Segundo o ETH Zürich, o aumento da temperatura desencadeia um efeito dominó (Crédito: Ronaldo Gogoni/Meio Bit)

Terra ficou um pouquinho mais lenta

Ambos estudos, publicados por pesquisadores do Instituto Federal de Tecnologia de Zurique (ETH Zürich), na Suíça, uma das mais conceituadas faculdades de Engenharia e Tecnologia do mundo, desenhou um modelo para a Terra onde nada é isolado. Se algo sai do prumo, um efeito dominó é desencadeado, com consequências mais profundas e bem variadas.

O aquecimento global, no caso, tem como consequência mais perceptível o derretimento das calotas polares, especialmente Antártica e Groenlândia, no que um grande volume de água é adicionado aos oceanos, aumentando seu nível. Estudos passados já mostraram que a adição dessa água, que é doce e possui densidade diferente da água do mar, pode afetar as correntes marítimas, por exemplo.

Os estudos do ETH Zürich, no entanto, apontaram para outro problema, a quantidade de água adicionada ao mar não é distribuída de forma uniforme pelo planeta, ao invés disso, se concentra na região do Equador, o que cria um problema diferente: se você lembra das aulas de Física, sabe o que é conservação de momento angular: quanto mais próxima do eixo de rotação estiver a massa, menor é a inércia.

Considere o exemplo de uma patinadora: quando ela realiza um movimento de pirueta (giro), com os braços juntos ao corpo ou estendidos para o alto, ela ganha velocidade; ao abri-los, afastando-os de seu eixo, ela diminui.

O exemplo, dado pelo Dr. Benedikt Soja, professor de Geodésia Espacial do Departamento de Engenharia Civil, Ambiental e Geomática do ETH Zürich, e orientador/co-autor de ambos artigos, diz que o mesmo está acontecendo com a Terra: com mais água na região equatorial, a velocidade de rotação diminuiu em alguns milissegundos por dia, algo imperceptível no dia a dia, mas o suficiente para deixar o planeta mais lento, e os dias mais longos.

Embora isso não represente problemas para a população de forma imediata, ninguém terá seu ritmo circadiano zoado por causa disso, mas até então, a Lua tinha o papel de atrasar nossa rotação, através do atrito das marés, no que a Terra e o satélite atraem um ao outro. Para dar uma ideia, 600 milhões de anos atrás o dia durava 21 horas, o "puxão" da Lua aumentou esse tempo para o atual, que é 24 horas, 3 minutos e 56,555 segundos.

Segundo os estudos do ETH Zürich, o aumento da temperatura média, causado principalmente por humanos, cada vez jogando mais gases de Efeito Estufa na atmosfera, fará com que cada vez mais gelo polar derreta e mais água vá parar no Equador, criando um cenário onde esse excesso de fluido passará a ser mais influente na desaceleração da rotação terrestre, do que a própria Lua.

Por fim, o excesso de massa em circulação na superfície também influencia a posição do eixo de rotação terrestre, que pode chegar a 10 metros a cada 100 anos, e de novo, não é isolado, pois se relacionada com os movimentos do manto do planeta.

Derretimento das calotas polares afeta rotação da Terra, e influencia movimento do manto (Crédito: Jeremy Potter, NOAA/OAR/OER, CC-BY 2.0)

Derretimento das calotas polares afeta rotação da Terra, e influencia movimento do manto (Crédito: Jeremy Potter, NOAA/OAR/OER, CC-BY 2.0)

Manto também é afetado

O manto, formado por rocha derretida, se move devido à alta pressão interna da Terra, e do fluxo de calor dos metais liquefeitos do núcleo externo, que geram o campo magnético da Terra. A equipe do prof. Soja (lê-se "soia") criou um modelo de IA, aplicando as leis da Física e alimentando o algoritmo com diversos dados, para prever os movimentos polares (a variação de posição dos polos celestes em relação aos geográficos), e como ele está associado aos processos individuais no manto e no núcleo, e também ao clima na superfície.

O modelo conseguiu, com os dados apresentados, criar simulações que bateram com observações feitas desde os anos 1900, assim, ele seria preciso em predições futuras. Os pesquisadores constataram que uma mudança no eixo de rotação, seja causada pelo material interno ou externo, afeta a distribuição da rocha viscosa pelo planeta, e causar alterações no campo magnético. Assim, uma maior quantidade de água na superfície, que pode mudar a posição do eixo, também tem potencial de afetar o fluxo da rocha interna, e causar outros efeitos a longo prazo.

Outras consequências são mais imediatas, e afetam inclusive a exploração espacial. Soja dá um exemplo simples, de como uma adição de milissegundos à duração do dia na Terra, pode significar um desvio de centímetros, metros ou até de 1 km, para o lançamento de uma sonda, fazendo-a errar seu destino de forma espetacular. Assim, o pesquisador aponta que, em um cenário mais imediato, missões serão obrigadas a incluir as mudanças climáticas no cálculo de trajetória, se não quiserem repetir o epic fail da Mars Climate Orbiter.

O prof. Soja diz que não há motivos para criar alarme, estamos seguros por enquanto, mas ele diz que nós, humanos, "causamos mais impacto no Meio Ambiente da Terra do que imaginávamos", e isso "coloca uma grande responsabilidade em nossas mãos, quanto ao futuro do planeta".

Referências bibliográficas

SHAHVANDI, M. K., ADHIKARI, S., DUMBERRY, M. et al. Contributions of core, mantle and climatological processes to Earth’s polar motion. Nature Geoscience, Edição #17, 705-710 (2024), 16 páginas, 12 de julho de 2024. DOI: https://doi.org/10.1038/s41561-024-01478-2.

SHAHVANDI, M. K., ADHIKARI, S., DUMBERRY, M. et al. The increasingly dominant role of climate change on length of day variations. PNAS 2024, Vol. 121, Edição #30, e2406930121. DOI: https://doi.org/10.1073/pnas.2406930121.

Fonte: ETH Zürich

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