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NASA: radiação de Júpiter pode atrasar missão Europa Clipper

Segundo a NASA, transístores da Europa Clipper podem não resistir à radiação de Júpiter; Falcon 9 "de castigo" também pode atrasar a missão

10 semanas atrás

A Europa Clipper é uma sonda espacial da NASA, desenvolvida para explorar o satélite congelado de Júpiter (sem pousar lá, claro), tem seu lançamento agendado para 10 de outubro de 2024, mas a missão agora pode atrasar, graças a um "pequeno" vacilo do Laboratório de Propulsão a Jato (JPL).

Seus técnicos descobriram, aos 44 minutos do segundo tempo, que os transístores embarcados na sonda podem não resistir aos elevadíssimos índices de radiação do maior planeta do Sistema Solar, que poderiam simplesmente "fritar" a Europa Clipper.

Técnicos da JPL descobriram, meio em cima da hora, que transístores da Europa Clipper não resistem a níveis de radiação inferiores aos de Júpiter (Crédito: Divulgação/NASA)

Técnicos da JPL descobriram, meio em cima da hora, que transístores da Europa Clipper não resistem a níveis de radiação inferiores aos de Júpiter (Crédito: Divulgação/NASA)

Como se não bastasse, a FAA (Administração Federal de Aviação dos Estados Unidos) proibiu a SpaceX de fazer novos lançamentos do Falcon 9 após a pane recente, enquanto uma extensa investigação não for concluída; isso pode também afetar a missão da Europa Clipper, que deve ser lançada por um Falcon Heavy, uma versão derivada do foguete "de castigo" que, em tese, também não pode subir.

NASA não quer Europa Clipper "fritando" em Júpiter

Proposta originalmente em 1997, os planos para o início do desenvolvimento da missão Europa Clipper começaram em 2013, com a liberação de US$ 75 milhões iniciais. Hoje, o orçamento total está calculado em aproximadamente US$ 5 bilhões, afinal JPL, mas como ela foi selecionada como a alternativa mais barata em comparação a outras propostas, a NASA e o Congresso não reclamaram muito.

A missão consiste em realizar uma série de sobrevoos a Europa, e coletar o máximo possível de dados sobre sua geologia, confirmar as suspeitas de que exista um enorme oceano por baixo de sua crosta congelada, analisar a composição e confirmar a presença de elementos básicos para a formação de vida, mesmo em um ambiente tão inóspito.

O grande problema de Europa não é nem o gelo, e sim a insana radiação emitida por Júpiter e seu satélite-irmão Io, cuja atividade vulcânica intensa alimenta a magnetosfera do planeta gasoso com plasma; este, por sua vez, apresenta níveis de radiação 20 mil vezes mais elevados do que o campo eletromagnético da Terra, algo que definitivamente irá estragar seu fim de semana a curto, médio, e longo prazo. E sim, Europa está mergulhado nesse "mar" radioativo.

Como não mandaremos alguém para Júpiter ou um de seus satélites tão cedo, a radiação por lá representa outro problema, de danos a componentes eletrônicos em uma velocidade alucinante. Qualquer coisa que chegue perto demais, mesmo com blindagem reforçada, só resistiria alguns meses, e mesmo que os instrumentos captem os dados rápido, não conseguiríamos recebê-los na mesma velocidade, dadas a distância e a disponibilidade de receptores adequados na Terra.

Com isso, temos a Europa Clipper. A sonda é a maior espaçonave não-tripulada já construída, com 6 metros de altura, um painel solar de 22 m, e massa total de 6 toneladas. A solução encontrada foi programá-la para realizar vários sobrevoos a Europa, onde ela teria de 7 a 10 dias para retransmitir os dados entre um e outro.

Corpo principal da sonda Europa Clipper, durante processo de montagem na sala limpa do NASA JPL, em foto de 2022 (Crédito: NASA/JPL-Caltech/Johns Hopkins APL/Ed Whitman)

Corpo principal da sonda Europa Clipper, durante processo de montagem na sala limpa do NASA JPL, em foto de 2022 (Crédito: NASA/JPL-Caltech/Johns Hopkins APL/Ed Whitman)

Com o lançamento programado para outubro de 2024, a Europa Clipper deve chegar a Júpiter por volta de 2030, e concluir sua missão após 4 anos de sobrevoos a Europa, mas só em maio último, a JPL percebeu ter um problema nas mãos: os MOSFETs, acrônimo em inglês para transístores de efeito de campo metal-óxido-semicondutor, são mais frágeis do que o esperado, e estariam falhando com doses menores de radiação, quando comparado à carga que deverão receber na missão real.

MOSFETs não são nada de outro mundo, nós os usamos no dia a dia graças à velocidade alta de comutação, e eficiência em baixa voltagem. Temporizadores e amplificadores de áudio são duas aplicações bem simples. No caso da Europa Clipper, esses transístores foram fabricados pela Infineon Technologies, uma manufatura de semicondutores da Alemanha.

A JPL notou o problema com os MOSFETs após uma conferência, no que parceiros de uma organização não identificada alegaram que os transístores não entregavam o que prometiam. Os técnicos do laboratório levaram a denúncia ao alto escalão da NASA, já que a Infineon é uma das principais fornecedoras de componentes da agência espacial norte-americana.

Os primeiros testes, conduzidos por engenheiros do Laboratório Johns Hopkins de Física Aplicada, apontaram que os MOSFETs falham quando expostos a níveis de radiação inferiores aos da região entre Júpiter e Europa, significando que, numa situação real, a Europa Clipper acabaria fritando durante a missão. E isso não pode acontecer.

Em uma postagem publicada no blog oficial na última quinta-feira (11), a NASA admitiu preocupação com o estado atual dos transístores, enquanto a Infineon, que já sabia do problema, mas não notificou a agência por não saber se o lote de componentes com problema seria ou não usado (agora sabe que foi), está trabalhando junto para resolver a situação.

A preocupação geral é de que, faltando menos de três meses para o lançamento, a missão Europa Clipper tenha que ser adiada, caso o problema com os MOSFETs não seja sanado a tempo, mas como nada está tão ruim que não pode piorar...

"Castigo" do Falcon 9 é outro fator

Ainda na última quinta-feira (11), a SpaceX realizou sua mais recente missão do foguete Falcon 9, para lançar mais satélites da rede StarLink em órbita, quando um vazamento de hidrogênio líquido foi detectado no segundo estágio, 11 minutos após o lançamento. Como ele não chegou à altitude planejada, os 20 satélites (13 deles com capacidade direct-to-cell, ou seja, se comunicam diretamente com smartphones), foram lançados em uma órbita mais baixa que o normal, e apenas 5 puderam ser contatados.

Segundo o bilionário Elon Musk, CEO e dono da companhia aeroespacial, a anomalia causou uma "fragmentação rápida não controlada" do estágio, em resumo, ele explodiu.

Como o Falcon Heavy é composto por três primeiros estágios do Falcon 9 (um reforçado) e usa o mesmo segundo estágio, castigo do foguete-base também afetaria o derivado (Crédito: Divulgação/SpaceX)

Como o Falcon Heavy é composto por três primeiros estágios do Falcon 9 (um reforçado) e usa o mesmo segundo estágio, castigo do foguete-base também afetaria o derivado (Crédito: Divulgação/SpaceX)

A FAA, que como todo órgão do governo dos EUA, da NASA ao Congresso, não vai com a cara de Musk, colocou imediatamente o Falcon 9 "de castigo", proibindo a SpaceX de realizar novos lançamentos com o foguete, até que uma investigação minuciosa seja concluída. Somente quando todos os fatores forem considerados, e ações corretivas forem tomadas para que o caso não se repita, eles serão autorizados a voar novamente, o que não tem data para acontecer.

Aí você pergunta, "o que isso tem a ver com a missão Europa Clipper, ela não vai subir em um Falcon Heavy"? Sim, vai, mas é preciso lembrar que o atual mais poderoso foguete da SpaceX em operação é composto por três primeiros estágios do Falcon 9, no que o central é reforçado, e o segundo estágio é o mesmo do foguete-base.

Dessa forma, uma proibição de voo imposta ao Falcon 9 afeta também o Falcon Heavy, que nada mais é do que um derivado, ainda mais considerando que ele foi selecionado para lançar uma carga importante; a última coisa que o governo dos EUA quer, é a Europa Clipper explodindo durante a ascensão.

Assim, mesmo que os problemas com os MOSFETs da sonda sejam resolvidos a tempo, se a FAA não liberar o Falcon 9 até antes da data de lançamento, a missão da Europa Clipper será adiada do mesmo jeito, e duvido muito que Elon Musk convencerá a agência de aviação que o Falcon Heavy é um foguete diferente.

Uma opção ao Falcon Heavy seria aquilo que você já pensou, o SLS. Originalmente, o Congresso havia determinado que a Europa Clipper seria lançada com o foguete da Boeing, mas a NASA requisitou um leque maior, e acabou fechando com a SpaceX.

Eu não duvido que senadores e representantes estejam esfregando as mãos no momento (lembre-se, o SLS é uma plataforma política), assim como a Boeing, caso o foguete do Musk permaneça no chão por tempo indeterminado, devido a "preocupações com a segurança", segundo a posição oficial da FAA.

A SpaceX anunciou que irá colaborar com a FAA, até porque não tem outra opção.

Fonte: NASA, SpaceX, ExtremeTech

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