Foguete chinês escapa durante teste estático

O programa espacial chinês é motivo de orgulho nacional, já mandaram robôs para a Lua, trouxeram recentemente amostras do solo do lado oculto, e são o único país com uma estação espacial própria, mas hoje eles pisaram na bola. Feio.

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Vemos muitas empresas pipocando na China, com propostas mais ou menos convencionais. Há um bom número de companhias “desenvolvendo” foguetes que são apenas mísseis balísticos adaptados. Todas essas empresas trabalham no modelo de capital público-privado chinês, onde sempre tem alguém do governo tirando o seu. Ainda bem que no Brasil não acontece isso.

A SATS (Academia de Tecnologia de Vôo Espacial de Xangai) está desenvolvendo um foguete reutilizável, recentemente fizeram um vôo de testes atingindo 10km de altitude, nada mau...

Já a Space Pioneer decidiu que a melhor forma de ser pioneira é copiando o trabalho dos outros, e crianças, como eles copiaram. Os foguetes deles são (ok, serão) cópias descaradas do Falcon 9 e Falcon Heavy. Até o número de motores é o mesmo.

Como a China é o maior produtor de toner de Xerox do mundo, o desenvolvimento do Tianlong-3 vem sendo bem rápido, a expectativa era que o foguete chinês fosse lançado no final de julho. Estavam tão confiantes que foi planejado para 29/6 um teste estático.

O que é um teste estático?

Motores de foguetes são testados em bancadas, instalações especiais com todo o encanamento de combustível, refrigerante, etc. Depois disso eles são integrados ao foguete, e dependendo da filosofia da empresa, o foguete é colocado em uma plataforma de testes, é bem preso ao chão, e é feito todo o procedimento de lançamento, com acionamento dos motores (às vezes em potência reduzida, às vezes nominal, depende do foguete).

É um teste importante para verificar se tudo foi instalado corretamente, se todos os sensores estão reportando valores corretos, se não há nenhum componente com sinais de falha.

Aqui o teste estático do Falcon 9, em 2010, antes de seu primeiro lançamento:”

O que deveria ser rotina, ou no máximo uma constrangedora desmontagem rápida não-planejada, se tornou algo quase inédito na história da indústria espacial.

Durante um lançamento normal, o foguete é preso por várias travas hidráulicas. Os motores são acionados e o computador decide se estão performando corretamente, se as forças estão corretas e se o foguete irá subir. Estando satisfeito, o computador libera as travas e o foguete sobe.

Em um teste estático realizado fora de uma base de lançamento, as travas não se soltam, são projetadas para segurar o foguete, em alguns casos cabos de aço são usados para manter tudo preso.

O teste do foguete chinês foi em uma pedreira abandonada a cerca de 4-5 km da cidade de Gongyi, na província de Henan, a oeste da grande cidade de Zhengzhou e a leste da antiga capital chinesa, Luoyang.

Não, repito, não era uma base de lançamento, é uma pedreira abandonada, onde construíram uma bancada para fixar o primeiro estágio, coberto com plástico, apenas para o teste estático.

O que aconteceu: O foguete foi abastecido com bastante combustível (Oxigênio Líquido e RP1, um tipo de querosene altamente refinado, mesmo combustível do Falcon 9) e os motores acionados.

Algo deu MUITO errado, tal qual quando cartão de crédito de jogador de futebol é rejeitado, as travas não cumpriram sua função. O Tianlong-3 se soltou e, por culpa de Isaac Newton, começou a subir.

Ele não tinha nenhuma instrução do que fazer numa situação dessas, é algo que NINGUÉM programa em um teste estático, mas de qualquer jeito, não adiantaria muito. Pelo menos um dos motores explodiu, desencadeando uma reação em cadeia que em alguns segundos cortou toda a propulsão, o foguete começou a cair igual a um primeiro estágio de foguete chinês descartado em cima de uma aldeia.

Por sorte, MUITA SORTE, ele voou em direção a uma montanha, aparentemente desabitada. Até agora não há notícias de mortos ou feridos. Com Gongyi ali do lado, algo de MUITO ruim poderia ter acontecido. Com 400 toneladas de combustível e oxidante, teríamos um senhor cabum na cidade.

Nas Interwebs, claro, o povo correu para falar sobre o que não sabe, então vamos explicar alguns fatos da vida:

1 – não é muito perto da cidade para lançar um foguete

A instalação na pedreira NÃO é uma base de lançamento, ela não foi feita para isso e em hipótese alguma um lançamento seria autorizado. O que aconteceu foi tão raro que só há UM registro anterior, um foguete Viking, basicamente uma V-2 miniatura, escapou dos cabos de retenção durante um teste estático e decolou sem-querer. Como era um foguete de produção, pronto para ser lançado, havia um sistema de autodestruição, comandado depois que o Viking-8 atingiu uma altitude segura.

2 – E o sistema de autodestruição do foguete chinês?

Não existe sistema de autodestruição em teste estático. Não faz sentido. Se o teste foi bem-sucedido, nada acontece. Se o teste der errado, ou o foguete explode, ou parte fica danificada, mas ele continua lá, para ser estudado. Não há nenhum cenário concebível onde encher o foguete de explosivos seja necessário durante um teste estático.

3 – Foi só um acidente, acidentes acontecem na pesquisa espacial

Não, não foi só um acidente. Foi uma hagada FEDERAL, foi algo que simplesmente não acontece, não pode acontecer. Revelou um nível de amadorismo inaceitável, não é um acidente causado por pressão política, como o da Challenger, ou uma tragédia por más-escolhas, como a Apollo I. Deixar o foguete escapar é... é inconcebível. Alguém não fez o seu trabalho, alguém foi extremamente irresponsável com algo básico, que mal pode ser chamado de tecnologia. Muito provavelmente nem sistemas hidráulicos são usados, é capaz do Tianlong-3 ser preso por porcas e parafusos.

E agora?

Se fosse com a SpaceX, metade do Twitter estaria na porta, com tochas e ancinhos, pedindo a cabeça do Elon Musk, e com razão. Elon por sua vez estaria se preparando para pagar uma multa bilionária e passar os próximos 5 anos em comissões de inquérito. A SpaceX teria sua licença de lançamento revogada ou pelo menos suspensa por prazo indeterminado. Jeff Bezos estaria experimentando orgasmos múltiplos.

Como o caso foi na China, nada disso acontecerá. Dependendo das conexões políticas dos diretores da Space Pioneer, vão ganhar um tapa na mão, um “ai ai ai” e segue a vida.

Para nós que estamos de fora, temos a rara oportunidade de apreciar uma hagada de proporções épicas, com a consciência limpa de que ninguém morreu, descontando os responsáveis pelo “lançamento”, provavelmente.