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Ohka - o torpedo voador kamikaze de um Japão desesperado

Para realizar ataque kamikaze valia tudo, e o Japão usou vários tipos de veículos. Talvez o mais impressionante seja o Okha, um torpedo voador foguete

27/02/2024 às 14:56

Kamikaze não era uma palavra que passa pela mente do jovem piloto alemão, quando ele mirou seu BF-109 na traseira de um bombardeiro ianque. Não era opção abater o inimigo com tiros. Seu avião não tinha os tradicionais canhões de 30mm e 20mm dos BF-109 comuns, o piloto foi treinado para abalroar o inimigo, essa era a missão do Sonderkommando Elbe.

Kamikazes kawaii, sempre melhor (Crédito: Stable Diffusion)

Criado na base do desespero, o Sonderkommando Elbe era um grupo de pilotos recrutados entre os mais fanáticos da juventude hitlerista. Eles voavam em versões obsoletas do BF-109, sem blindagem, proteção e com os armamentos retirados, exceto uma MG-131, metralhadora de 13mm com... 60 cartuchos de munição. Brrrrrrt e pronto.

A estratégia do grupo era atacar formações de bombardeiros inimigos, colocando seus aviões em curso de colisão, acertando principalmente a cauda dos aliados. Com os dois aviões caindo sem controle, o piloto alemão pularia do cockpit, acionaria o para-quedas e chegaria em segurança ao chão.

Na prática a taxa de sobrevivência foi calculada em 10%, e depois de um ataque onde 180 aviões foram usados e algo por volta de oito inimigos foram derrubados, Hitler decidiu que o Sonderkommando Elbe era deprimente demais, e cancelou novos ataques. Eles tiveram uma única missão oficial, em 7 de abril de 1945.

Ilustração de Helmuth Ellgaard, em 1944, mostrando a manobra de colisão. Como podemos ver, perfeitamente segura e fácil do piloto se evadir em seguida (Crédito: Helmuth Ellgaard / Wikimedia Commons)

O alemão médio estava disposto a morrer pelo Reich, mas não a se matar por ele. Do outro lado do mundo, isso não era tão problema. O fanatismo entre a população japonesa era dez vezes maior, planos para deter uma invasão aliada, cobrando um preço altíssimo, envolvia armar a população civil, ataques massivos com submarinos-suicida Kaiten (mais de 500 foram construídos) e os temidos Kamikazes.

Por um tempo a estratégia de encher um avião de explosivos e lançá-lo contra um navio inimigo deu bastante certo, apavorando os americanos. Porta-aviões como o USS Enterprise foram colocados fora de combate, com grandes perdas de aviões a bordo. E pessoal.

No total foram 7000 homens mortos pelos kamikaze, e 57 navios afundados, incluindo três porta-aviões de escolta, a um custo de 3000 pilotos, mas não foi o suficiente.

Vendo que a tática era ataque frontal, os americanos passaram a concentrar todo o seu armamento antiaéreo nos kamikazes, que tinham um calcanhar de Aquiles: Eram novatos demais. A maioria só tinha aprendido a decolar com o avião, tinham pouquíssimas horas de vôo, o Japão estava carente de pilotos experientes, e Kamikaze experiente é meio que uma contradição.

Esses pilotos n00bs eram prato cheio para os veteranos aliados, sendo abatidos pelos caças inimigos ou pela antiaérea.

Uma alternativa era dar aos kamikaze aeronaves melhores e mais difíceis de interceptar.

Essa ideia foi bem-recebida, pois o custo de produção de um avião completo era muito caro, e os bombardeios incessantes meio que destruíram a base industrial nipônica, estava complicado produzir caças suficientes.

Uma solução apresentada foi o Yokosuka MXY-7 Ohka, ou "flor de cerejeira" na tradução.

Basicamente o Ohka era um torpedo voador (sim, eu lembrei d’O Pirata do Espaço) com uma cabine para um sujeito sem muito amor à vida. Ele seria lançado de um bombardeiro, a uns 40 km do alvo, acionaria seus três motores de foguete (individualmente ou os três de uma vez) e mergulharia a 1.000 km/h, mais rápido que qualquer caça da época, invulnerável aos aviões inimigos e bem mais difícil de ser abatido pela artilharia.

Um Ohka modelo 22, preservado em museu (Crédito: Sanjay Acharya / Wikimedia Commons)

O Ohka era kamikaze com esteroides, como os gringos gostam de falar. Um míssil mortal, com total precisão.

Com asas de madeira, ele pesava quase nada, seus 1.200 kg eram praticamente explosivos e piloto, mas havia algumas desvantagens. O Ohka era muito difícil de pilotar, os japoneses chegaram a criar modelos de treinamento (sem explosivos) com flaps e esquis de aterrizagem, para familiarizar os pilotos com a aeronave. Mesmo assim, vários foram perdidos em acidentes, erraram os alvos ou se descontrolaram bem antes de chegar na zona do agrião.

Um Ohka de treinamento, note o esqui de pouso (Crédito: Museu Nacional da Força Aérea - EUA)

Versões com ogivas menores e motores melhores foram projetadas, mas não chegaram a ser construídas ou não entraram em operação antes do final da Guerra. O Modelo 22, por exemplo, tinha um motor a jato e alcance de quase 200 km.

Em 12 de abril de 1942 o destróier de 2.000 toneladas USS Mannert L. Abele se tornou a primeira vítima de um Ohka, que depois de um mergulho picado acertou em cheio, sua ogiva explodindo e o navio se partindo ao meio.

Percebendo o risco, os americanos aumentaram os raios das patrulhas, atacando os bombardeiros que levavam os Ohkas, antes que eles pudessem ser lançados. Isso ajudou a diminuir as chances de um ataque.

O finado USS Mannert L. Abele, em dias melhores (Crédito: Naval History and Heritage Command)

No final da Guerra o Japão tinha construído 852 Ohkas. Durante a campanha de Okinawa conseguiram mobilizar 300, desses 74 foram enviados para combate.  Dos 74 em combate, 56 foram destruídos.

A contagem total dos Ohkas é de três navios afundados ou inutilizados, e três danificados. Nenhum deles grande ou importante.

O Ohka foi uma ideia desesperada de um país que não aceitava a derrota. Hoje os pilotos dos Ohkas são homenageados em várias partes do Japão, inclusive no Parque Ohka, em Kashima. Durante a guerra, eles não eram tão bem-vistos, e quando entenderam o conceito de se enfiar em um torpedo voador suicida, os americanos passaram a chamar os Ohkas de Baka Bombs, Baka é um xingamento japonês que significa idiota. Ou seja, os Ohkas eram Bombas Idiotas.

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