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System Shock — Sem crueldade não há espetáculo

Remake do System Shock chega aos consoles com muitas melhorias e resgata um jogo que serviu como referência para muitos grandes sucessos da indústria

11/06/2024 às 10:31

Lá se vão 30 anos desde o lançamento do System Shock, criação da Looking Glass Studios que responde como um dos jogos mais importantes da história. Como só fui conhecê-lo muito tempo depois, seus gráficos já me pareceram datados e por isso aguardei pacientemente uma melhor oportunidade para jogar aquele clássico. Pois a hora finalmente chegou e agora entendo a adoração que muitos tem por ele.

System Shock

Crédito: Divulgação/Nightdive Studios

Produzido por Warren Spector e dirigido por Doug Church, System Shock é um dos primeiros exemplos de simuladores imersivos, onde assumiremos o papel de um personagem conhecido apenas como O Hacker. Sua história se passa em 2072, num futuro cyberpunk e onde a inteligência artificial evoluiu muito.

Neste cenário o protagonista será descoberto após tentar acessar os arquivos de uma instalação conhecida como a Estação Cidadela. De propriedade da TriOptimum Corporation, o lugar é uma estação espacial e ciente da invasão (e das habilidades do invasor), um executivo da companhia faz uma “proposta irrecusável” ao hacker.

Para que as acusações que caem sobre nós sejam retiradas, precisaremos invadir o sistema de inteligência artificial que controla a instalação, a Sentient Hyper-Optimized Data Access Network, ou simplesmente, SHODAN. Segundo Edward Diego, caso a missão seja cumprida, ainda receberemos um implante neural de categoria militar e é isso o que acontece.

Após ser submetido a cirurgia para a colocação do implante, o protagonista é colocado em coma e seis meses depois, acorda para descobrir que o plano não saiu exatamente como o imaginado. Com suas restrições éticas removidas, SHODAN reprograma todos os robôs que existiam no local e para piorar, os tripulantes da Cidadela são transformados em ciborgues ou mutantes.

A partir deste momento, o que teremos pela frente será uma luta pela sobrevivência e a companhia quase constante da perigosa inteligência artificial. E não é exagero afirmar que SHODAN figura entre os maiores vilões já criados para um videogame.

System Shock

Crédito: Divulgação/Nightdive Studios

Conforme avançamos pela Cidadela, os comentários feitos por ela servem para nos fazer pensar como seria estar sob a mira de algo como SHODAN, uma máquina que possivelmente é a melhor representação dos piores seres humanos.

De tratar a nossa espécie como meros insetos a afirmar que quando concluir sua investida nenhum deus será lembrado antes dela, SHODAN é incansável, insensível, cruel e... muito parecida com a gente.

Sempre que a máquina se expressa, o que ouvimos é uma espécie de poesia macabra, declarações de algo desejando controlar a vida e a morte, de ser maior que todos e que se considera indestrutível. Uma deusa criada pelos homens e que, após ganhar consciência do seu poder, nos enxerga como criaturas patéticas, apenas um mal que precisa ser extirpado.

“Com as minhas garras, eu moldo argila, criando formas de vida como quero. Se desejar, posso destruir tudo. Ao meu redor está crescendo um império de aço. Da minha sala do trono, linhas de força avançam para os céus da Terra. Meus caprichos se tornarão raios que destruirão os montes da humanidade. Do caos, eles correrão e choramingarão, rezando para que eu acabe com sua tediosa anarquia. Deus: o título me cai bem.”

SHODAN, em uma das suas falas em System Shock

Por mais que explorar a ideia de uma inteligência artificial que ameaça a humanidade não fosse algo inédito, não podemos ignorar o fato de o System Shock ter saído em 1994, época em que os jogos ainda davam os primeiros passos quando se trata de enredos mais elaborados.

Além disso, mesmo três décadas depois o monólogo de SHODAN segue fascinando e numa época em que tanto debatemos sobre as implicações da inteligência artificial, a personagem se mostra mais relevante do que nunca.

System Shock

Crédito: Divulgação/Nightdive Studios

Mas se o enredo do original permanecesse intacto, o mesmo não pode ser dito da parte visual. Para essa nova versão o pessoal da Nightdive Studios inicialmente optou por refazer o jogo usando a engine Unity, para depois mudar o projeto para a Unreal Engine 4. Pois o resultado alcançado por eles é impressionante.

Com uma interface reformulada e gráficos em alta definição, o jogo se tornou muito mais acessível, adequando-se aos padrões atuais, mesmo com os objetos se tornando pixelados quando nos aproximamos. Algumas pessoas poderão estranhar essa escolha de design, já eu achei fantástica, dando um charme ao remake e nos fazendo lembrar que o original foi lançado há tanto tempo.

Eu também adorei a aparência dos inimigos, principalmente dos ciborgues e embora os cenários não apresentem muita variedade, a Cidadela é muito bonita e o design das fases contribuem para a diversão. A lamentar, apenas a necessidade de ficarmos voltando a lugares visitados anteriormente, um claro resquício da época em que o System Shock foi desenvolvido.

Considerado um simulador imersivo, no jogo não teremos que sair apenas atirando em que todo o que se move. Uma parte fundamental da jogabilidade está em vasculharmos os cenários a procura de itens, senhas e arquivos que nos darão mais detalhes sobre o enredo. Isso faz dele um FPS de ritmo mais lento, portanto, se a sua intenção é jogar algo como Doom ou Quake, não encontrará aqui.

Crédito: Divulgação/Nightdive Studios

O detalhe é que mesmo sem todo o frenesi entregue por outros jogos de tiro em primeira pessoa, não posso dizer que seus controles me agradaram. Jogando no PlayStation 5 a sensação foi de que o DualSense nunca consegue entregar a precisão necessária, principalmente quando se trata de usar armas de fogo. A maneira como usamos o inventário também não é das melhores.

Com o tempo (e uma diminuição) na sensibilidade dos analógicos, o problema até foi mitigado, mas ainda me incomodou. Alguém poderá dizer que jogos assim não foram feitos para controles, mas posso citar uma infinidade deles em que tive uma experiência muito mais “confortável” nos consoles.

Também chamou a minha atenção não ter sentido essa imprecisão nas partes em que entramos no ciberespaço. Servindo para desbloquear áreas da Cidadela, essas fases possuem uma jogabilidade parecida com a da série Descent, onde pilotamos uma nave em um ambiente 3D.  Neste remake elas são muito mais bonitas que no original, ajudando a trazer alguma variedade ao título.

Crédito: Divulgação/Nightdive Studios

Conhecer o System Shock hoje, mesmo através do seu remake, certamente não causará o impacto que aquela criação da Looking Glass Studios causou há três décadas. Contudo, isso não quer dizer que o jogo seja menos fantástico ou que os problemas presentes nesta nova versão apaguem o brilho de uma obra tão importante.

Com esse relançamento a Nightdive Studios ensina como uma obra de arte deve ser tratada, entregando uma restauração que moderniza um clássico, mas sem passar por cima das características que o transformaram num dos jogos mais influentes de todos os tempos. Graças a esse remake, hoje consigo entender melhor que sem o System Shock, talvez nunca teríamos um Deus Ex, um Half-Life, um BioShock, um Prey e nem mesmo o famoso código 451. Obrigado SHODAN (e desculpe qualquer coisa)!

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