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Revistas de games e a batalha contra as editoras no Japão

Ex-editor da Weekly Shōnen Jump relembra como as editoras faziam pressão para que as revistas de games não publicassem macetes e análises de suas criações

24/05/2024 às 10:50

Vez ou outra a imprensa especializada em videogames se vê no meio de alguma polêmica relacionada a análises, com leitores acusando sites de terem se vendido para as editoras, ou jornalistas acusando empresas por exigirem que suas criações sejam bem avaliadas. Se voltarmos mais de três décadas ao passado, no Japão um problema parecido já existia, mas estava relacionado a prática das revistas de games publicarem dicas e macetes.

Crédito: Reprodução/corner_mask/X

Quem falou sobre essa inusitada situação foi Kazuhiko Torishima, um profissional com larga experiência na produção de jogos (Dragon Warrior, Chrono Trigger, Final Fantasy VII, Blue Dragon) e que foi editor da revista Weekly Shōnen Jump.

O assunto foi revelado por ele à Forbes em 2016 e relembrado recentemente pelo game designer e jornalista Ollie Barder. Em determinado trecho da entrevista, Torishima fala sobre como era a década de 80, quando as revistas de games ainda davam os primeiros passos no Japão e algumas editoras/desenvolvedoras não gostaram do que essas publicações estavam fazendo.

Embora a Weekly Shōnen Jump fosse uma antologia semanal de mangás, o interesse pelos videogames surgiu após seus criadores perceberem o sucesso que a concorrente CoroCoro Comics estava fazendo. Segundo Torishima, aquela revista tinha algumas páginas seladas que não podiam ser lidas nas lojas. Pois a explicação para as pessoas adquirirem aquela publicação estava no conteúdo daquelas páginas.

Revistas de Games

Crédito: Reprodução/Asturio Cantabrio/Wikimedia Commons

“Fizemos uma pesquisa com a CoroCoro Comics e descobrimos que o conteúdo daquelas páginas seladas eram os macetes e técnicas especiais para os jogos. Naquele momento, instantaneamente soube que aquela era a causa do sucesso.

Como resultado, disse ao meu diretor que teríamos macetes e análises para aquelas páginas especiais, mas o avisei que as companhias de jogos poderiam vir à [editora] Shueisha para reclamar, para tentar nos impedir tanto de divulgar os macetes quanto de avaliar seus jogos. Então disse que precisaríamos estar protegidos para fazer isso, que as companhias de jogos não poderiam se envolver no que faríamos. Felizmente, meu diretor prometeu nos proteger, então fomos adiante.

Como eu esperava, muitas companhias como a Hudson, Konami e Namco vieram reclamar com a Shueisha. Eles argumentaram que divulgar macetes e avaliar os jogos era uma violação de suas propriedades intelectuais. Já havíamos conversado com os nossos advogados e a posição deles era que, como cada jogo era vendido publicamente, aquilo significava que a Shueisha havia os comprado e estávamos apenas fazendo referência ao que já havíamos comprado. Portanto, aquilo não poderia ser uma violação de propriedade intelectual.

Como esse tipo de empresas de jogos sempre tentam esconder as coisas dos seus clientes, elas não poderiam partir com muita força contra uma empresa tão grande quanto a Shueisha.”

Ollie Barder usou a história para sair em defesa da imprensa, já que para ele, o desafio encarado pelos profissionais da Weekly Shōnen Jump e da Shueisha ajudaram a proteger os jogadores. “Sem essa proteção da imprensa, os jogos japoneses seriam terríveis,” argumentou. “As editoras [de jogos] teriam economizado e lançado jogos inacabados. A qualidade dos jogos japoneses hoje é uma prova da sólida imprensa japonesa que protegeu os consumidores nos anos 80.”

Barder terminou seu posicionamento com uma frase que considero importantíssima e não apenas quando se trata de revistas ou sites de games: “Vocês precisam da imprensa.”

Crédito: Reprodução/Possessed Photography/Unsplash

Por mais que as pessoas amem odiar a imprensa, sua importância para a sociedade é inquestionável, com os bons profissionais expondo problemas que normalmente passariam desapercebidos pelas pessoas. E o caso desse início da cobertura de games no Japão mostra muito bem isso.

Se hoje temos as redes sociais ao nosso lado e às vezes elas são bem utilizadas, fazendo com que algumas empresas recuem em iniciativas questionáveis, há 30 ou 40 anos o consumidor não tinha tanto espaço para protestar. Assim, coube a algumas revistas peitarem as empresas que desenvolviam jogos e que aparentemente preferiam que não houvesse um holofote sobre os jogos ruins, por mais que os bons poderiam se beneficiar dessa cobertura.

Também é interessante pensar que, se hoje o público questiona atitudes de algumas empresas que se posicionam contra até mesmo a publicação de vídeo mostrando a jogabilidade, chega a ser surreal pensar que houve uma época em que elas se escoravam em violação de direitos autorais para tentar barrar a publicação até de macetes.

Como não sou especialista na área, a impressão é de que os responsáveis pelos jogos usaram esse argumento apenas para reforçar algo que realmente poderia prejudicar as vendas, que seriam as análises que eventualmente criticariam suas criações. Ao colocar tudo no mesmo balaio, eles devem ter achado que assustariam o pessoal da Weekly Shōnen Jump, mas felizmente os advogados da Shueisha conseguiram lhes dar o respaldo necessário.

Revistas de Games

Crédito: Reprodução/Facebook

Contudo, também é preciso levar em consideração que naquela época o nível de dificuldade presente nos jogos era muito maior, com eles sendo feitos para durarem por meses nas nossas mãos até que conseguíssemos chegar ao final de suas campanhas. Assim, um macete que facilitasse nossas vidas poderia ser prejudicial para as vendas e por isso entendo o temor de algumas empresas.

O fato é que o mundo era muito diferente quando a indústria estava se estabelecendo e hoje até mesmo as revistas de games se tornaram uma raridade. Por isso tentar enxergar aquele cenário pela experiência que tanto a indústria quanto os consumidores adquiriram após várias décadas faz com que tudo pareça tão mambembe, quase absurdo.

Sim, a imprensa ainda comete erros quando se trata da cobertura de games, mas acredito que estamos num lugar muito melhor atualmente e basta darmos uma olhada nas revistas dos anos 80 e 90 para percebermos claramente como essa área evoluiu. Quanto as editoras de games, algumas delas às vezes me passam a sensação de que estão andando para trás mesmo.

Fonte: Time Extension

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