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Vida Digital e Evolução

15 anos atrás

Inaugurando nossa seção de Artigos sobre Ciência, um texto do biólogo Atila Iamarino sobre Vida Digital, com direito até a um software muito inteligentemente projetado, multiplataforma (Linux inclusive) para simular Evolução. Os gráficos não são tão bonitos mas é bem mais versátil que o Spore.

Então, sem mais atrasos, divirtam-se.

Vida Digital e Evolução
Atila Iamarino


Apesar de alguns discordarem, evolução é inerente à vida. Mas nem sempre estudá-la é fácil. E por mais estranho que pareça, um bom lugar para observar alguns fenômenos evolutivos parece ser o computador. A evolução depende de três fatores, como Darwin notou: reprodução, variação e competição. Mas eles não estão restritos à natureza, e podem ser recriados in silico.


Simulação de vida artificial no Avida.

O ecólogo Thomas Ray foi inspirado pelo jogo Core Wars (se tiver um tempo, vale dar uma lida no artigo da wiki linkado), onde os programas competiam por memória de core magnético até o programa vencedor matar os processos de seus concorrentes e usar toda a memória disponível – o Vista deve ter se baseado nessa idéia. Ele percebeu que já existiam competição e reprodução ocorrendo, o que fez foi desenhar um sistema parecido onde os programas podiam introduzir instruções aleatóreas durante sua cópia, mutações que geram a variação.

Depois de anos de aprimoramento, já com o nome de Tierra, começaram a surgir os primeiros sinais de evolução. No começo, os programas apenas competiam por espaço na memória, de forma que o programa que se replicasse mais rápido teria mais sucesso. Os mais bem sucedidos passaram a ser os que perdiam informações inúteis, e com isso conseguiam se copiar cada vez mais rápido.
 
Alguns programas conseguiram dar um passo além, abrindo mão de instruções essenciais que liam de outros programas mais completos (parasitismo!), outros criaram mecanismos para não serem lidos (imunidade), outros contornaram as defesas (dinâmica evolutiva Rainha Vermelha?). A coisa se tornou tão dinâmica, que alguns programas faziam com que os parasitas copiassem coisas para eles quando exploravam os programas mais completos. – criacionistas ficaram de cabelos em pé.

Mas Chris Adami, que na época era pesquisador na Caltech, queria mais. Ele queria escolher características além da capacidade de replicação. A idéia era que os programas conseguissem resolver tarefas e fossem recompensados por isso. A solução foi bem elegante, a energia que um programa recebe são ciclos de processamento, proporcionais à quantidade de instruções que ele contém. Para receber energia extra (mais ciclos) os programas precisam realizar tarefas como uma adição de dois números, imitando a combinação de oxigênio e açúcar que usamos para produzir energia nas células. Auxiliado por Charles Ofria e Titus Brown, surgia o Avida (vida artificial).

Até hoje, o Laboratório de Evolução Digital desenvolve o software, que pode inclusive ser baixado para rodar na sua máquina, Windows, Linux ou MacOSX. Rodando o Avida e mudando parâmetros como a quantidade de números que os programas podem somar (limitando recursos), o tempo que um programa leva para se copiar (geração), a taxa de variação e outros, muitos processos evolutivos têm sido recriados. O Avida e outros programas artificiais têm servido para testar hipóteses evolutivas, inclusive mostrando que a reprodução sexual (pdf) mantém a robustez genética dos organismos.


Alguns dos dados que o programa fornece.

Ao ponto de alguns programas chegarem em um arranjo de comandos que não permite que um deles seja removido, sem que o programa deixe de rodar, ou morra. O que os criacionistas chamam de complexidade irredutível, e apontavam como impossível de surgir sem um designer intencionado por trás  – segundo os autores do programa, os criacionistas baixam e rodam o Avida procurando alucinadamente por falhas, um time de bug testers grátis.

A simulação de formas de vida digitais possui várias vantagens: velocidade (tanto de tempo de geração quanto de tamanho da prole), análise estatística com mais dados e mais refinamento, traçar com detalhes a genealogia e origem de um programa – fato impossível na vida real – escala e simulação de situações improváveis ou impossíveis de se obter na natureza. Obviamente coisas como interações com outros organismos, comunicação, reações complexas, ainda não são possíveis. Ainda.

A evolução in silico pode ser usada para resolver diversos outros problemas, de construir uma catapulta eficiente ao desenvolvimento de circuitos ou programas. Mas e explicação de como um processo aleatório pode chegar a conclusões tão boas quanto as nossas (e quem sabe melhores) fica para o próximo texto.


Notas:

Um review sobre vida artificial e evolução, escrito pelo próprio Christoph Amami, está disponível aqui (pdf) – bem técnico e exige um bom inglês.

E aqui está o histórico do Avida, bem interessante.

Atila Iamarino é biólogo, doutorando em evolução do HIV, um dos coordenadores do ScienceBlogs Brasil e autor do blog Rainha Vermelha. claro:) Ele acredita que a ciência pode dialogar com qualquer área e que evolução é a resposta para a vida, o universo e tudo mais

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