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As inimigas secretas dos U-Boats nazistas

U-Boats foram a maior ameaça da 2.ª Guerra Mundial, o que pouca gente sabe é que mulheres foram fundamentais para enfrentar as táticas de Karl Dönitz

11 semanas atrás

Os U-Boats eram a única coisa que tirava o sono de Winston Churchill durante a Segunda Guerra Mundial. Eles estiveram a muito, muito pouco de estrangular a Inglaterra. Em alguns momentos os ingleses só tinham quatro meses de suprimentos, e as matilhas de lobos do Almirante Karl Dönitz percorriam o Atlântico atrás de mais e mais alvos.

HMS Brissenden, destróier britânico (Crédito: Royal Navy)

A História conta que os “Tempos Felizes” dos U-Boats acabaram quando os ingleses decifraram a criptografia das máquinas Enigma usadas pelos nazistas, mas não foi bem assim.

As mensagens não eram decodificadas em tempo real, muitas vezes só partes das mensagens eram decodificadas, as “Bombas”, os equipamentos usados para fazer a decodificação trabalhavam com força bruta, então não se sabia quanto tempo levaria.

Os alemães mudavam constantemente as configurações das máquinas Enigma, e mesmo quando os ingleses tinham todas as informações, saber que uma matilha de submarinos estava na região e iria atacar um comboio não era informação suficiente para quem está no mar defendendo 40 navios com 3 ou 4 destróiers, cobrindo centenas de quilômetros quadrados de oceano.

Para piorar, o Almirantado Britânico não acreditava em submarinos. A percepção era que submarinos eram coisa de piratas, não era uma arma cavalheiresca, por isso não estudaram, não aprenderam e não evoluíram as táticas da 1ª Guerra Mundial.

Enquanto isso Karl Dönitz escrevia literalmente o livro da Guerra Submarina, criando táticas, estratégias e protocolos. Os ingleses ficavam completamente engessados, sem entender o cenário geral.

Karl Dönitz e um cabo austríaco que não gostava de submarinos e pagou caro por isso (Crédito: Domínio Público)

Entra em cena o Vice-Almirante Cecil Vivian Usborne, um veterano recomissionado como consultor do Primeiro Lorde do Almirantado, com ordens de desenvolver armas anti-submarino.

O Almirante Usborne decide montar uma unidade de estudos, para isso escolhe o Capitão Gilbert Roberts.

Oficial de carreira, Roberts era um nerd total, preferindo livros a navios, tendo estudado bastante jogos de guerra. Mesmo assim, capitão tem que capitanear, e no final de 1937 ele recebe o comando do destróier HMS Fearless. Esse comando dura até o final de 1938, quando ele pega tuberculose, é aposentado compulsoriamente e vai morar em um sanatório para cuidar da saúde frágil.

Capitão Gilbert Roberts (Crédito: US Navy)

Sabendo que Roberts estava disponível, o Almirante Usborne o convoca, reativa seu posto como Capitão, e o manda organizar a WATU – Western Approaches Tactical Unit (Unidade Tática de Abordagens Ocidentais).

A unidade deveria estudar jogos de guerra para entender as táticas do Dönitz e desenvolver contramedidas, o que hoje faz bastante sentido, mas era 1942, vá explicar pra um brucutu da Marinha que acha que resolve tudo apontando um canhão pro inimigo, que ele tem que se sentar, pensar e estudar.

Roberts tinha extrema dificuldade em encontrar candidatos para a unidade. A maioria era composta de jovens oficiais, cheios de marra, mas sem grande habilidade tática, não entendiam o propósito dos jogos de guerra, nem respeitavam Roberts, por não ser um oficial “de verdade”, mas um quase-inválido sonhando com mapas e jogos.

Um dia, depois de várias entrevistas frustrantes, ele foi abordado por Vera Laughton Mathews, a Diretora do WRNS – Women’s Royal Naval Service, a unidade feminina da Marinha Real, que recrutava mulheres para ocupar as vagas deixadas por homens. A maioria trabalhava como motorista, secretária, ajudante, coisas do gênero, mas Vera havia escolhido a dedo sua tropa de elite.

Vera Laughton Mathews passando suas tropas em revista (Crédito: Royal Navy)

No grupo havia gente do naipe de Jean Laidlaw, uma jovem de 21 anos que estava se graduando como a primeira mulher formada em Contabilidade no Reino Unido.

Roberts, claro, ficou com uns três pés atrás, mas Vera insistiu. Ele entrevistou as jovens, uma a uma e terminou impressionado com o conhecimento, as mentes analíticas, a capacidade de improvisação e a habilidade em aprender.

Ao contrário dos oficiais navais elas não tinham ideias pré-concebidas, e aplicavam seus conhecimentos em várias áreas -havia várias delas formadas em Matemática - nos problemas propostos por Roberts.

Jean Laidlaw (Crédito: Royal Navy)

Juntos eles desenvolveram um simulador, usando o chão de um salão para representar o oceano, modelos em madeira para representar os navios e submarinos. Algumas mulheres faziam o papel dos comandantes, outras simulavam as transmissões de rádio.

Roberts teve a idéia de usar um lençol para cobrir a posição do comandante do comboio; ele só podia enxergar o mapa por uma fresta, limitando sua visão geral.

Eles inicialmente simularam ataques antigos, e descobriram que a tática usada pelos ingleses simplesmente não funcionava, deu certo uma vez por um golpe de sorte, mas depois ninguém mais conseguiu repetir, mas ainda assim insistiam.

Durante um dos jogos de guerra (Crédito: Royal Navy)

Embora tecnicamente autorizados pelo Almirante Usborne, o comando direto era do oficial que controlava a unidade a que estava subordinada a WATU, e o comandante não gostava nada de ver recursos aparentemente desperdiçados com aquelas bobagens de jogos de guerra.

Eis que um dia ele recebe um pedido de Roberts para visitar a sala dos jogos de guerra, e não fica nada impressionado. Até que explicam que a tática usada pela Marinha Real está errada. Roberts explica em detalhes, demonstra cada passo e o comandante apenas pergunta quem desenvolveu a tática Raspberry, que substituiria a tática ineficaz usada até então.

As moças plotando cursos (Crédito: Royal Navy)

“Jean Laidlaw”, responde Roberts, apontando para a assustada jovem, intimidada pela presença do oficial.

“Bom trabalho”, ele responde, enquanto pegava um telefone e ordenava uma revisão geral de táticas dos comandantes navais.

Como sempre nessas organizações muito grandes, um lado não sabe o que o outro estava fazendo, e o WATU não era diferente. Roberts cuidava dos jogos de guerra, mas o WATU era muito maior, com áreas desenvolvendo sensores, torpedos, etc. O comando geral estava nas mãos do Almirante Max Horton, que também não gostava de jogos de guerra.

Visitando a unidade de Roberts com intenção de fechar o experimento, Horton é convencido a participar de um jogo. Com a arrogância típica de um oficial britânico, ele lembra que foi comandante de submarino na 1.ª Guerra. Roberts explica que então ele não tem que se preocupar, e o objetivo no jogo é apenas sobreviver, enquanto o comandante adversário tentará localizá-lo.

Banana, uma das táticas desenvolvidas pelas Wrens (Crédito: Royal Navy)

Depois de meses de cálculos e refinamento da tática Raspberry, sinais de sonar, avistamentos, computações de rotas presumíveis, condições climáticas e dezenas de outros fatores são levados em conta, os navios no grande tabuleiro são movidos, e Horton termina com seu submarino afundado.

Indignado, ele manda repetir o jogo. Por cinco vezes ele tenta, muda táticas, altera posições, mas é repetidamente derrotado. Ele admite que perdeu, e pede a Roberts que chame o oficial que o derrotou.

Capitão Roberts puxa de trás do lençol a Wren de 19 anos de idade Janet Okell. Horton perdeu, e para uma mulher. Pior, Roberts explica que a tática foi desenvolvida por Jean Laidlaw.

Para seu crédito, o Almirante Horton engole o orgulho ferido e imediatamente ordena que as táticas sejam ensinadas para todos os oficiais navais, o WATU se torna uma grande escola.

No começo, claro, a maioria não leva muito a sério mulheres ensinando táticas de combate para homens, mas uma ou duas rodadas no “simulador” em geral eram suficientes para baixar a bola dos oficiais.

No mar, numa das primeiras vezes que Raspberry foi usada, os alemães afundaram 14 navios de um comboio aliado, mas perderam 13 submarinos, uma perda absolutamente insustentável.

66 Wrens trabalhavam no WATU, com oficiais navais, que agora não viam jogos de guerra como algo tão inútil. Turmas de 50 oficiais faziam o curso de seis dias, que durou até julho de 1945. As perdas alemãs foram tão grandes que em maio de 1943 os U-Boats nazistas abandonaram o Atlântico.

Além de Raspberry as Wrens desenvolveram várias outras táticas para situações onde o comboio era atacado por mais de um U-Boat, ou quando havia mais ou menos destróiers de escolta. Mais tarde, elas desenvolveram táticas para o combate no Pacífico e para o desembarque no Dia D.

É interessante pensar que no meio do Atlântico, quando um U-Boat era detectado e o comandante do comboio gritava pelo rádio “RASPBERRY! RASPBERRY!” e todo mundo executava o complexo balé ensaiado para neutralizar a ameaça, talvez somente um ou outro oficial soubesse que estavam usando uma tática desenvolvida por um grupo de mulheres que nunca haviam colocado o pé em uma embarcação de combate.

Não que as mulheres do WATU fossem muito conhecidas. A unidade sempre foi mantida fora dos holofotes, e quando chegou a hora de celebrar a vitória, as congratulações no máximo desceram até o Capitão Roberts “e sua equipe”, sem maiores detalhes.

Como as mulheres de Bletchley Park e tantas outras, as Wrens de Gilbert Roberts foram momentaneamente esquecidas, mas agora estão sendo redescobertas e sua contribuição para a Vitória sobre o 3º Reich sendo devidamente reconhecida.

Para saber mais:

A excelente mini-série War Gamers conta a história de Roberts, do WATU e das Wrens.

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