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Boeing Starliner: voo tripulado é um sucesso, finalmente

Após anos de enrosco, Boeing enfim acerta uma com a cápsula Starliner que, mesmo vazando hélio, se acoplou à ISS (quase) sem problemas

10/06/2024 às 8:42

A primeira semana de junho de 2024 foi empolgante para quem acompanha notícias do espaço: dias antes da SpaceX realizar o 4.º voo bem-sucedido da Starship, a Boeing finalmente deu uma dentro com a cápsula Starliner, que após anos de enrosco, finalmente marcou um ponto com o sucesso em seu primeiro voo tripulado, tendo se acoplado à Estação Espacial Internacional (ISS) sem (maiores) problemas.

Claro que, como tudo que envolve a Starliner, mesmo este lançamento não foi feito sem problemas, desde o persistente vazamento de hélio, no que Boeing e NASA concluíram que a cápsula poderia subir mesmo assim, a uma falha em 5 dos 28 propulsores de manobra, praticamente aos 45′ do segundo tempo.

Foguete Atlas V e cápsula Starliner partem rumo ao Espaço, desta vez sem perrengues (Crédito: AFP)

Foguete Atlas V e cápsula Starliner partem rumo ao Espaço, desta vez sem perrengues (Crédito: AFP)

Boeing Starliner, problemas, e o Hélio

A cápsula CST-100 Starliner, desenvolvida pela Boeing para transporte de astronautas e carga a destinos em órbita baixa, faz parte do Programa de Tripulações Comerciais (CCP) da NASA, assim como a Crew Dragon da SpaceX. A companhia de Elon Musk opera voos entre a Terra e a ISS de forma regular desde 2020, enquanto a Starliner continuava enrolada.

Foi a Boeing a companhia que viabilizou o programa em primeiro lugar; inicialmente a SpaceX era a única empresa concorrente, e por motivos que já cansamos de dizer, os ânimos para aprovar o CCP eram quase nulos, até o projeto da Starliner ser apresentado.

No papel a cápsula é excelente e tão capaz quanto a Dragon, com suporte a também 7 passageiros, no máximo; uma tripulação padrão, com 3 ou 4 astronautas, viajará entre a Terra e a SpaceX com relativo conforto tanto lá quanto cá, bem diferente das cápsulas Soyuz, em que todos viajam atochados como sardinhas em lata. Ainda assim, o módulo russo é um pé-de-boi, funciona sem muitos problemas desde 1967.

Sim, eu sei da tragédia da missão Soyuz-1, a que vitimou Vladimir Komarov que, um Jedi tal qual Neil Armstrong, conseguiu fazer a reentrada mesmo com uma cápsula cheia de problemas, mas foi traído pela falha dos paraquedas. Como já dissemos, o Espaço não é um lugar amigável, e nós reconhecemos o sacrifício daqueles que perdemos. Seguindo...

A CST-100 Starliner é pouca coisa menor que a Dragon, mas possui uma capacidade similar; claro, ambas e a Soyuz não chegam nem perto do espaço interno da cabine dos ônibus espaciais, mas isso ficou no passado.

Comparação entre Starliner, Crew Dragon, Soyuz, e os ônibus espaciais (Crédito: Reprodução/Everyday Astronaut)/boeing

Comparação entre Starliner, Crew Dragon, Soyuz, e os ônibus espaciais (Crédito: Reprodução/Everyday Astronaut)

Em tese, a Boeing não deveria ter maiores problemas para desenvolver a Starliner, e ao longo dos anos recebeu mais dinheiro do que a SpaceX, ficando assim a média dos gastos por voo mais elevada quando comparada à Dragon, mas as coisas começaram a ficar complicadas quando a equipe de Elon Musk e Gwynne Shotwell começou a apresentar resultados, na verdade, melhores que o esperado.

De fato, a NASA era extremamente resistente à ideia de foguetes e cápsulas reutilizáveis, tanto que o plano original era que a Crew Dragon fosse descartada a cada lançamento, mesmo com a SpaceX garantindo no papel que uma unidade poderia voar várias vezes. Só depois da missão  inaugural, a agência se convenceu e deu a autorização para o reuso, o mesmo valendo para os foguetes Falcon 9.

Enquanto isso, a Boeing se enrolava com a Starliner. Seu primeiro teste para o transporte de carga foi um fracasso, a empresa se estranhou com a Rocketdyne, fabricante das válvulas de combustível, sobre de quem era a culpa por falhas na execução de comandos em testes de lançamento, que tiveram que ser cancelados.

Isso e outras coisas.

No total, a Boeing recebeu US$ 4,39 bilhões do governo para 6 lançamentos da Starliner, contra US$ 3,1 bilhões destinados à SpaceX, mas para 14 missões (originalmente 4). Isso dá US$ 731,7 milhões e US$ 433,3 milhões por missão, respectivamente, mas a Crew Dragon já estava voando, enquanto a outra, necas de pitibiriba.

O mais recente teste de lançamento, o primeiro tripulado, estava agendado originalmente para 6 de maio de 2024, e tudo corria bem, inclusive os astronautas Butch Wilmore e Suni Williams já estavam acomodados na cabine.

Foi então que os técnicos identificaram um vazamento de hélio, usado na despressurização, e a mais recente novela começou.

Enfim, subiu

Inicialmente, a Boeing não via o vazamento de hélio como um problema, mas um problema não relacionado, em uma válvula para regulagem de pressão no Atlas V, fez com que a missão fosse interrompida. Wilmore e Williams tiveram que sair da cápsula e voltar para casa.

A United Launch Alliance (ULA), a empresa responsável pelo Atlas V, levou o foguete de volta para o hangar, trocou a válvula problemática e sanou seu problema, mas a Boeing continuava batendo cabeça com o vazamento de hélio, que ela não sabia ao certo de onde estava vindo. Ele foi rastreado até uma "mesa" de um propulsor no sistema de controle de reação, em um dos 4 pods do módulo de serviço da Starliner, que têm a forma de "uma casinha de cachorro", segundo a companhia.

Esses propulsores (a Starliner tem 28 deles) são usados para realizar correções menores de curso, e são separados dos dois mais potentes, para ajustes mais pesados. Idealmente, um dando pau não é grande problema, mas a NASA não queria arriscar, e inicialmente disse que a cápsula não tinha mais uma data para um novo teste.

No entanto, a Boeing conseguiu entrar em um entendimento com a agência, no que garantiu que o vazamento de hélio, mesmo persistente (pois é, ele não foi consertado ainda), não seria um problema. A NASA cedeu, e o lançamento foi agendado para 5 de junho de 2024, ou seja, quarta-feira passada.

Como desgraça pouca é bobagem, no dia 30 de maio, quando a Starliner estava prestes a ser reacoplada ao Atlas V, um teste de ignição dos propulsores resultou em 5 dos 28 falhando. Após um processo de reset, 4 voltaram a funcionar, e mesmo com apenas um não funcionando, o que em outros tempos significaria outro cancelamento, a NASA deu aval para o lançamento, até porque ele já estava enrolado demais.

Assim, às 14:34 de 6 de junho de 2024mm, horário de Brasília, o Atlas V e a Starliner finalmente decolaram, levando Wilmore e Williams rumo à ISS, e tudo correu bem, o que já não era sem tempo.

Cerca de um dia após o lançamento, a Starliner se acoplou à estação, mas não sem emoção, e os astronautas já estão realizando seus testes e cumprindo seus afazeres a bordo.

Embora a Boeing tenha agora um momento para respirar, os problemas ainda persistem. A companhia não conseguiu resolver 100% o vazamento de hélio, e esta é a segunda missão consecutiva em que os propulsores de reação dão pau; durante o teste orbital, realizado em maio de 2022, alguns deles também falharam durante a aproximação da ISS.

A Boeing havia dito ter implementado duas "correções de software" on the go, durante a missão, mas ao que parece o problema persiste. Não se sabe se durante o processo de retorno à Terra, agendado de forma preliminar para 14 de junho, alguns desses bugs irão ocorrer novamente.

Embora a subida tenha transcorrido sem problemas, é provável que a NASA aperte a Boeing para fazer uma varredura geral na Starliner, parafuso por parafuso, a fim de garantir o fim das surpresas; enquanto isso, Elon Musk só observa, tranquilo com suas Crew Dragon.

Fonte: Ars Technica

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