Ronaldo Gogoni 16 semanas atrás
A SpaceX, companhia aeroespacial de Elon Musk, não tem uma boa imagem junto à pesquisa astronômica e não é de hoje. É fato comprovado que os satélites StarLink, de órbita baixa (LEO) para conexão à internet, estão poluindo o céu observável e dificultando pesquisas, o que a própria empresa admite e está tentando remediar, o que vem dando algum resultado.
Como nada está tão ruim que não pode piorar, vários institutos e pesquisadores submeteram reclamações à FCC (Federal Communications Commission, ou Comissão Federal de Comunicações), o órgão do governo dos Estados Unidos equivalente à Anatel no Brasil, para que esta averígue como mega constelações de satélites, tanto da SpaceX quanto da concorrente AST SpaceMobile, estão prejudicando a radioastronomia, interferindo nas observações e até danificando equipamentos.
No que se refere a telecomunicações e internet, satélites LEO são muito mais eficientes quando comparados aos geoestacionários, dada a óbvia diferença na distância que ambas categorias se situam em relação à Terra: pegando um exemplo aleatório, o brasileiro SGDC-1, lançado com sucesso em 2017 (pois é, às vezes a gente acerta), se encontra a 35.786 km de altitude, em órbita geossíncrona ou órbita de Clarke, girando na mesma velocidade da Terra.
De nosso ponto de vista, é como se ele estivesse parado no céu, sempre sobre o mesmo ponto, a menos que seja movido. Satélites geoestacionários são importantes do ponto de vista estratégico, mas a velocidade de comunicação não é das melhores, porque Einstein não perdoa: o ping médio é de 240 ms.
Satélites LEO como os da StarLink, por sua vez, operam bem mais baixo, ficando entre 520 e 550 km, na média. A essa altitude, a comunicação se torna muito mais rápida, o suficiente para viabilizar serviços ao consumidor final, com relativa competitividade quando comparado a serviços de conexões terrestres, mas oferecem muito mais velocidade e estabilidade do que concorrentes que oferecem internet via satélites geoestacionários, como a HughesNet, sem falar que a SpaceX cobra bem menos.
Claro que o avanço teve um preço, e quem está pagando é a comunidade científica. Objetos em órbita mais baixa são bem mais visíveis, e os satélites são bastante brilhantes, assim, constelações da StarLink e concorrentes acabavam photobombando em capturas de longa exposição, no que a CalTech levantou que, em apenas um observatório em 2021, elas estragaram 18% das imagens.
Assim como na diferença entre desempenho de um LEO e um geoestacionário, novamente a Física não perdoa ninguém, e não há a menor possibilidade de prejudicar a pesquisa científica e a observação do espaço, por institutos e amadores, em nome de uma empresa fazer mais dinheiro. No entanto, antes que a FCC se manifestasse, a SpaceX se comprometeu a resolver o problema por iniciativa própria.
Video of last night’s @Starlink satellite deployment pic.twitter.com/K7ezZLLusz
— SpaceX (@SpaceX) September 16, 2023
Primeiro, a companhia testou espelhos anti-reflexo, mas nunca gostou deles por aumentarem o arrasto, e de qualquer forma, eles não resolveram o problema; a técnica mais recente, revelada em setembro de 2023 (vídeo acima), utiliza um filme para diminuir a reflexividade dos satélites, que também não é perfeito, mas ao menos a empresa publicou a técnica em caráter aberto (cuidado, PDF), para quem quiser usar e aperfeiçoar.
Hoje, há um entendimento que tanto as companhias de mega constelações de satélites, quanto astrônomos e institutos terão que aprender a conviver, mas agora, a comunidade radioastronômica resolveu engrossar o coro... e estão dispostos a entornar o caldo de Musk e cia.
Várias universidades, institutos, e pesquisadores autônomos enviaram cartas à FCC, pedindo à agência norte-americana que se atente às novas gerações de satélites da StarLink e AST SpaceMobile, que oferecerão comunicação direta para celulares (direct-to-cell), o que os cientistas afirmam que acabarão com as "zonas de silêncio" do céu observável, necessárias para radiotelescópios operarem.
A Sociedade Astronômica da América, um dos reclamantes, afirma que, com cada vez mais constelações operando, e os satélites LEO ficando maiores (o futuro V2 da StarLink, na configuração completa, é um trambolho de duas toneladas), as zonas consideradas ideais para prescrutar o Espaço profundo vão diminuir, e muito.
Não obstante, um relatório de outra agência dos EUA, a Fundação Nacional da Ciência (NSF), aponta (cuidado, PDF) que equipamentos sensíveis de radioastronomia podem ser danificados, pela passagem de um desses satélites na frente de seus receptores.
A intenção dos pesquisadores de radioastronomia, é forçar a FCC a realizar um profundo escrutínio na tecnologia direct-to-cell dos satélites mais modernos, de modo que SpaceX e AST SpaceMobile tenham que demonstrar, com provas, que seus equipamentos não representam (mais uma) ameaça à pesquisa científica.
Até o momento, nenhuma das duas companhias se manifestou a respeito.