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Agora é oficial: a Starlink estragou o céu

Satélites da Starlink deixaram rastros luminosos em 18% das observações astronômicas do ZTF em 2021; no ano anterior, marca foi de 6%

2 anos atrás

Desde que a SpaceX lançou a Starlink, seu serviço de internet via satélites de órbita baixa, a comunidade astronômica vinha alertando que os objetos prejudicam observações astronômicas, por estarem próximos demais da Terra. Embora a companhia de Elon Musk trabalhe para reduzir o impacto, os rastros não podem ser completamente eliminados.

Um time de pesquisadores da Caltech resolveu medir o tamanho do estrago, e os resultados não são nada animadores: considerando apenas um observatório, os satélites da Starlink já "photobombam" quase 20% das imagens.

Galáxia de Andrômeda, capturada pelo Zwicky Transient Facility (ZTF) em 19/05/2021; o rastro luminoso foi deixado por satélite da Starlink. A foto completa (clique para ver) mostra apenas 1/16 do campo de visão total do ZTF (Crédito: Caltech Optical Observatories/IPAC)

Galáxia de Andrômeda, capturada pelo Zwicky Transient Facility (ZTF) em 19/05/2021; o rastro luminoso foi deixado por satélite da Starlink. A foto completa (clique para ver) mostra apenas 1/16 do campo de visão total do ZTF (Crédito: Caltech Optical Observatories/IPAC)

Com atualmente mais de 1.800 satélites em órbita, e com a autorização da FCC (Federal Communications Commission) para a Starlink lançar mais 12 mil, é compreensível que observatórios em todo o mundo, e astrônomos amadores e profissionais, estejam preocupados com o cenário futuro, visto que Elon Musk terá concorrência da OneWeb e Amazon (projeto Kuiper), e até a China planeja lançar um sistema estatal composto de uma constelação de 13 mil satélites, com cobertura global.

O problema é simples de entender: serviços de telecomunicações via satélite até então, como o provido pela Viasat, se baseiam em órbitas geoestacionárias, a 35.786 km de altitude. Nessa altitude, definida por Arthur C. Clarke, o satélite leva 24 horas para dar uma volta completa na Terra, e por causa disso, fica "fixo" em relação ao planeta, sempre sobre um mesmo ponto.

Satélites de órbita baixa, por outro lado, podem se posicionar muito mais baixo, os da Starlink operam em uma altitude média de 550 km, mas podem ser ajustados para bem menos, dependendo das circunstâncias. As vantagens são várias, viabilizando inclusive consumo constante de conteúdo sem travamentos, e até jogar online.

Com os serviços da Viasat, Hugues e cia, mesmo assistir um vídeo do YouTube em qualidade de TV de tubo (240p) é uma tarefa inglória.

Usando o Universe Sandbox, dá para ver bem a diferença entre as órbitas (Crédito: Reprodução/Giant Army)

Usando o Universe Sandbox, dá para ver bem a diferença entre as órbitas (Crédito: Reprodução/Giant Army)

Infelizmente para a comunidade astronômica, a proximidade dos satélites cria um problema e tanto. Por estarem baixos demais, eles se movem muito mais rápido do que a Terra, e por causa disso, são pegos em observações de longa exposição na forma de rastros luminosos, diferente de um satélite geoestacionário, que aparece como um mero ponto de luz.

Desde que a SpaceX introduziu a Starlink e começou a lançar seus satélites, ainda em 2019, cientistas e astrônomos amadores alertam para o estrago que os objetos causariam nas pesquisas e tentativas de se observar o espaço, visto que os objetos são reflexivos e detonariam com observações do crepúsculo. Muita gente minimizou os avisos, dizendo que eram exagerados e que as luzes das cidades também causam interferência, o que é verdade.

De qualquer forma, um time do Zwicky Transient Facility (ZTF), levantamento astronômico do Palomar Observatory na Califória, ligado ao Caltech, realizou uma pesquisa para analisar o impacto dos satélites de órbita baixa nas observações da instalação, que captura o céu a cada dois dias e cataloga mudanças aparentes de brilho e movimento, como supernovas e asteroides.

No levantamento, foram identificados mais de 5.300 rastros dos satélites da Starlink nas observações, no período entre novembro de 2019 e setembro de 2021, a maioria se concentrando entre o amanhecer e o cair da tarde, janelas de tempo importantes para a identificação de asteroides próximos.

O artigo anota que o número de rastros vêm aumentando de forma constante, quanto mais satélites a empresa de Elon Musk coloca em órbita. Em 2019, eles apareceram em cerca de 0,5% das observações; em 2020, já estavam presentes em 6% das imagens; em 2021, 18% das capturas do céu continham rastros luminosos, quase uma proporção de 1 para cada 5 imagens.

A linha vermelha mostra o número de satélites da Starlink; as barras azuis, o número de rastros luminosos capturados em observações do ZTF, em períodos de 10 dias (Crédito: Reprodução/The Astrophysical Journal Letters/American Astronomical Society)

A linha vermelha mostra o número de satélites da Starlink; as barras azuis, o número de rastros luminosos capturados em observações do ZTF, em períodos de 10 dias (Crédito: Reprodução/The Astrophysical Journal Letters/American Astronomical Society)

As observações crepusculares são as mais afetadas por conta do posicionamento do Samuel Oschin Telescope, que precisa estar alinhado com a linha do horizonte nesses momentos, uma área ocupada pelos satélites, e por causa do timing, a luz solar é refletida neles com potência total. A Starlink vem adotando desde então revestimentos escuros para minimizar o problema, o que a pesquisa também abordou.

Na análise, embora o brilho dos satélites tenha sido de fato reduzido, ele ainda é aparente e está em desacordo com os padrões estabelecidos pelo workshop Satellite Constellations 1 (SATCON1). De fato, a maioria dos cientistas acredita que o problema não tem solução, e com cada vez mais empresas e satélites em órbita baixa sendo lançados, a tendência é só piorar.

Segundo Przemek Mróz, pós-doutorando da Universidade de Varsóvia e líder do estudo, as observações não-crepusculares não são afetadas por enquanto, mas isso pode mudar com o aumento do número de satélites da Starlink, e com a entrada da OneWeb, Amazon e da estatal chinesa de telecomunicações no negócio de satélites de órbita baixa.

Foto "A Prisão da Tecnologia", vencedora do prêmio de Fotografia Astronômica de 2020; a estrela binária Albireo, na constelação de Cisne, atrás das "grades" de diversos rastros dos satélites da Starlink (Crédito: Rafael Schmall)

Foto "A Prisão da Tecnologia", vencedora do prêmio de Fotografia Astronômica de 2020; a estrela binária Albireo, na constelação de Cisne, atrás das "grades" de diversos rastros dos satélites da Starlink (Crédito: Rafael Schmall)

Por fim, Mróz diz que apesar dos pesares, os rastros não afetam as pesquisas per se, como por exemplo, prejudicando as observações de meteoros. Para o pesquisador, um céu nublado é infinitamente mais problemático, mas não dá para negar que o resultado final nas imagens observadas pelos pesquisadores é bem, bem feio.

E o cenário só vai piorar daqui em diante, o que irá afetar diretamente observadores e astrônomos amadores.

Referências bibliográficas

MRÓZ, P. et al. Impact of the SpaceX Starlink Satellites on the Zwicky Transient Facility Survey Observations. The Astrophysical Journal Letters, Volume 924, Nº 2, 6 páginas, 14 de janeiro de 2022. Disponível em http://dx.doi.org/10.3847/2041-8213/ac470a.

Fonte: Caltech, Ars Technica

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