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Mapa estelar de Hiparco encontrado em pergaminho medieval

Pergaminhos com textos bíblicos ocultam menções mais antigas, ao catálogo celeste de Hiparco de Niceia, considerado perdido

2 anos atrás

Hiparco de Niceia (190 — 120 AEC), o pai da Trigonometria e da Astronomia, é considerado o maior e mais importante observador astronômico da Antiguidade. Ele foi o primeiro a calcular os movimentos do Sol e da Lua, e quem identificou o efeito da precessão axial.

Sua obra serviu de base para trabalhos de vários outros, incluindo o Almagesto de Cláudio Ptolomeu (100 — 170 EC), a única obra do mundo antigo que sobreviveu, ainda que tenha cimentado a ideia errada do Geocentrismo por mais de 1.200 anos.

Representação artística moderna de Hiparco, no seu observatório em Alexandria, catalogando o céu noturno (Crédito: acervo internet)

Representação artística moderna de Hiparco, no seu observatório em Alexandria, catalogando o céu noturno (Crédito: acervo internet)

Embora importante, os tratados escritos de Hiparco foram perdidos, incluindo esboços do primeiro catálogo estelar, mas recentemente, partes deste tratado foram descobertas em pergaminhos medievais, no que foram sobrescritos por passagens da Bíblia.

"Lavou, tá novo"

A prática de reaproveitar pergaminhos antigos foi recorrente no passado, principalmente quando o cristianismo começou a se expandir. Embora letrados, os membros do Clero não tinham interesse em textos, estudos e tratados arquivados, e durante a Idade Média, a produção de novos pergaminhos e papiros era demasiado caro.

Os rolos já existentes representavam economia por parte de escribas e mosteiros, usado tanto com textos cristãos originais, como o Codex Ephraemi Rescriptus, quanto com obras ainda mais velhas, como normas jurídicas, memórias e tratados acadêmicos pré-cristianismo.

Há inclusive um termo para isso, "palimpsesto", ou "aquilo que se raspa para escrever de novo", em grego antigo. Os pergaminhos eram lavados ou raspados com pedra-pomes, para que uma vez limpos, pudessem ser usados de novo, geralmente, para escrever passagens da Bíblia.

O que nos traz ao tema de um recente artigo (cuidado, PDF), que envolveu estudiosos e pesquisadores de diversos países, sobre o conteúdo "lavado" de um palimpsesto chamado Codex Climaci Rescriptus, uma coleção de textos dos séculos X e XI, que traz passagens no Novo e Antigo Testamento.

O documento, composto de 11 páginas, veio do Mosteiro Ortodoxo de Santa Catarina, na península do Sinai, Egito, mas hoje se encontra no Museu da Bíblia em  Washington, D.C., nos Estados Unidos. Em 2012, o estudioso bíblico de Cambridge Peter Williams pediu a seus alunos para estudarem o manuscrito, no que um deles identificou, no texto removido, uma passagem atribuída a outro astrônomo grego, Eratóstenes.

Análise multiespectral revela texto original em grego, por baixo de passagens da Bíblia em siríaco (Crédito: Keith T. Knox/Emanuel Zingg/Museum of the Bible)

Análise multiespectral revela texto original em grego, por baixo de passagens da Bíblia em siríaco (Crédito: Keith T. Knox/Emanuel Zingg/Museum of the Bible)

Com a possibilidade de que o texto removido do Codex Climaci Rescriptus pudesse ser um tratado científico muito antigo, em 2017 Williams recorreu a pesquisadores da Universidade de Rochester, Nova Iorque, e a profissionais da Biblioteca Eletrônica de Manuscritos Antigos da Califórnia, para que usassem análise multiespectral nos pergaminhos.

Oi, Hiparco

Das 11 páginas do códice, 9 contêm textos astronômicos, e além da passagem de Eratóstenes, foi possível identificar o famoso poema Phenomena ("Aparências"), composto por Arato de Solos (315 — 240 AEC), que descreve constelações, com base nos trabalhos do polímata Eudoxo de Cnido (408 — 305 AEC).

É fato conhecido que Phenomena foi usado por Hiparco em seu trabalho, por este tê-lo mencionado nas menções de suas obras que resistiram ao tempo, mas isso não foi o suficiente para associar o códice ao astrônomo. As evidências detectadas por Williams, que passou o período de lockdown da pandemia da COVID-19 estudando os textos, revelou que as medições astronômicas, entre elas a constelação de Coroa Boreal, correspondiam a observações realizadas por volta de 129 AEC, época em que Hiparco estava ativo e trabalhando.

Não obstante, o método de datação encontrado no texto removido do Codex Climaci Rescriptus bate com outros textos de Hiparco conhecidos, levando a crer que os pergaminhos contêm uma cópia do catálogo celeste do astrônomo, que teria sido usado como base do trabalho de Ptolomeu.

Na verdade, o trabalho de Hiparco, que precedeu o de Ptolomeu em séculos, era ainda mais preciso, conforme as notas encontradas no códice, um feito impressionante para um observador que, embora o imaginário o ilustre usando instrumentos similares ao telescópio, a ferramenta só seria inventada no século XVII. Contudo, ele pode ter usado instrumentos comuns a seu tempo, como a dioptra e a esfera armilar (o próprio Hiparco creditou Eratóstenes como seu inventor ocidental, embora ela tenha surgido primeiro na China), entre outros.

Segundo Williams, os pesquisadores acreditam que mais páginas do catálogo estelar de Hiparco possam estar contidas em outros palimpsestos, ainda guardados no mosteiro no Sinai, apenas esperando para serem redescobertas.

Referências bibliográficas

GYSEMBERGH, V. J., WILLIAMS, P., ZINGG, E. New evidence for Hipparchus' Star Catalogue revealed by multispectral imaging. Journal for the History of Astronomy, Volume 53, Edição 4, 11 páginas, 18 de outubro de 2022. Disponível aqui.

Fonte: Ars Technica

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