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SpaceX faz História – de novo – O Prédio Pousou!

SpaceX surpreendeu mais uma vez. Mesmo os fãs declarados não tinham tanta fé que eles conseguiriam pousar o SuperHeavy de primeira...

14/10/2024 às 18:21

A SpaceX dessa vez se superou. Sem enrolar, direto para a notícia: não só o 5º lançamento de teste da Starship foi um sucesso, como o booster, SuperHeavy, retornou para a torre de lançamento e realizou um pouso suave controlado direto nos braços de captura. Algo que ninguém realisticamente esperava que desse certo da primeira vez.

"Houston, o prédio pousou" (Crédito: NasaSpaceFlight)

O povo que agora fala entusiasmando “Elon Musk mostrou que foguete dá ré sim” parece ter esquecido que essa parte em especial não tem mais nada de especial. A SpaceX, desde 2013 já pousou o Falcon 9 353 vezes.

A importância do Starship vai muito, além disso.

O que é o Starship

Starship é o nome do foguete e do segundo estágio. O booster, o primeiro estágio, é chamado de SuperHeavy, depois que começou a pegar mal o nome original BFR – Big Fucking Rocket. A imprensa é chata com essas coisas.

O objetivo Da SpaceX é reduzir o custo de colocar carga em órbita, viabilizando a economia espacial. Hoje em dia é um mercado extremamente limitado, os custos de lançamento são (dsclp) astronômicos, por um motivo muito simples:

Imagine que você tem uma fábrica de arroz no Brasil e quer vender para a Europa. Você contrata uma empresa de navegação. Ela constrói um navio de 10000 toneladas. Chega no Brasil, carrega 50kg de arroz, navega até a Europa, entrega a carga, navega para o meio do oceano e afunda o navio.

É isso que acontece com TODOS os lançamentos espaciais exceto o Falcon 9. TODO foguete é usado somente uma vez e descartado. A única exceção era o Ônibus Espacial, uma nave com 2% de mortalidade, 6 meses de recauchutagem entre os vôos e que no final custava US$65400 por Kg colocado em órbita.

Custo por kg em órbita  para os principais foguetes. (Fonte: Our World In Data)

 

O Falcon 9 pousa o primeiro estágio, passa por uma verificação de segurança de alguns dias, e está pronto para voar de novo. Alguns boosters já voaram 23 missões. E há quem questione a economia. Caramba, ao invés de construir 23 foguetes, você constrói um. Como resultado, o Falcon 9 é, de longe, o foguete mais barato do mercado, com o Kg/órbita custando US$2600. O Falcon Heavy é ainda mais barato: US$1500/Kg

Entra o Starship

US$1500/Kg ainda é bem caro, colocar a Sandy em órbita custaria US$63960. A SpaceX sabe disso (talvez não da parte da Sandy) e percebeu que se conseguir reduzir esse custo em uma ordem de magnitude, para algo entre US$150/US$100 por Kg em órbita, abrirá espaço para uma utilização do espaço como nunca se viu.

Apesar de caros, os lançamentos são a parte mais barata dos projetos, satélites precisam ser projetados para durar anos nas condições hostis do espaço, pois não dá para lançar toda hora. Também precisam se acomodar nas carenagens dos foguetes. O Falcon 9 tem uma carenagem com 5.2m de diâmetro, o Ariane 5 tem uma carenagem com 5.4 metros.

A diferença entre o Starship e o Falcon 9 é imensa. (Crédito: Reprodução Internet)

O custo dos satélites e sondas aumenta quando você precisa fazer com que eles se espremam no espaço limitado, exigindo mecanismos de puro origami mecânico. A Starship tem um diâmetro interno de 8 metros, o que amplia substancialmente o espaço disponível. A baia de carga tem 17 metros de altura e 8 metros de diâmetro, com um volume de aproximadamente 1000m3. A Estação Espacial Internacional INTEIRA tem um volume interno de 900 m3.

Como dá para perceber, a coisa é gigantesca. Totalmente abastecido, o conjunto SuperHeavy/Starship pesa 5000 toneladas e tem 121.3 metros de comprimento, e 9 metros de diâmetro. É um monstro em todos os sentidos. E isso voa!

É um prédio de 37 andares decolando para o espaço, e após poucos minutos, boa parte dele retorna para a torre.

Para Quê Retornar?

Essa é a pergunta mais comum. O povo já está tão acostumado com o pouso do Falcon 9, que parece algo natural e lógico. Então, por qual motivo o Starship faz toda aquela manobra complicada e perigosa?

A resposta é simples: Peso. Cada perna do Falcon 9 pesa 500Kg, são duas toneladas de peso morto que o foguete precisa levar para o espaço e trazer de volta. Isso consome combustível e diminui a performance.

O Starship, por ser muito maior, necessitaria de um conjunto de pernas muito mais pesado e completo, o que acarretaria uma perda de performance significativa.

O outro motivo é mais complexo: A SpaceX está projetando o Starship do zero para ser um foguete de rápido reuso. Idealmente será como um avião, que pousa, é reabastecido, passa por uma série de checagens automáticas e visuais, e então decola de novo.

Se o SuperHeavy pousar em uma balsa, ou em uma área de pouso próxima, significa que precisará de uma estrutura portuária, um veículo transportador, um guindaste para erguer o foguete e colocá-lo no veículo. Então é rastejar até a torre de lançamento, usar outro guindaste para erguer o foguete e encaixá-lo na plataforma. Isso leva tempo demais para um foguete planejado para voar várias vezes ao dia.

É Seguro Pousar na Torre?

Honestamente? Ninguém sabe. A idéia de pousar de volta e usar braços da torre para capturar o foguete é por si só insana.

Na biografia de Elon Musk, por Walter Isaacson, é descrito como Musk sugeriu a captura pela torre, e os engenheiros da SpaceX, eles mesmos geniais e ousados, ficaram assustados.

“A maioria dos engenheiros argumentava contra tentar usar a torre para pegar o booster. Os braços de empilhamento já eram perigosamente complexos.”

Na verdade, não, os braços de empilhamento são grandes, mas nada em uma escala que indústrias como a de petróleo e construção naval não estejam acostumadas. No final os braços foram construídos, aperfeiçoados e hoje ninguém presta atenção neles, mas a captura, sim, essa parte era a grande incógnita.

Manobra de pouso, note o plasma no compartimento dos motores. (Crédito: SpaceX)

É algo que ninguém havia feito antes, não há precedente. Estamos falando de um prédio de 21 andares, caindo da fronteira do espaço a 4 vezes a velocidade do som, manobrando com aletas controladas por motores de Teslas (A SpaceX economizou algumas dezenas de milhões de dólares, a NASA teria desenvolvido um motor do zero). Cada aleta é do tamanho de um carro.

Cada aleta é do tamanho de um carro. (Crédito: SpaceX)

O software precisa compensar milhares de variáveis, incluindo ventos, pressão atmosférica, desempenho dos motores, calculando a trajetória teórica, medindo a trajetória real e corrigindo os erros.

O tempo todo ele mira um ponto próximo, mas não na torre. Somente quando está bem próximo, uma checagem final determina se os parâmetros estão dentro do esperado, e se for o caso, os três motores usados na desaceleração final alteram a trajetória para a torre.

Com precisão de meio centímetro, segundo fontes oficiais.

O pino de segurança (Crédito: Reprodução Internet)

Sim, um prédio de 21 andares desce do espaço até uma torre de pouso, com 5mm de precisão, suficiente para os braços se fecharem e dois pinos de segurança repousarem, mantendo em posição 250 toneladas de foguete.

E Agora?

O SuperHeavy será inspecionado, vão descobrir por que uma parte da carenagem lateral se soltou, e se as biqueiras dos motores foram danificadas. Também estudarão o efeito do plasma dentro do compartimento dos motores, se tudo correr como antes, a próxima versão virá com milhares de modificações e aperfeiçoamentos.

E a Starship?

Todo mundo ficou tão entusiasmado com o pouso, que quase esquecemos a Starship, mas a danada da nave fez um vôo suborbital em velocidade orbital até o Oceano Índico, próximo da Austrália, quando repetiu a manobra de reentrada da missão anterior.

Dessa vez as aletas resistiram bem mais, houve um vazamento de plasma e uma das aletas começou a sofrer danos, mas bem menos que da última vez.

A SpaceX testou uma série de variações das telhas térmicas, incluindo cobertura ablativa de alumínio, e áreas deixadas sem telhas propositalmente, para identificar os riscos de expor o casco diretamente ao plasma da reentrada.

O mais impressionante é que com uso da rede Starlink, conseguiram transmitir vídeo (e telemetria) ao vivo durante 100% do pouso. Basicamente ninguém mais no planeta faz isso.

Ao se aproximar da baixa atmosfera, a Starship fez uma manobra para ficar de barriga, diminuindo ainda mais sua velocidade. Quase chegando ao solo, três dos motores são religados, ela rapidamente assume posição vertical, e pousa.

No caso, ela pousou na água, tombou e explodiu, como esperado. O inesperado foi a SpaceX ter uma bóia a uns 20m do local de pouso, que filmou tudo, comprovando que a Starship é capaz de pousar em um ponto específico do planeta.

E o futuro?

O futuro é agora. O próximo lançamento muito provavelmente terá uma Starship entrando em órbita, e é provável também ela levar uma carga de satélites Starlink de 3ª Geração, com 10x a capacidade de banda dos atuais, permitindo link na casa de 1 Gigabit.

Um veículo altamente experimental, capaz de cumprir missões comerciais é o melhor de dois mundos, se você é seu próprio cliente. O desespero só vai acontecer quando a Starship começar a vender serviços para o Mercado.

Isso irá dizimar as empresas pequenas, com custos altos, e quebrará as pernas da ULA e da Blue Origin (se eventualmente lançarem o New Glenn). Só ficarão protegidas as estatais e empresas de interesse nacional, como a Arianespace, o ISRO da Índia e a Roscosmos.

Antes disso, entretanto, teremos o Projeto Artemis, a SpaceX foi contratada pela NASA para desenvolver um módulo de pouso para levar astronautas da órbita lunar para a superfície. Será baseado na Starship, e exigirá reabastecimento em um depósito orbital de combustível.

Esse depósito precisará de pelo menos dez lançamentos para ser abastecido, mas depois do que vimos acontecer com esse pouso, a idéia de várias Starships decolando várias vezes ao dia se torna bem menos irreal, afinal é bem menos insana do que capturar um prédio com braços metálicos, e isso nós assistimos ao vivo e a cores.

 

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