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Demis Hassabis: dos games ao Nobel de Química

Um dos vencedores do Nobel de Química em 2024, Demis Hassabis começou sua carreira nos videogames e criou a inteligência artificial do jogo Black & White

10/10/2024 às 10:21

Nos últimos dias o nome de Demis Hassabis ganhou as manchetes e o motivo é mais do que justificável. Ao lado de outras duas pessoas, o britânico recebeu um Nobel de Química, mas o que nem todos sabem é que esse cientista ligado à inteligência artificial começou sua carreira trabalhando no desenvolvimento de jogos.

Sir Demis Hassabis (Crédito: Divulgação/Google Deep Mind)

Nascido em Londres, em 1976, desde cedo Demis Hassabis demonstrou familiaridade com xadrez e com apenas 13 anos já havia alcançado o status de mestre. No ano seguinte, o garoto apareceu na segunda colocação do ranking mundial, atrás apenas de uma das maiores enxadristas da história, Judit Polgár.

Após adiantar alguns anos na escola, Hassabis começou sua carreira nos games, sendo contratado pela Bullfrog Productions com apenas 17 anos. Por lá ele foi o chefe de programação e coidealizou o Theme Park, ao lado de Peter Molyneux. O jogo se tornou um grande sucesso, mas o jovem queria buscar uma dupla graduação em Ciência da Computação na Universidade de Cambridge, e por isso deixou o estúdio.

Porém, a história daquele rapaz com os videogames ainda não havia chegado ao fim. Após sua formatura, ele procurou Molyneux, que na época liderava outra desenvolvedora, a Lionhead Studios. Foi lá que Demis Hassabis teria a oportunidade de explorar algo pelo qual ele ficaria marcado, a inteligência artificial.

Crédito:Divulgação/Lionhead Studios

O estúdio estava trabalhando em um jogo que nos colocaria no papel de um deus. Misturando simulador de vida e estratégia, em Black & White tínhamos que tomar decisões morais, nos tornando deuses bons ou malvados, com a interação com um enorme ser que nos representava sendo um dos destaques do jogo. Reagindo às nossas ações, aquele avatar se comportava de maneira bastante natural, algo impressionante para a época.

Pois o responsável pelo sistema de inteligência artificial daquele jogo foi Hassabis, que liderou esse aspecto do desenvolvimento, mas após concluir aquela produção, ele decidiu seguir seu próprio caminho, deixando a Lionhead e fundando o Elixir Studios. Apoiado por gigantes como a Eidos Interactive, Vivendi Universal e Microsoft, a empresa produziu alguns jogos, com destaque para o Republic: The Revolution. O título de estréia despertou o interesse de muita gente por prometer uma inteligência artificial que simularia as dinâmicas de um sistema político em um país fictício.

Porém, o que chegou ao mercado em agosto de 2003 decepcionou boa parte dos jogadores. Após sofrer com diversos adiamentos, o jogo teve seu escopo muito reduzido e a aceitação, tanto do público quanto da mídia especializada, foi morna. Embora algumas pessoas tenham elogiado sua abordagem única, muitas outras reclamaram da jogabilidade pouco inspirada e até de uma baixa complexidade.

Republic: The Revolution (Crédito: Reprodução/JPaterson/MobyGames)

Contudo, mesmo com o fracasso comercial do Republic: The Revolution não tendo tirado Demis Hassabis do desenvolvimento de jogos, a maneira como o jogo não funcionou pode ter influenciado diretamente nesta decisão. Seu estúdio ainda se dedicaria ao Evil Genius, que depois ganharia uma continuação, mas o sujeito já dava indícios de que deixaria a indústria. Em entrevista ao site Wired em 2015, ele recordou que sua intenção foi usar os videogames como uma espécie de laboratório para os estudos.

“Foi mais como, ‘vamos ver o quão longe eu consigo levar a IA sob o disfarce de jogos’. Então o Black & White foi provavelmente o ápice disso, depois foi o Theme Park, o Republic e essas outras coisas que tentamos escrever.

E então, por volta de 2004-2005 senti que tínhamos levado a IA o mais longe possível dentro das restrições do ambiente comercial muito restrito dos jogos. E eu podia ver que os jogos caminhavam para jogos mais simples e mobile — como eles fizeram — e então, na verdade, haveria menos chance de trabalhar em um grande projeto de IA dentro de um projeto de jogo.”

Theme Park, onde tudo começou (Crédito: Reprodução/B.L. Stryker/MobyGames)

Segundo Demis Hassabis, aquela frustração, se é que podemos chamar assim, fez com que em 2004 ele começasse a pensar no DeepMind, mas a sua criação ainda teria que esperar. “O poder computacional não era poderoso o suficiente,” disse. “Então pensei em qual área deveria fazer meu doutorado e pensei que seria melhor fazê-lo em neurociência cognitiva do que em IA, porque queria aprender sobre um conjunto totalmente novo de ideias e eu já conhecia pessoas de alto nível na IA.”

Ainda em 2005 os direitos sobre as propriedades criadas pelo Elixir Studios foram vendidos para diversas empresas e a desenvolvedora fechou suas portas. Hassabis passou a se dedicar aos estudos e após ser eleito para a Royal Society of Arts, devido sua influência na indústria de games, em 2011 o cientista fundou, com Shane Legg e Mustafa Suleyman, uma startup dedicada à inteligência artificial. Nascia ali a DeepMind.

E talvez até em respeito ao seu passado com jogos, a iniciativa aproveitou títulos do Atari para mostrar como a IA poderia aprender as regras e até superar seres humanos. O avanço alcançado foi tão significativo, que em 2014 o Google fechou um acordo para comprar a DeepMind, em um negócio avaliado em 400 milhões de libras esterlinas.

David Baker, Demis Hassabis e John Jumper (Crédito: Reprodução/Niklas Elmehed/Nobel Prize Outreach)

Agora, uma década depois, Demis Hassabis, John Jumper e David Baker foram escolhidos para dividir o Nobel de Química e o que os levou a tamanho reconhecimento foi a contribuição do trio para a compreensão da complexa estrutura das proteínas. E sim, a inteligência artificial teve um papel fundamental neste progresso.

Enquanto Baker, um professor da Universidade de Washington, colaborou com seus estudos no design computacional e criação de novas proteínas ao sequenciar aminoácidos, Jumper criou, com Hassabis, o AlphaFold2. Em funcionamento desde 2020, essa ferramenta é um sistema avançado de inteligência artificial que já ajudou a prever a estrutura de quase 200 milhões de proteínas. Utilizada por mais de dois milhões de pesquisadores em todo o mundo, ela tem permitido o design de enzimas e levado à descoberta de medicamentos. Esse conhecimento incentivou a criação da AlphaFold Protein Structure Database, um repositório gratuito mantido pelo Google DeepMind e que conta com uma infinidade de modelos de proteínas.

Com o título de Sir e apontado pela revista Time como uma das 100 pessoas mais influentes do mundo quando o assunto é inteligência artificial, Demis Hassabis continua vendo os videogames como mais do que apenas uma forma de entretenimento, principalmente para as crianças. “É importante estimular a parte criativa, não apenas jogar”, disse. “Você nunca sabe onde as paixões podem te levar, então eu apenas encorajaria os pais a deixarem seus filhos realmente apaixonados pelas coisas e, então, desenvolverem habilidades por meio disso.”

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