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Pesquisa revela por que mitocôndrias só vêm da mãe

Casos de falha em eliminar mitocôndrias passadas pelo pai levam a inúmeros problemas genéticos, conforme apontado por estudo recente

10/10/2024 às 11:00

As mitocôndrias, você aprendeu na escola, são organelas responsáveis pela geração de energia de nossas células. O que você também aprendeu, provavelmente em artigos passados do Meio Bit, é que elas possuem DNA próprio, e eram muito provavelmente organismos independentes e complexos, como as bactérias.

Em algum momento da História da Evolução, elas se associaram a células primitivas, oferecendo o processo de respiração celular, em troca de abrigo. É uma relação de endossimbiose, onde um organismo vive dentro de outro, em uma relação benéfica a ambos. Ah, sim, as mitocôndrias são passadas apenas pela mãe, as paternas são programadas para se autodestruírem durante o processo de fecundação.

Representação artística de mitocôndrias (Crédito: Arthur Plawgo/iStock)

Representação artística de mitocôndrias (Crédito: Arthur Plawgo/iStock)

Quer dizer, em um cenário ideal, mas a Biologia é uma ciência longe de ser exata. O DNA mitocondrial (mtDNA) paterno pode acabar passando para seus filhos, e se um deles for mulher, todas as suas descendentes do sexo feminino passarão a anormalidade adiante, desencadeada por uma falha no processo de eliminação do material altamente indesejado.

O que os cientistas não sabiam, era porque o mtDNA paterno não pode passar adiante, o que uma pesquisa recente conseguiu demonstrar, e reverter, em organismos mais simples.

Para mitocôndrias, dois é uma multidão

O que sabemos sobre mitocôndrias, é que por serem organismos semi-autônomos, elas também ficam doentes e sofrem com mutações próprias. Várias doenças, como diabetes mellitus e doença de Wilson (incapacidade de processar cobre), tem origem mitocondrial, e mulheres que sofrem dessas condições não podem nunca ter filhos, pois passarão sua condição adiante, o que o transplante mitocondrial chegou para resolver.

Isso acontece porque no ato da fecundação, o mtDNA paterno é deteriorado e descartado, e o mtDNA materno, presente no óvulo, permanece inalterado.

A grande verdade é que o mtDNA paterno é altamente indesejável, o que o prof. Dr. Ding Xue, da faculdade de Microbiologia Molecular e do Desenvolvimento da Universidade do Colorado em Boulder, nos Estados Unidos, descreve como "algo tão ruim, que a Evolução desenvolveu múltiplos métodos para garantir sua eliminação, durante o processo de fecundação".

Seu estudo de 2016 descreve o que ele chama de Eliminação de Mitocôndrias Paternas, ou PME na sigla em inglês. Trata-se um processo complexo, e cheio de etapas, voltado unicamente para destruir quaisquer traços de mtDNA, e manter o materno intocado.

Porém, há casos em que o material do pai persiste, o que se pensava ser uma falha no processo de destruição do código genético. Recentemente, se descobriu que o flagelo do espermatozoide mtDNA, que pode persistir se porções da "cauda" entrarem no núcleo, o que não é normal, mas acontece.

Agora, uma nova pesquisa conduzida pelo prof. Xue demonstrou porque a Vida está tão determinada a impedir que o mtDNA paterno passe adiante: quando há herança de material de ambos os pais, os descendentes apresentam diversos problemas genéticos, ao ponto do material genético mitocondrial fornecido pelo pai ser uma ameaça à perpetuação das espécies.

No livro Parasite Eve (1995; acima, cena do filme de 1997), o plano da "Eva mitocondrial" é atrapalhado pelo mtDNA paterno; Hironobu Sakaguchi, que adorou a obra, criou uma continuação extraoficial com o game de 1998 (Crédito: Reprodução/Fuji Television/Kadokawa Shoten/Toho)

No livro Parasite Eve (1995; acima, cena do filme de 1997), o plano da "Eva mitocondrial" é atrapalhado pelo mtDNA paterno; Hironobu Sakaguchi, que adorou a obra, criou uma continuação extraoficial com o game de 1998 (Crédito: Reprodução/Fuji Television/Kadokawa Shoten/Toho)

No artigo (cuidado, PDF), o prof. Xue descreve testes feitos com um nematódeo bem conhecido pelos acadêmicos, o Caenorhabditis elegans, o primeiro animal multicelular a ter seu genoma sequenciado, por ser minúsculo (~1 mm) e ter cerca de apenas 1.000 células. Ele também possui uma série de tecidos e organelas similares aos dos humanos, incluindo músculos e um sistema nervoso.

A pesquisa, a equipe percebeu que os C. elegans com mtDNA herdado de ambos os pais apresentava diversos problemas, como limitações cognitivas, sendo incapaz de se lembrar de estímulos negativos, e eram mais letárgicos. Por outro lado, a reação imediata a estímulos não foi afetada. O prof. Xue lembra que uma pesquisa passada, usando ratos, também revelou problemas cognitivos, de metabolismo, e de atividade geral em indivíduos com ambos mtDNAs.

AP parte interessante do estudo, foi constatar que a condição dos C. elegans foi quase que totalmente revertida, incluindo os níveis de ATP, a molécula que fornece energia às células, ao aplicar doses de vitamina K2 neles, mas por serem organismos muito simples, é altamente improvável que os mesmos benefícios se apliquem a humanos.

Porém, o proff. Xue especula que um tratamento/dieta pré-natal rica em vitamina K2, presente em diversas hortaliças, óleos, frutas secas e em ovos, pode prover a famílias com histórico de doenças mitocondriais uma proteção suplementar, para evitar que seus filhos sofram com doenças genéticas pelo resto da vida, e pior, condenem seus descendentes ao mesmo destino, o que faz muitos nessa situação decidirem não terem filhos, o que pode, quem sabe, mudar com novos tratamentos.

Referências bibliográficas

ZHANG, H., ZHU, Y., XUE, D. Moderate embryonic delay of paternal mitochondrial elimination impairs mating and cognition and alters behaviors of adult animals. Science Advances (2024), 13 páginas, 4 de outubro de 2024.

DOI: https://doi.org/10.1126/sciadv.adp8351

Fonte: University of Colorado Boulder

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