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Antártica está ficando cada vez mais verde, e rápido

Estudo aponta aceleração no processo de "esverdeamento" da Antártica, graças ao aquecimento global; consequências afetarão o clima do planeta

08/10/2024 às 10:30

Regiões da Antártica estão aos poucos ficando verdes, uma consequência direta do aquecimento global, em, um ritmo que acelerou na última década.

Um estudo recente, conduzido por pesquisadores das Universidades de Hertfordshire e Exeter, no Reino Unido, mostra que o aumento das temperaturas médias está mais acentuado na península antártica e ilhas próximas, fazendo com que o gelo derreta e a vegetação ganhe espaço.

Parece a Escócia, mas é a ilha Robert, na península antártica (Crédito: Isadora Romero/Bloomberg/Getty Images)

Parece a Escócia, mas é a ilha Robert, na península antártica (Crédito: Isadora Romero/Bloomberg/Getty Images)

Antártica verde, de novo

O artigo (cuidado, PDF) traça uma linha do tempo de observações da península antártica, de 1986 a 2021, e os resultados são interessantes, para dizer o mínimo. 38 anos atrás, porções nuas do solo foram pela primeira vez identificadas na área, com terra e rochas sendo cobertas geralmente por musgo, em uma área de aproximadamente 0,743 km²; em 2021, a porção verde já era 16 vezes maior, cobrindo cerca de 11,9 km², mas agora conta também com algas, líquens, e outras espécies. Até espécies invasoras de insetos foram detectadas.

A pesquisa, que usou imagens de satélite do programa Landsat, mostra que o processo de degelo e avanço da área verde é mais acentuada na península, que passa por períodos regulares de aquecimento, de modo que o gelo derretido não é reposto e não mais se acumula, devido as altas temperaturas médias. Entre 2016 e 2021, o processo se acelerou, em um ritmo de crescimento da vegetação de 0,424 km²/ano; a média entre 1986 e 2021 foi de 0,317 km²/ano.

O "esverdeamento" da Antártica é uma consequência direta do aquecimento global, principalmente devido ao aumento da emissão dos gases causadores do Efeito Estufa nos últimos 200 anos, desde a Revolução Industrial. O fenômeno não é isolado, a região do Ártico também enfrenta degelo de forma paulatina, conforme o planeta fica mais quente. Ilhas inteiras, como a Robert, já estão completamente descongeladas e cobertas de vegetação.

Os pesquisadores alertam que ninguém deveria entrar em pânico, a área em questão é bem pequena se comparada com o resto da Antártica, e não influi de forma imediata no clima global, mas segundo o prof. Dr. Thomas Roland, paleoecologista de Exeter e um dos co-autores do estudo, não dá para ignorar a existência de um cenário possível para qualquer outra área do continente.

Dados dos satélites Landsat 5-8 mostram processo de "esverdeamento" da península antártica; cada hexágono equivale a uma área de 5.000 km² (Crédito: Nature Geoscience, ISSN 1752-0908)

Dados dos satélites Landsat 5-8 mostram processo de "esverdeamento" da península antártica; cada hexágono equivale a uma área de 5.000 km² (Crédito: Nature Geoscience, ISSN 1752-0908)

Como uma massa continental que se desprendeu de Pangeia milhões de anos atrás, a Antártica já foi uma área repleta de vida e verde, e por estar originalmente conectada ao que hoje é a Austrália, é assumido que ela foi povoada por diversas espécies de dinossauros, répteis, protomamíferos, e vegetais complexos.

A mudança radical do clima do continente se deu principalmente pelo fim do período da "Terra Estufa" (Greenhouse Earth em inglês), quando a temperatura e concentração de CO₂ são tão altas, que não há formação de geleiras. As causas vão desde mudanças na órbita da Terra, à intensa atividade vulcânica e das placas tectônicas.

O efeito oposto, chamado "Terra Geladeira" (Icehouse Earth), é caracterizado pela formação das calotas polares, e menor concentração de gases do Efeito Estufa. Ambos períodos duram milhões de anos, causam mudanças drásticas na Terra, e não têm nada a ver com a mão humana; da mesma forma, a "Terra Geladeira" não é uma glaciação ou Era do Gelo, e seu cenário extremo é conhecido como "Terra Bola de Neve", que cientistas defendem ter ocorrido ao menos uma vez.

Acredite ou não, por mais que a Terra esteja ficando mais quente, estamos no período de "Terra Geladeira", e o planeta historicamente passou muito mais tempo (na escala geológica) dentro de períodos quentes, ao invés de frios. A última transição, e a desconexão da Antártica com os demais continentes, criou correntes mais frias que fizeram com que a neve se acumulasse ao longo dos anos, e não derretesse, criando um feedback positivo e enterrando o solo sob 2 km de gelo, em média.

Embora pequeno, uma diminuição sistemática da área congelada da Antártica poderia ter consequências similares às já identificadas no Ártico, onde o sumiço do gelo está alterando o albedo, a relação entre luz recebida e refletida da Terra. Com uma área congelada menor, mais luz e calor são retidos, aquecendo o planeta e liberando gases estufa presos no solo (permafrost) e no fundo do mar, como o metano, o que cientistas temem que possa criar um efeito de feedback positivo, ou seja, um ciclo de retroalimentação.

Tal cenário teria acontecido em Vênus, que pode ter sido muito similar à Terra no passado, mas hoje é avassalado por um Efeito Estufa que escalou ao limite.

Por outro lado, uma área verde maior da Antártica pode trazer outros efeitos. Em um cenário quasse inevitável de novas espécies migrando e se estabelecendo na região, o solo da região seria beneficiado com uma maior diversidade de fauna e flora, permitindo inclusive às duas espécies nativas de plantas que produzem flores e sementes, a pêra-da-antártida (Colobanthus quitensis) e a erva-pilosa-antártica (Deschampsia antarctica), a se espalharem por mais regiões.

De qualquer forma, é fato que o homem está influindo no aumento das temperaturas médias da Terra, e cientistas especulam que, ainda que hoje o "esverdeamento" da Antártica hoje se limite a uma porção pequena, o avanço constante da vegetação mostra que, ainda que demore, outras porções do continente poderão ter um destino similar no futuro.

Referências bibliográficas

ROLAND, T. P., BARTLETT, O. T., CHARMAN, D. J. et al. Sustained greening of the Antarctic Peninsula observed from satellites. Nature Geoscience (2024), 8 páginas, 4 de outubro de 2024.

DOI: https://doi.org/10.1038/s41561-024-01564-5

Fonte: Nature

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