Ronaldo Gogoni 07/10/2024 às 10:50
O álcool é visto como causa e solução de todos os males, e no passado, mesmo médicos defendiam um consumo mínimo como benéfico à saúde, mas conforme a Ciência avança, aprendemos mais sobre o consumo de bebidas alcoólicas e a extensão de seus efeitos no organismo. E sem surpresa, todos são muito ruins.
O relatório anual da Associação Norte-Americana de Pesquisa do Câncer (AACR) traz uma série de novos detalhes, além de confirmar que o álcool é o maior causador de casos plenamente evitáveis, desencadeados por maus hábitos, que respondem por 40% das ocorrências nos Estados Unidos.
A AACR publica todos os anos um relatório sobre os avanços na pesquisa de combate ao câncer, novos tratamentos e desafios enfrentados, histórias compartilhadas por médicos e pacientes, e dados estatísticos relevantes. Este ano, a associação investigou os casos de câncer associados a "fatores de risco modificáveis", isto é, hábitos e comportamentos de nossa escolha, que podemos mudar.
A pesquisa descobriu que apenas nos EUA, 40% de todas as ocorrências de câncer, em seus vários tipos, são desencadeadas por maus hábitos, onde o consumo excessivo de álcool é a principal causa, respondendo por 5,4% de todos os casos no país (dados de 2019), e por 4% em todo o mundo. Beber demais está diretamente ligado ao desenvolvimento de pelo menos seis tipos diferentes da doença, que incluem câncer de cabeça e pescoço, de esôfago, de fígado, de mama, estomacal, e colorretal.
O relatório da AACR é suportado por vários estudos recentes, que mostram que os casos estão aumentando e se manifestando mais cedo; o câncer colorretal, por exemplo, um fator de risco geralmente para homens e mulheres acima dos 50 anos, vem sendo frequentemente detectado em pacientes mais jovens, um crescimento detectado de 1,9% entre jovens adultos, de 2011 a 2019, um número considerado alarmante.
A pesquisa também apontou possíveis associações entre o consumo de álcool na juventude e a incidência de câncer mais tarde, e o consumo durante a gravidez e casos de bebês que desenvolvem leucemia infantil, com o risco flutuando de acordo com quanto a mãe bebe. Claro, nem todo mundo que bebe vai desenvolver câncer, há uma série de fatores a serem levados em conta, mas é fato que a ingestão de álcool tem influência, que derruba de vez o mito do "lubrificante social" inofensivo; mesmo consumo leve a moderado está ligado a aumento de casos de câncer de mama, que também ocorre em homens, ainda que seja raro.
A grande e inconveniente verdade, que tanto consumidores quanto a indústria não gostam de admitir, é que tal qual o cigarro, não há níveis saudáveis para consumo de bebidas alcoólicas, e não importa o tipo, se fermentada ou destilada. O problema reside no etanol, que ao ser metabolizado resulta na produção do acetaldeído, também chamado etanal, uma substância comprovadamente cancerígena quando associada ao álcool (ela está presente em alimentos, como o brócolis e o limão, mas em níveis mais brandos).
O etanal pode danificar o DNA, levando a mutações ao processo de replicação celular descontrolada, aka câncer. Álcool também pode causar outros efeitos, como prejudicar a absorção de vitaminas e nutrientes, alterar os níveis hormonais, causar lesões que aumentam as chances de infecções na boca e garganta, causar danos no microbioma intestinal... e a lista só continua.
Pesquisadores também alertam para outros hábitos, que isolados também aumentam as chances de desenvolver vários tipos de câncer, como o sedentarismo, a obesidade, e obviamente o fumo, quando combinados ao álcool levam a cenários ainda mais críticos, e aumentam em muito as chances negativas. Ao mesmo tempo, é preciso lembrar que boa parte do que consumimos, entre produtos industrializados, vai fazer mal num grau ou noutro.
Os cientistas também reconhecem que uma série de conceitos errados persistem, como a noção de que cerveja e vinho são mais seguros que destilados (não são), e embora pesquisas apontem que vinho tinto pode ser benéfico contra algumas doenças, ele não está isento de ser um fator causador de câncer.
Por outro lado, a AACR nota que é possível reduzir as chances, para variar tendo hábitos saudáveis, que envolvem perder peso, praticar exercícios, e cortar álcool e cigarro por completo; a instituição sabe que o desconhecimento da população (um a cada dois americanos desconhecem a relação entre álcool e câncer), e que uma campanha de conscientização massiva é necessária, talvez, similar às anti-tabagismo.
O duro será convencer o consumidor de que a cervejinha do fim de semana não é um hábito saudável.
Fonte: American Association for Cancer Research, The Conversation