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Starliner: astronautas voltam via SpaceX

A NASA adiou até não poder mais, mas acabou admitindo: a Starliner é insegura demais e os astronautas ficarão até 2025 para voltar via SpaceX

24/08/2024 às 18:58

A Starliner era para ser um passeio. Butch Wilmore e Sunita Williams fariam uma viagem rápida para a Estação Espacial Internacional, passariam oito dias em órbita testando a nave, voltariam triunfantes e a Boeing entregaria para a NASA a segunda nave capaz de transportar tripulantes, encerrando a dependência da SpaceX.

Starliner em órbita (Crédito: NASA)

Tudo começou em 2011, quando a NASA lançou o programa Commercial Crew, com um modelo onde contrataria os serviços de empresas para levar astronautas para a Estação Espacial, ao invés de contratar o desenvolvimento de foguetes.

Isso abriu espaço (dsclp) para bastante inovação, e Boeing, Sierra Nevada, Blue Origin e SpaceX apresentaram propostas e competiram pelas vagas.

Nessa época a SpaceX estava longe de ser a potência que é hoje, o Falcon 9 havia voado pela primeira vez em junho de 2010, todos os olhos estavam na Boeing, que era a aposta certeira.

Sim, a resposta é sim (Crédito: Reprodução Internet)

A proposta inicial da empresa foi escrita por um grupo de 200 engenheiros. Eles tinham décadas de experiência, lobistas e gente jogando sujo. Em certo momento, quando só ela e a SpaceX continuavam na competição, a Boeing propôs à NASA que ela teria como cumprir o contrato se recebesse toda a verba disponível, chutando a SpaceX para escanteio.

Isso foi uma trairagem de marca maior, e quase deu certo, mas o medo de ficar preso a um único fornecedor fez com que cabeças mais calmas na NASA conseguissem verba extra. Mesmo assim a Boeing recebeu o dobro da SpaceX.

Starliner, vista da janela de uma Dragon (Crédito: NASA)

Passaram-se os anos, a Boeing atrasou e não cumpriu as metas, e para piorar, a NASA fez contratos com pagamentos atrelados à entrega de resultados. O prejuízo foi aumentando e a cultura de engenheiros que fez a Boeing ser a Boeing foi substituída por uma cultura de burocratas e contadores.

Os engenheiros da SpaceX recebiam entusiasmados os astronautas que voariam na Dragon, ouviam as sugestões e críticas, eram nerds interagindo com seus ídolos. Já a Boeing não ligava para os astronautas, chegaram ao ponto de não comunicar a eles sobre um grave vazamento de combustível durante um teste da cápsula Starliner.

Doug Hurley, astronauta, literalmente chegou pro chefe dos astronautas da NASA e disse que não voaria na Starliner.

Encurtando a história, a SpaceX construiu a Dragon, fez os vôos contratados, ganhou duas extensões do contrato, e a Boeing não havia conseguido lançar a Starliner.

O primeiro lançamento, não-tripulado, em 20/12/2019, foi um sucesso parcial, se por sucesso você entender a nave não foi destruída.

O relógio interno estava fora de sincronia por mais de 11 horas, por causa disso a Starliner achou que estava em um local diferente, tentou corrigir sua posição em órbita e isso a colocou girando sem controle, queimando boa parte do combustível.

Depois que a Boeing conseguiu reassumir o controle, a acoplagem com a Estação Espacial Internacional foi cancelada, por motivos de segurança. A missão foi reduzida para três dias, mas eis que acham um novo bug no software: um bug que causaria a destruição da nave na reentrada, que já estava programada.

O bacalhau foi subido duas horas antes do momento final, e a Starliner pousou em segurança. Uma estimativa muito otimista da Boeing deu 60% dos objetivos da missão como cumpridos.

O próximo vôo do Starliner só foi acontecer em maio de 2022, e tudo deu certo, abrindo caminho para o vôo tripulado, em 5 de junho de 2024.

Exceto que o lançamento foi adiado duas vezes depois que encontraram um vazamento de hélio, mas como não era o suficiente para deixar os astronautas com voz de advogado, a Boeing decidiu desistir de tentar achar o vazamento e lançar assim mesmo.

Subir, subiu (Crédito: NASA)

Já no espaço, novos vazamentos de hélio foram detectados. Quando a Starliner se aproximava da Estação Espacial, seis dois 28 propulsores de manobra da nave deram defeito. Após algum tempo de troubleshooting usaram a milenar técnica de desligar e ligar novamente, e quatro voltaram a funcionar. A acoplagem foi feita com sucesso, mas era só o começo.

A NASA e a Boeing começaram a estudar o problema. Logo ficou claro que a estadia seria estendida, e a preocupação passou a ser com as baterias.

A Starliner foi projetada para ficar sete meses no espaço, mas as baterias de longa duração não estavam prontas. A certificação das baterias usadas era de 15 dias. Quando o prazo passou, a Boeing recertificou com uma canetada as baterias para 45 dias.

Nenhum dos envolvidos estava satisfeito com o resultado das investigações, a Starliner não passava nas estimativas de risco da NASA, mas havia a questão política. O Congresso dos EUA quer que a Starliner seja um sucesso, a Boeing precisa que o projeto continue, e a NASA não quer admitir que gastou bilhões de dólares em um amontoado de parafusos.

A decisão de retorno dos astronautas foi adiada, empurrada com a barriga, a NASA deixou de fazer coletivas de imprensa, teve até funcionários reclamando de jornalistas fazendo perguntas.

O inevitável, claro, acabou acontecendo: A NASA admitiu em 24 de agosto que a Starliner não é segura o suficiente para voltar para a Terra com os astronautas. Quem fará isso é a SpaceX.

Agora o melhor: Os dois astronautas, que subiram em junho para ficar oito dias, só voltarão em fevereiro de 2025.

A cápsula que os levará de volta será lançada em 24 de setembro, é a missão Crew-9. Originalmente ela levaria quatro astronautas, mas subirá com apenas dois, levando dois trajes de vôo extras. Butch e Suni se juntarão à tripulação da Crew-9, e trabalharão normalmente em órbita até 2025.

Sunita Williams e Butch Wilmore cumprindo suas obrigações midiáticas (Crédito: NASA)

Melhora: A Boeing vai desacoplar a Starliner e voltar para a Terra com ela vazia, mas há um problema: O software na nave não tem as rotinas para vôo 100% autônomo. A Boeing vai ter que alterar o software, testar e fazer o (literal) upload.

E ninguém sabe como o software reagirá se os propulsores falharem.

Quanto aos dois astronautas, até setembro eles têm um problema: em caso de emergência, eles não têm um bote salva-vidas.

Normalmente a Estação Espacial Internacional funciona com vagas nas naves acopladas para todos a bordo, mas com a Starliner condenada, é preciso apelar para o plano B.

Em caso de choque com meteoritos, invasão de Xenomorfos ou alguém abrir uma lata de pequi na estação, os russos fogem na Soyuz, os americanos da Crew-8 ocuparão os quatro assentos e os dois astronautas da Starliner serão amarrados nos pallets de carga da Dragon, uma forma bem indigna, mas segura de voltar.

Exceto se houver despressurização da Dragon. Os trajes de vôo da Boeing não são compatíveis com os conectores da SpaceX, então é bom que treinem prender a respiração.

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