Carlos Cardoso 6 anos atrás
Nós trekkers amamos Jornada nas Estrelas, mas temos que reconhecer que apesar de ser algo que se mesclou totalmente ao imaginário popular, fazendo parte da cultura americana e mundial, ainda assim Star Trek é um produto de nicho e como aprendemos em marketing, share of mind não significa share of market.
No cinema foram 13 filmes da franquia, que faturaram nos Estados Unidos, corrigidos pela inflação, US$ 2,5 bilhões, que parece muita coisa, mas quando a gente divide, dá US$ 190 milhões por filme. Nêmesis rendeu US$ 64 milhões no mercado interno, um número tão baixo que perde do Ghostbusters de 2016.
Não é à toa que a franquia foi pra geladeira depois de Nêmesis em 2002, sendo ressuscitada só em 2009, para a maior bilheteria de todos os filmes, US$ 305 milhões, com a versão de J.J. Abrams. Into Darkness também fez bonito, ficando em 4º lugar com US$241M, mas Beyond, de 2016 caiu para a oitava posição, com US$ 164 milhões. Com um orçamento de US$ 185 milhões, os US$343 milhões de receita total, Estados Unidos + mundial, não garantem lucro muito grande, ainda mais se levarmos em conta os custos de marketing.
Apesar disso a Paramount ainda insistia na franquia, e o plano era produzir o quarto filme da Timeline Kelvin, como ficou chamada a versão de J.J. Abrams. Seria um filme com viagem no tempo e participação de George Kirk, mas ele se lembrou que era o Thor e exigiu muito mais grana para reprisar o papel que fez no primeiro filme.
Chris Pine, por sua, vez ficou bem mais famoso desde 2009 também, e exigiu um aumento, ao que a Paramount começou a fazer contas, e ao contrário de um monte de pais, percebeu que Star Trek e Star Wars são coisas diferentes. E que não dá pra manter a franquia aberta pagando salários de Mulher Maravilha e Vingadores. Se era blefe ou não ninguém sabe, mas a resposta da Paramount foi cancelar o filme.
Star Trek 4 está morto.
Resta o tal Star Trek que o Quentin Tarantino estaria fazendo, e as séries de TV, como a nova série do Picard, e Discovery, mas sendo realista provavelmente algum Klingon enterrou uma caveira de burro andoriano na sede da Frota Estelar em São Francisco, pois as coisas não vão nada bem também.
Quando surgiu a nova série da franquia, Star Trek: Discovery, todo mundo se animou, mas quando a série estreou em 2017 a estranheza foi geral. A série era dark, depressiva, violenta, com lacração jogada na cara e produtores e elenco vomitando promessas de diversidade e inclusão que, para qualquer trekker que tenha torcido por Benjamin Sisko, amado a Tenente Uhura, adorado Chekov e Sulu e acompanhado a Capitã Janeway soavam... alienígenas. Star Trek SEMPRE FOI sobre inclusão e diversidade, que série é essa que eles estavam "consertando"?
Discovery teve um começo difícil. Bryan Fuller, criador da série, saiu em 2016, antes mesmo da estreia, depois de bater de frente com a CBS. Ele foi substituído por Gretchen Berg e Aaron Harberts, que transformaram a produção em um inferno, há histórias deles gritando com os roteiristas na frente de todo mundo. No final eles rodaram também, em junho de 2018 e foram trocados por Alex Kurtzman, que prometeu uma segunda temporada mais leve e mais Star Trek.
A premissa da primeira temporada de Discovery é que a Federação descobre uma rede de fungos interdimensionais que formam uma rede de comunicação, preenchendo a galáxia. Eles capturam um tardígrado gigante e o usam para acessar os esporos desses fungos e, com isso, conseguem mover a nave pelo espaço, com velocidade instantânea.
Isso lembra muito um jogo, chamado Tardígrados, onde uma civilização ancestral havia criado uma rede de comunicação galáctica através de esporos, e conseguia acessar essa rede através de tardígrados gigantes, conseguindo assim se locomover com velocidade instantânea.
Se parece feio, calma que piora. O jogo está sendo desenvolvido por um egípcio, Anas Abdin, e foi anunciado em 2014. Um ano antes de Discovery ter sido anunciada, em novembro de 2015. Ele tentou de tudo pra resolver as coisas amigavelmente, mas a CBS partiu do princípio que é uma grande corporação, então dane-se um sujeito anônimo na internet. Ele acabou entrando na justiça ano passado.
As semelhanças não param nos tardígrados.
Em Discovery o cientista se comunica com os esporos em uma nuvem azulada. Um dos protagonistas é um barbudo negro que tem um relacionamento homossexual (bye, AdSense) com um branco louro. Outra protagonista é uma humana negra.
Em Tardígrados o cientista se comunica com os esporos em uma nuvem azulada. Um dos protagonistas é um barbudo negro que tem um relacionamento homossexual com um branco louro. Outra protagonista é uma humana negra.
A CBS está alegando que os elementos são genéricos e que o autor está tentando registrar copyright dos tardígrados em si, a espécie de animais microscópicos ultra resistentes que o Neil DeGrasse Tyson cria.
O Juiz não engoliu a groselha de defesa, e não aceitou o pedido pra ação ser anulada. A acusação também ganhou direito de "descoberta", ou seja, eles podem exigir informações da Paramount e ela é obrigada a fornecer. O oposto não foi concedido. O caso ganhou prosseguimento e não pode mais ser anulado sem uma justificativa específica.
Discovery volta semana que vem, 18 de janeiro. O processo só ganhará mais divulgação na mídia. Se a CBS for inteligente, pagará um bom cala boca para o egípcio e esquecerá o caso, mas não dá pra se cobrar inteligência dessa turma. Estamos falando da CBS que cancelou a série clássica, e da Paramount que nos primórdios da internet ameaçou processar todos os sites de fãs.
E só para dar uma ideia da zona que é o licenciamento da franquia, a produção de Discovery não tem nem direitos sobre o design da USS Enterprise, então quando a Velha Dama aparece no final da primeira temporada, eles tiveram que criar uma versão pelo menos "25% diferente" da usada na série de James Kirk.
Star Trek hoje está sendo produzida por um comitê, um trabalho burocrático com uma listinha de cotas a cumprir, verbas a respeitar e se der, enfiar uma história ou duas no meio, só pra constar.
Felizmente isso vai mudar, Jornada nas Estrelas é muito mais que uma franquia de navinha pewpewpew, muito mais que uma série de TV seguindo modinhas, ela pode ter seus altos e baixos, mas com seis séries (não, não conto a animada) e 53 anos, ela tem DNA suficiente pra se manter por décadas no imaginário popular.
A visão original de Gene Roddenberry, de mostrar um futuro positivo, de vender uma ideia de esperança de que conseguiremos resolver nossos problemas e melhorar tanto como espécie, quanto como indivíduos, permanecerá. Principalmente em tempos difíceis, dependemos de histórias que nos provoquem e estimulem a fazer a coisa certa.
Jornada nas Estrelas discutia os maiores problemas de sua época, através de alegorias e metáforas inteligentes, algo que a geração atual nasceu com alguma deficiência genética para entender, mas a próxima geração pode ter mais sorte.
Nos anos 60 Star Trek usou duas espécies idênticas, apenas simetricamente invertidas para discutir brilhantemente a irracionalidade do racismo. Hoje um millenial só consegue gritar "blackface! triggered!", mas os millenials vão passar, Jornada nas Estrelas continuará.
Se Discovery não voltar às raízes, outra série o fará. Eu tenho plena esperança, foi o que aprendi com tantos anos de Star Trek. Acho até que com o Capitão Christopher Pike, há chance de Discovery melhorar muito, mas mesmo que não melhore, outra série já apareceu para manter vivos os ideais de Roddenberry: Assistam The Orville!