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Cuphead: difícil, original e essencial — Review

Cuphead é o game de estreia do StudioMDHR que resgata não só o gênero run 'n gun, mas também as animações clássicas dos anos 1930

6 anos e meio atrás

Depois de longos sete anos de desenvolvimento (quatro deles em público), Cuphead finalmente está disponível. O título de estreia do StudioMDHR é uma carta de amor não só às animações do início do século 20, como também aos games clássicos de tiro, queridos pelos seus fãs até hoje.

Tal como eles o título é difícil, quase insano, que exige reflexos rápidos e uma boa dose de paciência do jogador. Porém toda punição vem com uma lição, pois Cuphead vai ensiná-lo a ser melhor.

Cuphead (Crédito: Divulgação/StudioMDHR)

Cuphead (Crédito: Divulgação/StudioMDHR)

Estas são nossas impressões após várias horas de tiros, explosões e centenas de mortes inevitáveis.

Nunca confie num cara com chifres

A história de Cuphead é simples, mas original: o personagem-título e seu irmão Mugman caíram na lorota do Diabo em pessoa, fizeram uma aposta tentando ficar ricos e obviamente se estreparam, pois acabaram negociado suas almas. A dupla implora por clemência, ao que o vilão os obriga a derrotar e coletar os espíritos de outros devedores, espalhados pelo reino mágico onde vivem, para atender seu pedido.

Essa é a única conexão entre cada um dos chefes do game, todos estão devendo suas almas ao Diabo, e como este não gosta de sujar as mãos, bota Cuphead e Mugman para trabalharem como dois “repo men” de espíritos.

Cuphead foi originalmente concebido pelos irmãos Chad e Jared Moldenhauer, fundadores do estúdio independente StudioMDHR, como um game composto exclusivamente de boss battles, eliminando o conceito de estágios e levando o jogador diretamente ao que interessava, o combate com os chefões. Ele pegou elementos de clássicos do gênero run 'n gun como Gunstar Heroes e as séries Contra e Metal Slug, com controles semelhantes e principalmente, uma dificuldade equivalente.

Cuphead (Crédito: Divulgação/StudioMDHR)

Cuphead (Crédito: Divulgação/StudioMDHR)

A princípio, Cuphead seria lançado para uma série de consoles e PC (foram cogitadas até mesmo plataformas móveis), mas a Microsoft deu uma voadora com os dois pés no peito dos irmãos Moldenhauer, garantindo direitos temporários em consoles para o Xbox One e em PCs para a plataforma Windows.

O investimento foi pesado, ambos tiveram que abrir mão de muita coisa e como Redmond garantiu que o jogo fosse lançado, o acordo foi minimamente justo (Cuphead chegou ao macOS em 2018, ao Nintendo Switch em 2019, e ao PS4 em 2020). Os desenvolvedores disseram, no entanto que games posteriores da série poderão ser multiplataforma desde o início.

Durante a fase de desenvolvimento, e graças às solicitações do público, o StudioMDHR fez modificações na jogabilidade para incluir estágios de run 'n gun, que apelam aos clássicos em que se inspirou, bem como adicionou chefes que seguem o estilo de shoot 'em ups horizontais, como as pérolas absolutas R-Type e Gradius, entre outros. Tudo para acrescentar variabilidade e não tornar Cuphead uma série de desafios “mais do mesmo”.

Cuphead (Crédito: Divulgação/StudioMDHR)

Cuphead (Crédito: Divulgação/StudioMDHR)

Difícil, porém justo

O que chama a atenção em Cuphead logo de cara, evidentemente, é sua identidade visual. A direção artística fantástica se inspirou nas clássicas animações dos anos 1930, em especial as produzidas pelo mítico estúdio fundado em 1921 como Inkwell Studios, mas que é mais conhecido pelo nome que veio a assumir depois: Fleischer Studios.

A produtora, tocada pelos irmãos Max e Dave Fleischer, foi responsável por algumas das maiores pérolas dos desenhos animados da época, inicialmente em preto-e-branco e depois coloridos, que eram exibidos nos cinemas, numa época em que a TV não existia e todo mundo ia para as salas de projeção para assistir filmes, noticiários, musicais e desenhos ocasionais, tanto para entreter a criançada quanto para tapar buracos na programação.

A Fleischer produziu desenhos para personagens memoráveis, desde a excelente primeira animação do Superman, considerada uma das melhores do personagem e extremamente influente (foi ela que definiu que Kal-El podia voar, até então ele só saltava) e Popeye, como criou os seus próprios como Bimbo, o palhaço Koko, e a primeira pin-up dos desenhos animados, a curvilínea Betty Boop.

Tudo sempre bem acompanhado de uma excelente trilha sonora orquestrada como foi a regra por muitas décadas, mas a Fleischer abusava: suas animações originais eram regadas a jazz de primeiríssima qualidade, e alguns deles contaram inclusive com a participação do astro Cab Calloway (1907-1994), que muitos lembram de ver interpretando o clássico Minnie the Moocher em Os Irmãos Cara-de-Pau (1980).

Cuphead paga tributo à essa fase da história da animação, tanto no visual quanto no som. Todos os frames foram desenhados à mão, enquanto a trilha sonora foi composta pelo canadense Kristofer Maddigan (que chamou a atenção ao compor músicas para o projeto My Virtual Dream), para se adequar de maneira orgânica aos desafios; a big band responsável pela música e ambientação se mistura ao estilo gráfico do game, acabando por compor uma atmosfera vintage perfeita.

O cuidado com esse aspecto é notado tanto pelos riscos brancos que percorrem a tela, para denunciar danos em “fitas antigas”, quanto no som que possui chiados propositais, como se você estivesse rodando um rolo de filme da época em um projetor, assistindo algum desenho perdido de um artista desconhecido.

Sobre a mecânica, é preciso deixar claro de uma vez: Cuphead é insanamente difícil. O desafio é elevado mesmo no modo fácil, o que causará repulsa em jogadores não habituados a títulos do gênero. No entanto, ele é extremamente justo em seus padrões, nada apresentado é completamente intransponível.

Cuphead (Crédito: Divulgação/StudioMDHR)

Cuphead (Crédito: Divulgação/StudioMDHR)

O game joga na sua cara onde você errou e em que ponto do desafio você morreu; os chefes não possuem barras de energia, quando você perde é exibida uma linha de progressão, que mostra o quão próximo você estava da vitória, o que o incentiva a ser melhor.

Com o tempo, as sucessivas mortes mostrarão ao jogador um padrão de movimentos bem definido, que deve ser realizado de modo a evitar danos, e algumas tentativas depois, aquele chefe ou estágio aparentemente intransponível é superado e você pensa "era tão fácil assim?". Acredite, não era.

Você vai notar suas habilidades sendo aprimoradas, e será possível derrotar todos os inimigos, ainda que com dificuldade. Cuphead é basicamente um exercício de paciência, onde quem não tiver saco para tentar de novo, de novo e de novo vai detestar o game e sua filosofia pretensamente punitiva, mas se você se permitir, verá que ele pega na sua mão, o ensinando a como jogar para melhorar.

Cuphead (Crédito: Reprodução/StudioMDHR)

Cuphead (Crédito: Reprodução/StudioMDHR)

Por isso mesmo o game não é linear. Cuphead oferece um mapa com uma certa opção de desafios a serem superados, e quando um é vencido, novos caminhos se abrem. Você nunca terá a opção de derrotar apenas um chefe, e poderá escolher entre um desafio mais fácil ou mais difícil. Assim, quando as opções se esvaírem, você já estará apto a superar os inimigos de cada região e seguir para a próxima.

A mecânica do game em si pode parecer um tanto confusa a princípio. Como ele não foi originalmente desenvolvido tendo o segundo analógico em mente, não há a opção de tiro em oito direções, apenas cinco, exceto quando no ar. A disposição padrão dos botões, quando jogando com joystick (no meu caso, do Xbox 360) é desastrosa, para dizer o mínimo.

Na configuração original o A é o botão de pulo, o X é o tiro (segure para rapid fire), o B é o botão de especial, o LB troca de arma e o Y é o… dash. Para um game em que você precisa pensar rápido não dá para jogar assim, por isso mesmo eu reloquei o dash para o botão RT.

Nos combates, você deve se preocupar não só com os inimigos e coisas voando em sua direção, mas também com elementos em que você pode dar "parry", apertando o botão de pulo no novamente enquanto no ar. Qualquer elemento rosa, seja um tiro ou um inimigo, quando tocado no momento certo, lhe dará instantes de invulnerabilidade e um incremento na barra de especial.

No modo de dois jogadores (apenas local, não há co-op online) você pode dar parry em seu aliado quando ele morrer, evitando que ele desapareça desde que você seja rápido o bastante.

Cuphead (Crédito: Reprodução/StudioMDHR)

Cuphead (Crédito: Reprodução/StudioMDHR)

É importante também melhorar suas habilidades dentro do jogo. Cada um dos estágios de run 'n gun possui 5 moedas espalhadas pelo cenário, que podem ser utilizadas para comprar itens na loja. Eles vão desde diversos tipos de tiros, de fortes com curto ou médio alcance, ou de longo alcance/teleguiados mas bem fracos, a um acessório que adiciona mais um marcador de energia, mas que reduz seu dano, outro que regenera sua barra de especial automaticamente, e etc.

Há uma série de coisas a serem feitas no mapa, desde encontrar os mausoléus e liberar novos especiais, a cumprir certas tarefas dadas por NPCs, que podem render bônus ou liberar modos secretos, na forma de filtros de cores e som. Há também o modo Expert, liberado apenas ao finalizar o jogo, que adiciona um nível de dificuldade ainda maior, para quem não achou Cuphead desafiador o suficiente.

A chave da vitória está em compreender suas habilidades e descobrir o que você pode fazer, para só então analisar do que os chefes são capazes. Apelar para uma tática de força bruta só o fará morrer incessantemente, é preciso desenvolver uma estratégia capaz de mantê-lo vivo o suficiente para vencer o desafio.

Cuphead irá ensiná-lo como fazer isso, desde que você se permita apanhar muito até aprender.

Cuphead (Crédito: Divulgação/StudioMDHR)

Cuphead (Crédito: Divulgação/StudioMDHR)

Conclusão

Cuphead é um jogo esplêndido, uma dessas tempestades ocasionais em que tudo dá certo. No entanto, é preciso entender que ele é um produto voltado a um público bem específico, os que gostam dos clássicos run 'n gun ou shoot 'em ups do passado. Quem não está habituado a esse gênero corre o risco de passar mais raiva do que se divertir, ao menos até compreender as mecânicas e memorizar as repetições de padrões, de modo a evitar os desafios e alcançar a vitória.

O game chega a ser didático em sua mecânica, ele é punitivo mas ensina o caminho das pedras, de modo que o jogador seja capaz de ver que está melhorando. A identidade visual é belíssima e o som é fantástico, sendo o único problema técnico os controles que não possuem um sistema de mira em 360º, o que poderia ser muito útil em algumas situações.

No fim, Cuphead é um game que te fará amar jogar o controle na parede.

Cuphead — Ficha Técnica

  • Plataformas — PS4, Xbox One, Nintendo Switch, Windows e macOS (analisado no Windows com cópia adquirida pelo autor);
  • Desenvolvedora — StudioMDHR Entertainment;
  • Distribuidora — StudioMDHR Entertainment;
  • Classificação Indicativa — 10 anos.

Pontos Fortes

  • Curva de aprendizado justa, o game o ensina como ser melhor;
  • Identidade visual resgata um estilo de animação único e há muito esquecido;
  • Trilha sonora fantástica, com jazz de primeira qualidade;
  • Chefes e estágios oferecem uma extensa variedade de desafios a serem superados.

Pontos Fracos

  • Controles um tanto confusos à primeira vista (a configuração padrão é desastrosa);
  • Dificuldade elevada pode se revelar frustrante em muitos momentos;
  • Definitivamente não é um game que atende todos os gostos.

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