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Como a câmera Kodak Instamatic conquistou o mundo

Conheça a história da Kodak Instamatic, uma das câmeras point-and-shoot mais populares da história, graças ao preço baixo e simplicidade

2 anos atrás

A Kodak é hoje uma sombra da gigante no ramo da fotografia que foi um dia, um mercado que muitos creem não ter muito mais futuro. Ela ainda produz filmes para cinema e câmeras profissionais, mas o setor voltado ao consumidor comum, sustentado principalmente pelas antigas compactas, ou point-and-shoot, ruiu por completo graças aos smartphones.

Embora hoje a maioria associe as câmeras compactas aos filmes de rolo, fontes de medo constante, entre os anos 1960 e 1980, quem dominou o mercado foi a linha Instamatic, graças a três fatores principais: preço baixo, fácil operação, e marketing certeiro.

Kodak Instamatic 177X, que a divisão brasileira apelidou de "Repeteco" (Crédito: Ronaldo Gogoni/Meio Bit)

Kodak Instamatic 177X, que a divisão brasileira apelidou de "Repeteco" (Crédito: Ronaldo Gogoni/Meio Bit)

Em verdade, quase todo o sucesso das Instamatic se deve à campanha de marketing, que guarda muitas semelhanças a outro produto que vendeu muito nos Estados Unidos, apesar de no início, as chances estarem todas contra ele.

"Pense pequeno"

Em 1959, a divisão americana da Volkswagen tinha um problema nas mãos. Na época, a economia estava a todo vapor e montadoras atendiam a demanda das famílias, que estavam crescendo (efeito "Baby Boomer") e por consequência, queriam carros grandes. Os sonhos de consumo eram modelos como o Cadillac e o Chevrolet Bel Air, entre outros, e a montadora alemã precisava colocar para vender seu veículo principal: o Type 1 ou Beetle, o Fusca.

Primeiro, a Segunda Guerra Mundial tinha acabado há apenas 15 anos, e embora o Fusca tenha sido um grande esquema de estelionato, ele ainda era conhecido como "o carro de Hitler"; segundo, ele era tudo o que o público do país detestava em um automóvel, sendo minúsculo e compacto. Ele não tinha o glamour e opulência dos enormes automóveis americanos.

Helmut Krone e Julian Koenig, responsáveis pela campanha de marketing original do Fusca nos EUA, tinham que encontrar uma maneira de convencer o consumidor a comprar um produto que ia contra todas as suas convenções e preferências, e conseguiram isso ao bater de frente com esses conceitos, ao criarem a campanha "Think Small".

Dividida em dois anúncios, ela focava justamente no tamanho diminuto do Beetle em um deles, no que ele podia ser estacionado e guardado em lugares em que os concorrentes jamais caberiam. No outro, ele era chamado de "limão", uma gíria da época para carros usados ruins, dizendo que sua mecânica enxuta garantia que ele funcionaria mais sem dar problemas, e que os reparos seriam em menor quantidade, mais simples e mais baratos, o que se reverteria em um melhor preço de revenda.

Os dois anúncios da campanha "Think Small" (Crédito: Reprodução/Volkswagen/acervo internet)

Os dois anúncios da campanha "Think Small" (Crédito: Reprodução/Volkswagen/acervo internet)

Tudo na campanha foi milimetricamente planejado, desde os títulos enxutos e pontuados, com ideias polêmicas e que causavam curiosidade, ao uso muito bem executado de viúvas e órfãos no texto, para dar o ar minimalista e informal.

Como resultado, o Fusca se tornou um sucesso de vendas nos Estados Unidos, ao ponto de 9 anos depois estrelar um filme próprio, Se Meu Fusca Falasse (The Love Bug), em que a Disney criou o querido carrinho inteligente Herbie. Mas até lá, o Beetle já havia consolidado sua presença no mercado norte-americano.

Em 1999, a Ad Age elegeu "Think Small" como a melhor campanha publicitária do século XX. A da Kodak Instamatic não chegou a tanto, mas percorreu um caminho similar.

126 e 110: Kodak reinventa o filme blindado

Qualquer um que operou uma câmera com filme tradicional lembra da sensação constante de terror da possibilidade de apertar sem querer a trava da tampa, o que exporia a película à luz e destruiria todas as capturas restantes. Soluções para isso até existiam, o primeiro filme protegido em um case próprio surgiu antes dos produtos da Kodak e no Reino Unido, mas até então, essas câmeras eram vistas pela comunidade de fotógrafos como uma curiosidade.

Em 1963, a Kodak decidiu que todo mundo tinha direito a ter sua própria câmera, para sair por aí capturando tudo, e não importa se você era fotógrafo ou não, se tinha conhecimento ou não. Para isso funcionar era preciso primeiro ter um equipamento e filme fáceis de operar, e segundo, convencer o público certo a comprar.

A primeira parte foi atendida com o lançamento da Instamatic 100, o primeiro modelo da linha de câmeras "automáticas instantâneas", cujo procedimento era bem simples: encaixe o filme e comece a tirar fotos. O filme era o 126, código reaproveitado de um modelo de rolo descontinuado, mas que vinha protegido em um invólucro plástico, totalmente protegido contra a luz. Modelos menores da linha usavam a variação 110, mais compacta.

Além disso, a Instamatic 100 era muito barata para a época, tendo chegado às lojas por US$ 16, ou cerca de US$ 141,31 (~R$ 799,93, cotação de 27/12/2021) em valores de hoje.

Os filmes 126 (foto) e 110 eram ridiculamente simples de usar (Crédito: Ronaldo Gogoni/Meio Bit)

Os filmes 126 (foto) e 110 eram ridiculamente simples de usar (Crédito: Ronaldo Gogoni/Meio Bit)

A sua primeira câmera

Para o marketing, a Kodak entendeu que não conseguiria vender a Instamatic para fotógrafos profissionais e hobbystas, logo, mirou em todo o resto da população, em especial as crianças.

A ideia era que seu produto era a AK47 das câmeras fotográficas, tão simples que até os pequenos poderiam usá-las, e eles de fato as usaram. Muito. No fim das contas, a Instamatic foi responsável por introduzir muita gente no ramo da fotografia.

As peças publicitárias também foram voltadas ao público feminino, que até então não era o alvo das fabricantes de câmeras. A imagem que sempre ilustrava o usuário era o homem, fosse o solteiro ou o pai de família.

Não mais.

A Kodak apostou nas crianças, com a Instamatic como a primeira câmera (Crédito: Reprodução/acervo internet)

A Kodak apostou nas crianças, com a Instamatic como a primeira câmera (Crédito: Reprodução/acervo internet)

Em alemão: "a câmera de maior sucesso no mundo em sua forma mais bela". Sutil (Crédito: Reprodução/acervo internet)

Em alemão: "a câmera de maior sucesso no mundo em sua forma mais bela". Sutil (Crédito: Reprodução/acervo internet)

A Kodak também tinha um garoto-propaganda de peso. A empresa era uma das patrocinadoras do The Dick Van Dyke Show, e o ator fez muitos spots para suas câmeras, inclusive as Instamatic.

O Brasil teve sua cota de propagandas direcionadas para toda a família, sem nenhum tipo de barreira. A ordem era vender as Instamatic para todo mundo, e elas saíam como pão quente.

Agora você sabe de onde veio o slogan (Crédito: Reprodução/acervo internet)

Agora você sabe de onde veio o slogan (Crédito: Reprodução/acervo internet)

Propaganda veiculada no Natal de 1979, lembrando que a Kodak completaria um século de existência no ano seguinte (Crédito: Reprodução/acervo internet)

Propaganda veiculada no Natal de 1979, lembrando que a Kodak completaria um século de existência no ano seguinte (Crédito: Reprodução/acervo internet)

Os primeiros modelos da Instamatic usavam um circuito interno, para disparar a lâmpada do Flash, que era substituível. Em versões posteriores, a Kodak trocou o acessório acoplado por um slot para integrar um produto da Sylvania Eletric, chamado Flashcube.

Ainda movido a pilhas como as lâmpadas antigas, ele era um cubinho com 4 bulbos, que girava 90º a cada disparo com Flash, no que o usado era inutilizado. Como os Flashcubes eram baratos e de fácil substituição, era comum donos de Instamatic andarem com vários deles.

Com o tempo, o Flashcube evoluiu para o Magicube (ou X-Cube), que tinha um fulminador que disparava o Flash ao clicar, dispensando o uso de pilhas. Com isso, os modelos posteriores das Kodak Instamatic passaram a ser totalmente mecânicas, simplificando ainda mais o seu uso.

Quem não queria comprar Flashcubes ou Magicubes recorria a acessórios de Flash permanentes, como o oficial Kodalux, ou concorrentes, todos movidos a pilhas por conta própria. Era possível também acoplar extensores, de modo a distanciar o Flash da lente fixa e eliminar o efeito de olhos vermelhos.

O Frata Matic era uma opção nacional concorrente do flash Kodalux, com os mesmos resultados (Crédito: Ronaldo Gogoni/Meio Bit)

O Frata Matic era uma opção nacional concorrente do flash Kodalux, com os mesmos resultados (Crédito: Ronaldo Gogoni/Meio Bit)

Olhando de perto, dá para entender por que as Instamatic eram tão populares: os modelos posteriores não eram mais do que uma caixinha plástica com a lente fixa acoplada, adicionada de uma alavanca para avançar o filme, um visor e nada mais.

Uma criança teria que se esforçar muito para detonar o aparelho de modo a que ele não fosse mais utilizável, chegando à destruição total de fato.

A câmara de filme não tem nenhuma proteção contra luz, até porque não precisa (Crédito: Ronaldo Gogoni/Meio Bit)

A câmara de filme não tem nenhuma proteção contra luz, até porque não precisa (Crédito: Ronaldo Gogoni/Meio Bit)

O usuário só precisava abrir a tampa, encaixar o filme, fechar e rotacionar a lente para uma das duas únicas opções de captura: Sol para ambientes abertos e com muita luz, e Nublado/ambientes fechados, para engatar e usar o Flash.

Essa simplicidade toda pode ser vista no filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2001). Enquanto muitos lembram da cena minúscula do crème brûlée, outros se recordam da protagonista no começo da história, com apenas 6 anos, manuseando sua Kodak Instamatic.

Os filmes tinham ISOs diversos, com os mais populares sendo 100 ou 200. As fotos tinham o característico formato quadrado com 28 mm de lado (o 26 do nome, combinado ao formato 100 clássico, vinha da redução do frame e criação das molduras brancas, que nem sempre eram padrão), mas em termos de qualidade, eram suficientes para capturas paradas familiares. Você não tinha uma resolução absurda como as de câmeras profissionais, e nem era essa a ideia.

Em suma, as Instamatic eram uma ponte para que alguns consumidores migrassem para modelos melhores, enquanto uma boa parcela se manteria dentro da linha, graças ao custo reduzido das câmeras, filme e revelação.

Exemplo de foto tirada com uma Instamatic. Sim, sou eu com cerca de um ano de idade (Crédito: Ronaldo Gogoni/arquivo pessoal)

Exemplo de foto tirada com uma Instamatic. Sim, sou eu com cerca de um ano de idade (Crédito: Ronaldo Gogoni/arquivo pessoal)

A linha Instamatic foi uma das, senão a mais popular das câmeras compactas em toda a história, e disparou a produção de um sem número de concorrentes similares. Os filmes 126 e 110 eram fabricados por diversas empresas e totalmente intercambiáveis.

Curiosamente a divisão alemã da Kodak, talvez prevendo um cenário onde clientes não se interessariam por câmeras de baixa qualidade, colocou no mercado em 1968 a versão Reflex (SLR) da linha, que tinha suporte a lentes intercambiáveis Kodak Retina. Ela foi descontinuada em 1970.

Kodak Instamatic Reflex (Crédito: Reprodução/acervo internet)

Kodak Instamatic Reflex (Crédito: Reprodução/acervo internet)

A linha Instamatic permaneceu no mercado até 1988, quando a Kodak parou de fabricar novas câmeras para o filme 126, que continuou sendo produzido até 1999. Outras fabricantes, como a concorrente direta Fujifilm, largaram os produtos praticamente na mesma época.

A última empresa que produzia filmes 126, a italiana Ferrania, faliu em 2007, pondo um fim definitivo à história das câmeras Kodak Instamatic. Hoje é até possível comprar filmes 126 e 110 vencidos em sites como eBay e Mercado Livre, mas além da qualidade final das fotos não ser mais o que podia ser, há toda uma dificuldade em revelar o filme, que usa processos há muito abandonados.

Kit com o flash acoplado à Instamatic. Virava um trambolho (Crédito: Ronaldo Gogoni/Meio Bit)

Kit com o flash acoplado à Instamatic. Virava um trambolho (Crédito: Ronaldo Gogoni/Meio Bit)

Claro, há quem use a gambiarra de adaptar um filme de 35 mm às Instamatic que usam filmes 126, mas dá trabalho ter que vedar completamente a câmara contra luz, algo que a Kodak e outros fabricantes não tinham com que se preocupar na época.

Hoje existem adaptadores que você pode experimentar, e fazer suas próprias experiências com essas câmeras simples e fáceis de usar.

Agradecimentos ao leitor do Meio Bit Carlos Gasparetto pela ideia para o artigo.

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