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NatGeo e o compromisso com as fotos honestas

E a revista National Geographic adotou a política de não publicar mais fotos adulteradas, mas até onde isso vai ser produtivo? Afinal de contas, o que é a realidade em uma imagem fotográfica?

8 anos atrás

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Alfred Stieglitz, 1910

Toda vez que falo sobre isso no MeioBit acontece algum tipo de polêmica nos comentários. Mas é simples: uma foto, por menos edição que ela tenha, não representa a realidade. Isso mesmo, uma fotografia é um recorte da realidade que foi determinado pelo olhar do fotógrafo. Ou seja, ele decidiu qual verdade mostrar para o observador desta foto. Uma imagem é carregada de ideologia, assim como um texto. Alguns amigos já trabalharam em redação de jornal onde você saia para fotografar a pauta e recebia do editor qual a direção que deveria seguir.

Gosto de dar um exemplo básico para meus alunos. Entrando no tema político, que é fácil de exemplificar nos últimos tempos, pergunto quem é a favor do PT e quem é contra. Geralmente a sala se divide. Então digo que se todo mundo fosse, ao mesmo tempo, fotografar uma manifestação pró-petralha (ou pró-coxinha), os dois grupos iriam mostrar coisas completamente diferentes, geralmente comprovando a sua visão política. Dois grupos fotografam o mesmo evento e entregam imagens com visões contrárias. Isso é muito fácil de acontecer. Utilizando a famosa frase de José Medeiros: Fotografia é aquilo o que vemos. Porém, aquilo o que vemos depende de quem somos.

Por isso vejo como algo estranho o último editorial da revista National Geographic, escrito pela editora Susan Goldberg e intitulado How We Spot Altered Pictures, onde é explicado ao leitor o compromisso da revista em manter a fotografia séria, sem alterações com Photoshop, e admite que nem sempre a publicação pensou desta maneira.

Ela aponta que algumas imagens foram alteradas em seu formato para caberem dentro do layout da publicação e que esse tipo de prática não será mais aceita. Todo fotógrafo que enviar imagens para a publicação, deste momento em diante, vai ter que enviar junto o arquivo RAW da imagem para comprovar sua veracidade. Se o fotógrafo não tiver o arquivo ele será submetido a um interrogatório a respeito das circunstâncias em que a imagem foi feita para averiguar a legitimidade do trabalho. Abaixo um exemplo de alteração de imagem para que a mesma fosse encaixada em uma capa da revista.

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Manter uma política de não-alteração de uma imagem publicada é bem interessante, mas entrar na paranoia de que nem cortes para ajustes dentro da revista são práticas negativas é entrar em modo paranoia full. Todo esse rolo se originou com a polêmica envolvendo as alterações que foram feitas nas fotos de Steve McCurry para aumentar a dramaticidade das cenas. Muita gente bateu o pé dizendo que essas são práticas inaceitáveis no fotojornalismo, mas até onde isso é verdade?

Desde o início da fotografia as alterações feitas no negativo, depois da foto registrada, são coisas normais e aceitáveis. Os Pictorialistas faziam obras de arte com as imagens (geralmente com montagens de vários negativos) e até ícones do fotojornalismo, como o próprio Cartier Bresson, se valiam de ótimos profissionais para transformar suas fotos (que eram feitas de maneira rápida para não perder o momento) em verdadeiras obras da perfeição técnica. E com a fotografia digital a coisa não mudou. O Photoshop, e outros programas de edição, tornaram a prática mais comum e fácil do que antes.

O que vem mudando nos últimos anos é a percepção do leitor. Muitos agora sabem que imagens não são confiáveis e começam a levantar dúvidas sobre obras antes incontestáveis. O próprio World Press Photo não escapou das polêmicas de fotos adulteradas e endureceu suas regras. O resultado é que na disputa de 2016 cerca de 16% das fotos foram desclassificadas. Lembrando que todas as fotos que participam do concurso foram publicadas em jornais. Imaginem quantas, que não participaram do concurso, foram adulteradas, publicadas e ninguém percebeu.

Existe solução? Improvável. Vamos viver cada vez mais com esse tipo de coisa, principalmente por conta da progressiva facilidade de utilização dos programas de edição. A maneira mais fácil, e indolor, de conviver com isso, é aceitar que a imagem é, acima de tudo, uma representação daquilo que o fotógrafo tentou comunicar para o observador. Nada é uma verdade absoluta, nem mesmo uma fotografia.

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