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Entrevista — Fred Di Giacomo, co-produtor do jogo Science Kombat

Conheça um pouco sobre a produção do Science Kombat, jogo de luta lançado pela revista Superinteressante e que coloca vários cientistas para trocar tapas e golpes especiais baseados em suas teorias e descobertas.

8 anos atrás

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Quando pensamos em nomes como Stephen Hawking, Albert Einstein, Marie Curie ou Charles Darwin, a última coisa que passa por nossas cabeças é nessas pessoas trocando tapas, socos e usando algumas das suas teorias para desferir golpes especiais, mas é justamente isso o que a revista Superinteressante nos proporciona com o jogo Science Kombat.

Nascido da vontade de divulgar algumas das mentes mais brilhantes que passaram pela Terra, o jogo é uma espécie de continuação do Filosofighters, título este que como seu próprio nome sugere colocava nas arenas vários pensadores importantes da humanidade e que na época do seu lançamento chamou a atenção de vários veículos de todo o mundo.

Devido ao recente lançamento do Science Kombat, decidi conversar com Fred Di Giacomo, jornalista, game designer e escritor, que ao lado de Otavio Cohen produziu o jogo que conquistou muitas pessoas pelos belos gráficos e sua inusitada (e igualmente fascinante) temática.

MBG: Primeiro gostaria de pedir que você se apresentasse. Fale um pouco sobre sua carreira, os jogos que já produziu, etc.

Fred: Meu nome é Fred Di Giacomo e trabalho como jornalista multimídia, escritor e game designer. Mudei para São Paulo em 2006 para fazer o Curso Abril e depois disso trabalhei por quase nove anos na Editora Abril.

Foi lá, em 2007, que comecei a trabalhar com jogos, inicialmente no site da revista Mundo Estranho. Naquela época, tudo era feito de uma forma instintiva, éramos um grupo de jornalistas, designers e programadores nerds que gostavam de games e por isso começaram a experimentar fundindo essa linguagem com a linguagem jornalística.

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Fred Di Giacomo (Crédito: Felipe Cotrim)

Paralelo a isso, o Rafael Kenski estava fazendo um trabalho pioneiro com ARGs (Alternate Reality Games) na Superinteressante, também na Abril. Ele foi um dos criadores do Zona Incerta, maior ARG brasileiro, patrocinado pelo Guaraná Antártica. Em 2008, o Kenski assumiu a chefia do Núcleo Jovem Digital da Abril, que reunia os sites de Super, Mundo Estranho, Aventuras na História e Guia do Estudante. E para uma matéria de capa da Super ele criou o newsgame CSI — Ciência Contra o Crime.

Isso fez com que ele achasse que estava(mos) criando um novo gênero jornalístico como os infográficos, o jornalismo literário ou a crônica. Em 2009 eu estava trabalhando com ele e criamos o Jogo da Máfia, também para uma matéria de capa da Super e quando esse jogo saiu, um estudioso de jornalismo digital, Andre Deak, escreveu uma resenha dizendo que a Super era a marca que melhor produzia newsgames no Brasil. Foi aí que descobrimos o termo newsgames, descobrimos que já tinha algumas pessoas misturando notícias com games lá fora e que não havíamos criado um novo gênero jornalístico (risos).

Pra encurtar a conversa, o Kenski foi estudar fora, eu assumi o Núcleo Jovem Digital e uma das minhas missões pessoais foi ser a maior produtora de newsgames do mundo. Fizemos  muitos jogos jornalísticos entre 2009 e 2012. O maior destaque até o Science Kombat (fora os já citados) foi o Filosofighters que reunia nove filósofos num game de luta inspirado pelo Street Fighter. Foi um grande hit internacional. Fora ele fiz mais uma dezena de games.

Além dos trabalhos pra Super, trabalhei com jogos educativos para o Guia do Estudante e produzi um sobre a queda do Muro de Berlim pra Galileu, chamado Pule o Muro.

MBG: Antes de falamos sobre o Science Kombat, gostaria de saber sua opinião sobre jogos educativos. Para algumas pessoas, jogos educativos não conseguem ser divertidos. Seria esse o maior desafio para quem produz títulos assim?

Fred: Boa! Então, o Kenski tinha uma definição de que um newsgame precisa informar e divertir, se ele só informa é apenas “news” e se só “diverte” é apenas game. Acho que isso serve para todo tipo de serious games, né? “Serious games” seria a árvore principal que engloba jogos cujo objetivo final não é apenas o entretenimento. Um desses galhos representa os jogos educativos e outro os newsgames. Como são primos, considero o desafio parecido. Meus pais são professores, passaram a vida se dedicando à educação, então este é um tema que me interessa bastante. Inclusive, hoje eu dou aula de jornalismo para jovens da periferia de São Paulo na Énois.

Bom, voltando à sua pergunta, tive uma experiência criando ODAs (objetos digitais de aprendizagem) para a editora SM e era muito difícil mesmo alinhar o meu trabalho de game designer/roteirista com o dos professores que tinham que garantir o lado pedagógico da coisa. Porque o jogo educativo precisa ser eficiente na transmissão de conhecimento, né?

O que eu acho que seria a solução é próximo do que aconteceu com os newsgames: o melhor jeito de criar um jogo educativo é que ele seja feito por um educador gamer. Alguém que realmente curta jogar, que não ache que aquilo é bobagem ou coisa de criança, saca? Agora essa é minha visão de game designer, talvez para um pedagogo o maior desafio de um game educativo seja “ensinar de verdade” (risos).

MBG: Interessante… Eu costumo defender que os jogos eletrônicos são ótimas ferramentas para disseminação cultural, podendo fazer por exemplo com que as pessoas se interessem pelos mais variados assuntos, como o Science Kombat faz muito bem. Na sua opinião, esse aspecto tem sido bem explorado pelos games ou os desenvolvedores tem deixado a desejar?

Fred: O universo dos games é tão vasto que é difícil generalizar, vou tentar…

No livro A Theory of Fun for Game Design, do Raph Koster (o livro tem uns 10 anos, mas acho que ainda tem pontos atuais), ele diz que os games estavam no começo dos anos 2000, numa época definidora para serem arte ou não e que, como todas linguagens artísticas, os games começaram focando nas emoções primitivas do homem: violência, sexo, sobrevivência. Então, acho que a maioria dos games mainstream ainda tem uma pegada um pouco “matar-pilhar-destruir”, mas isso está mudando. Acho que o desafio é fazer isso de um jeito divertido, mas sem ser só um monte de estereótipos, saca?

Um jogo tipo Assasin’s Creed tem uma grande pesquisa por trás, mas tem muito de fantasia também. Agora, como os games estão entrando nessa fase “adulta” eu espero que esse lado de disseminação cultural e de temáticas mais variadas se amplie. Games são uma baita ferramenta para contar histórias, simular experiências e transmitir conhecimento. A gente só precisa de gente boa criando games que fujam do lugar comum.

MBG: Sobre o Science Kombat, o jogo ganhou bastante visibilidade (incluindo no exterior) devido as belíssimas artes divulgadas pelo artista Diego Sanches. Mas na sua opinião, quais outras qualidades do jogo merecem destaque?

Fred: Primeiro: as artes do Diego são realmente lindas, mas eu me atreveria a dizer que ele não chamou a atenção só por isso. A atenção inicial ficou na arte porque o Diego divulgou as animações antes do jogo sair e muita gente achou que aquilo era apenas um projeto de ilustrações, saca? Acho que o que chamou muita a atenção, junto com o belo trabalho dele, foi a “sacada”. Em todos comentários iniciais eu via a galera pirando com cada golpe, com a sacada de transformar as máximas científicas em “especiais”, com a seleção de personagens e com a ousadia de colocar “Deus” de big boss no final. Algo que, inclusive, rolou, em menor escala, com o Filosofighters também, que ganhou resenha na PC Gamer inglesa, saiu em blog no Lé Monde, etc. E aí temos que dar créditos pro Raoni Madalena que chegou com a ideia do Filosofighters pra gente lá em 2011.

Acho que a simplicidade da mecânica é uma das coisas mais bonitas num jogo. E essa foi uma ideia muito simples e funcional: colocar pensadores para lutar, usar seus pensamentos como golpes e transmitir informação quase que exclusivamente pelo game play: os cenários, as roupas, os especiais. Tudo isso foi baseado em apuração jornalística. Só que você não encontra textões explicativos em nenhum desses jogos. No máximo uma minibio de cada pensador/cientista e uma breve explicação da teoria por trás do golpe. Outro ponto forte do game é a trilha sonora da Juliana Moreira que é muito boa e fez outras trilhas de games meus.

Nos dois casos também acho que rolou um impulso com a divulgação dos jogos. Nós vivemos uma segunda fase de ouro dos gifs reinando nas redes sociais e no WhatsApp. Quando o Diego disponibilizou todos os gifs no portfólio dele a coisa correu o mundo em diversos Tumblrs, mensagem de WhatsApp, em uma animação que a Popular Science lançou… poderia te dado tudo errado, mas acabou ajudando o jogo.

MBG: Já em relação a seleção de pessoas que fariam parte da lista de lutadores, como ela foi feita? Sabemos que infelizmente a ciência não é muito valorizada no nosso país, mas vocês chegaram a cogitar a inclusão de algum brasileiro?

Fred: Essa parte foi a mais divertida pra gente (risos). Então, tínhamos o sucesso do Filosofighters e dai eu e Otavio resolvemos fazer um game de ciência, que até tinha mais a ver com a Super. Inicialmente alguém tinha sugerido um “Ciência vs Religião”, mas seria mais uma “polêmica” que algo informativo. Então seguimos nessa ideia do SK e começamos a elencar uma lista de maiores cientistas da história. Pra isso contamos com a ajuda da Karin Hueck editora da revista Superinteressante que manja muito de ciência, também. Fomos apurar isso e com uns 15 nomes nas mãos começamos a discutir quem deveria entrar.

Chegamos a discutir se rolaria ter um brasileiro, assim como achávamos importante termos mais uma personagem mulher e um cientista negro, pelo menos. Mas 8 é muito pouco, né? E ficaria mais caro e complexo ter mais cientistas, então acabamos fechando nas unanimidades que não podiam faltar. Mas, claro, se eu fosse fazer o jogo hoje, já teria nomes diferentes.

MBG: Bom, foi dito que vocês pretendem levar o jogo para os dispositivos mobile, correto? Fora isso, existe algum plano para desenvolver ainda mais o projeto? Talvez torná-lo algo comercial, com versões para PC, consoles e com mais modos de jogo?

Fred: Sim, vai sair a versão mobile para iOS e Android. Já deveria ter saído, na real. Mas acho que vale comentar, eu saí da Abril no final do ano passado, antes do jogo ir ao ar. Eu criei o SK com o Otavio Cohen ainda em 2013, o projeto ficou na gaveta um tempo, contratamos Diego e Cia pra criar as animações/programação em 2015 e no final do ano eu pedi demissão da Abril. Então, quem está vendo as novas possibilidades comerciais é o Denis Russo, diretor de redação da Super.

Eu acho que o SK tem um potencial gigante, não só em consoles e em PC, mais em animações, quadrinhos, action figures e canecas. Mas como ele foi bancado pela Superinteressante/Editora Abril, são eles que detém os direitos autorais e não vejo a Abril tendo bala pra fazer esse tipo de investimento pesado agora. Quem sabe? Não custa sonhar…


Gostaria de agradecer ao Fred Di Giacomo por ter cedido seu tempo para fazermos a entrevista e caso queira conhecer mais do seu trabalho, saiba que ele escreveu os livros Canções para ninar adultos, Haicais Animais e Felicidade tem cor, e pode ser encontrado no site oficial, no Medium e no Glück Project.

Já sobre a equipe que desenvolveu o Science Kombat, a ficha técnica é a seguinte:

  • Ideia original, textos e produção executiva: Fred Di Giacomo e Otavio Cohen.
  • Game design, arte e animações: Diego Sanches.
  • Programação: Cheny Schmeling, Murillo Lopes e André Cabral.
  • Direção de arte: Abraão Corazza.
  • Interface: Daniel Ito e Juliana Moreira.
  • Trilha e efeitos sonoros: Juliana Moreira.
  • Edição de textos: Karin Hueck.

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