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Minerais de Conflito — toda boa ação tem sempre uma punição

Eis que o complexo de Grande Salvador Branco de Hollywood e liberais em geral faz mais vítimas. Dessa vez são os mineiros familiares no Congo, vítimas dos chamados Minerais de Conflito, vítimas no sentido que as ações tomadas pelo governo por pressão da culpa burguesa ocidental estão afetando negativa e diretamente os mais pobres. Como sempre.

8 anos atrás

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Nos Anos 80 a Etiópia passou por uma crise terrível de fome, o que desencadeou o USA for Africa, uma ação filantrópica sem precedentes, todo mundo comprou o disco com We Are The World, e — o que é raro nesses casos — muita gente foi salva com aviões chegando em tempo recorde com suprimentos de emergência.

Com o mundo descobrindo que a África existe outros projetos ganharam tração e de lá para cá navios aportam em nações mais pobres carregados de doações, e essa é a pior coisa que podiam fazer. 

Ao doar toneladas de mantimentos a primeira coisa que você faz é dizimar a economia local. Mesmo que a maior parte não vá parar em mercearias controladas por warlords, você mata o pequeno produtor. O sujeito que tem meia vaca, um quintal grande e planta tomates com os 17 filhos não tem como competir com o tomate de graça que chega da Europa.

Você não faz absolutamente nada para romper o ciclo de miséria, piora a situação de quem já está na merda e ainda sai todo feliz de consciência tranquila pois fez a sua parte, ó Grande Salvador Branco.

Isso agora está se repetindo graças a outro tema preferido dos hipsters engajados: os Minerais de Conflito. Sempre procurando formas de ajudar os pobres selvagens, o pessoal que acredita que a Foxconn emprega crianças mas não larga de seus iPhones descobriu que pode expiar sua culpa burguesa branca no continente negro, pois a malvada Apple usa metais com tântalo e tungstênio que em sua grande maioria vêm da República do Congo.

Eles acham que se uma mina não é operada por anões que vão trabalhar cantarolando, há algo errado e surgiu toda uma história de trabalhadores explorados, gangues armadas escravizando pobres operários, estupros generalizados, terrorismo, etc. A resposta da comunidade internacional, pressionada pelos hipsters, foi boicotar os metais do Congo e estabelecer um selo de “produto justo”, com minerais comprados de empresas “corretas”.

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Isso ferrou profundamente com a população local, claro. Todas as campanhas foram feitas sem consultar os envolvidos, o povo do Congo foi pego de surpresa, mesmo os militantes locais que trabalham contra exploração de mineiros foram surpreendidos com ações unilaterais de gente que nunca botou os pés no país.

Isso já aconteceu antes. Liberais americanos escandalizados com as terríveis condições de trabalho em países como Malásia forçaram o fechamento de um monte de fábricas, o que por sua vez forçou milhares de jovens e meninas a procurar a prostituição como única fonte de renda remanescente, mas hey, nada de criança trabalhando, isso é bom, né?

As premissas aqui estão todas erradas. Os estupros frequentes não são motivados ou relacionados com minerais de conflito, e os grupos rebeldes não têm nesses minerais sua fonte principal de financiamento. Mais ainda: os Grandes Salvadores Brancos não entendem o conceito de pequeno minerador, como é bem demonstrado no documentário We Will Win Peace.

Quando Apple, Samsung e outras empresas começaram a exigir certificados de “mineral livre de conflito” simplesmente jogaram para escanteio o sujeito que trabalha com o filho num buraco de uma montanha e tira seu sustento da quantia ínfima de metais que consegue extrair por dia. Esse cara, analfabeto, que mal consegue colocar comida em casa não tem pessoa jurídica, não tem advogados, contadores, auditores, ele nem faz idéia de quem seja a Apple, não tem a menor chance de conseguir um certificado de mineral livre de conflito.

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O resultado? Esse cara, que era empreendedor individual não consegue mais vender o fruto de seu trabalho. Ele acaba tendo que ganhar menos e trabalhar mais, como empregado em uma empresa “certificada”. E não, tenho quase certeza que a CLT do Congo não é tão boa quanto a daqui.

O pequeno minerador está sendo dizimado, as terras estão sendo transformadas em latifúndios e a economia local, que era tocada por esses pequenos mineradores está indo pro buraco, pois eles têm bem menos dinheiro para gastar no mercado da esquina. O dono do empório não vende mais pilhas, picaretas e bucha de lampião, pois o dono da mineradora compra na capital, no atacado.

Ben Radley, autor do documentário chama essas campanhas de “Pr0n Humanitário”, com discursos pouco informados, unilaterais e que passam uma visão simplista. Ben diz que mineiros congoleses estão sendo usados para aliviar a consciência de consumidores ocidentais.

Em efeitos práticos benéficos a legislação americana que forçou as mudanças no Congo não ajudou em nada. Uma etiqueta atestando mineral livre de conflito pode ser comprada no mercado negro por US$ 20,00; é vendida por oficiais que ganham US$ 60,00 por mês. A maior parte das minas faz tempo não está na mão de grupos armados, a exploração dos mineiros é responsabilidade de donos civis.

Estima-se que entre 5 e 12 milhões de pessoas tenham sido direta e negativamente afetadas pelos atos contra minerais de conflito, enquanto os rebeldes que lucravam com as poucas minas que controlavam apenas mudaram seu foco para tabaco ou outros produtos não-controlados.

Mas hey, a Nicole Ritchie e outras celebridades agora podem usar com consciência tranquila seus iPhones dourados cravejados de Swaroski que custam mais do que um mineiro congolês, legalizado ou não ganhará em 10 anos. Fizeram sua parte!

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Fontes: Quartz e Foreign Policy.

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