Carlos Cardoso 8 anos atrás
Hoje cedo decolou do Cazaquistão um foguete Soyuz levando uma nave Soyuz TMA-19M (os russos adoram economizar em nomes) levando três tripulantes para a Estação Espacial.
Foi um daqueles lançamentos sincronizados onde o foguete é lançado com precisão de décimos de segundo, para entrar em uma órbita de interceptação e chegar na Estação Espacial em apenas 6 horas, em vez dos dois dias usuais.
O lançamento foi sem incidentes, e logo a tripulação, um russo, um americano e um inglês estava nos preparativos finais, as etapas de segurança quando a Soyuz se aproxima da ISS, mantém posição, checagens são feitas, circunda a estação para testar os manobradores e tudo mais.
Quando estavam nos últimos 3 metros o sistema de navegação KURS deu defeito, o comando da missão perdeu a telemetria. Imediatamente abortaram a acoplagem e a Soyuz se moveu para a distância segura de 100 metros da Estação.
É possível ver a manobra aos dois minutos, neste vídeo.
SpaceVids.tv — Manual Docking for Soyuz TMA-19M as Automated Docking Aborted
Esse recuo de segurança e a lentidão é para evitar que aconteça isto:
Em 1997 os russos resolveram testar o sistema de acoplagem manual da Progress, mas o radar da nave, que controlava distância e posição interferia com o monitor onde o cosmonauta visualizava a trajetória. Alguém teve a brilhante idéia de desligar o radar, fazendo com que o sujeito pilotasse somente no olho.
Não deu certo, a Progress veio rápido demais, não deu tempo de freiar e ela se escacetou na Mir, destruindo painéis solares e causando várias perfurações no casco. Foi uma corrida contra o tempo para achar os vazamentos, antes de serem obrigados a evacuar. Ah sim, também tiveram que parar o giro da estação, induzido pela porrada.
No caso da Soyuz hoje com o KURS fora de ação a única alternativa era pilotar manualmente. A Soyuz não tem ponto de atracagem para ser agarrada pelo braço-robô e movida para a comporta. Se a pilotagem manual não funcionasse, teriam que enfiar o rabo entre as pernas e voltar para casa. Felizmente a nave estava nas mãos deste cara.
Esse é o Coronel Yuri Malenchenko, ele passou 641 dias no espaço. 30 horas no espaço espaço, em atividade extra-veicular. Fez parte de 4 missões diferentes, voou até no Space Shuttle. Esta agora é a 5ª missão. Conta-se nos dedos gente mais experiente.
Yuri assumiu os controles, lembrando que cosmonautas treinam para todas as contingências, e acoplagens manuais são uma delas. No caso da Soyuz são dois joysticks e uma tela do periscópio (isso mesmo) que transmite a imagem externa através de prismas e espelhos.
É um belo exemplo da tecnologia pé-de-boi que os russos adoram. Zero de finesse e sofisticação, mas funciona e é super-confiável. Quase tanto quanto o Coronel Malenchenko, que lembrando-se que é para fazer ou não fazer, não existe tentar, levou a nave de várias toneladas de volta a um ponto estabilizado, repetiu a manobra de aproximação e alinhou-se perfeitamente.
Desta vez a telemetria e a informação visual mostraram um vôo mais preciso e suave do que o feito pelo computador. Yuri acoplou com precisão, as travas de segurança foram acionadas e a ISS ganhou mais três tripulantes.
Ainda não se sabe a causa do problema com a nave russa, mas a Agência TASS divulgou uma especulação sem nenhum embasamento do que poderia ser interferência dos rádios da cápsula Cygnus, estacionada ao lado da Soyuz. É possível? Sim, mas é cedo para dizer.