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Esqueça James Bond, o futuro é da AK-47

O atentado em Paris trouxe à tona uma realidade assustadora: toda aquela conversa de armas de destruição de massa era bobagem. Os terroristas descobriram que com os bons e velhos fuzis, que eles compram por kg, conseguem causar mais terror do que com qualquer bomba. E como se combate uma arma tão fácil de fazer que em alguns lugares pode ser trocada por uma galinha?

8 anos atrás

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“De todas as armas no vasto arsenal soviético nada era mais lucrativo que a Avtomat Kalashnikova modelo 1947, mais comumente conhecida como a AK-47, ou Kalashnikov. É o fuzil de assalto mais popular do mundo, uma arma que todos os combatentes amam. Uma elegante e simples amálgama de 4 kg de aço forjado e madeira compensada. Ela não quebra, engasga ou superaquece. Vai disparar se estiver coberta de lama ou cheia de areia.
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É tão simples que uma criança pode usar, e elas usam. Os soviéticos colocaram a AK-47 em uma moeda. Moçambique a colocou em sua bandeira. Desde o fim da Guerra Fria a Kalashnikov se tornou o maior produto de exportação do povo russo. Depois vem vodca, caviar e escritores suicidas. Uma coisa é certa, ninguém estava fazendo fila pra comprar os carros deles.”

Yuri Orlov, no excelente documentário Lord of War


Hollywood criou toda uma mitologia de que grandes vilões precisavam de armas poderosas. Bin Laden ajudou a trazer para o grande público o conceito de Arma de Destruição de Massa mas para todos os fins práticos aviões foram uma anomalia; os grandes vilões ainda queriam colocar as mãos em bombas nucleares, armas biológicas e gases mortais.

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Bandeira de Moçambique

O Grande Terror viria de armas de terremoto, vulcões ativados por mecanismos nefastos, venenos complicados no abastecimento de Gotham. Claro, todo terrorista que se preza quer colocar a mão em um artefato nuclear. Pombas, até eu gostaria de ter um na gaveta. Só que bilhões de dólares são gastos todos os anos por um monte de gente para garantir que isso não aconteça.

Armas químicas e biológicas também estão entre as escolhidas, de preferência com o George Clooney desarmando a bomba no último segundo, com direito a contador digital.

Toda essa preocupação por muito tempo fez com que o terrorismo se resumisse a bombas, algo efetivo mas rápido demais. Fora alguma ação fora do padrão, como Munique, em 1972, terrorismo envolvendo armas leves era algo sempre feito com um objetivo, como libertar Carlos, o Chacal ou exigir territórios, menos a Antártica, ninguém quer aquela goiaba.

Com o tempo os terroristas descobriram algo muito, muito perturbador: não precisam de bombas ou germes para matar muita gente, basta um bom e velho AK-47. Em 2013 67 pessoas morreram no Shopping Westgate, em Nairobi. Bastaram 4 idiotas armados. Em 2008 em Mumbai 10 terroristas paquistaneses armados com AK-47s mataram 166 pessoas pela cidade.

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Em janeiro, para protestar contra a injusta forma como a mídia ocidental mostra o Islã como violento, e em um show de iluminação espiritual, tolerância e compreensão da Religião da Paz™ dois membros da Al Qaeda invadiram a redação do jornal Charlie Hebdo e mataram 12 pessoas.

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Proporcionalmente esse tipo de ataque surte muito mais efeito que uma bomba tradicional. Bombas são assépticas, rápidas demais e a mídia nunca mostra os resultados, nossos cérebros não lidam bem com números então 30 mortos / 300 mortos / 1.000 mortos em uma explosão é apenas uma abstração.

A tensão de não saber o que está acontecendo, a agonia de saber que há gente feita refém e que a qualquer momento podem morrer cria um clima de terror maior que qualquer explosão.

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O 11 de setembro faz com que até hoje aviões voando baixo em NY sejam fonte de medo. Quando o Shuttle Enterprise, levado pelo 747 da NASA sobrevoou NY em 2012 várias pessoas ligaram assustadas para a polícia. Se os prédios tivessem sido apenas explodidos com uma bomba isso não aconteceria.

O buraco agora é mais embaixo, muito mais embaixo.

8 ou mais imbecis do Estado Islâmico realizaram um ataque coordenado em Paris portando apenas AK-47s e coletes explosivos. A noite de terror terminou com 129 mortos, 352 feridos sendo desses 99 em estado crítico. Só no Bataclan, a casa de shows foram 89 mortos, executados como gado.

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Não foram bombas cheias de fios coloridos e mostradores, não foram terríveis gases criados pela SPECTRE, não foram sofisticados e complicados esquemas envenenando produtos com compostos binários. Foram apenas armas.

Existem mais de 200 milhões de AK-47s no mundo, entre versões oficiais, licenciadas, piratas e construídas por armeiros no interior do Paquistão ou no Sudão do Sul, vendidos por US$ 6,00 ou trocados por uma galinha.

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O pessoal que só quer ver o mundo pegar fogo descobriu que basta um punhado de armas, um pouco de disposição e um mínimo de planejamento e você consegue o mesmo efeito de jogar um avião em um prédio, sem todo o inconveniente de passar por check-in e barrinha de cereal, coisa que nem terroristas merecem.

Como se combate isso? Qual a solução? Não faço a menor idéia. É uma versão mais nova ainda da guerra assimétrica do terrorismo. Aonde isso vai parar, também não faço idéia. No final estamos experimentando aquela curiosa maldição chinesa, que de chinesa não tem nada: “Que você viva em tempos interessantes”.

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