Meio Bit » Arquivo » Indústria » Rosetta: Europa de volta às Grandes Navegações

Rosetta: Europa de volta às Grandes Navegações

YES! Conseguimos. A Humanidade pela primeira vez conseguiu pousar na superfície de um cometa. Claro, com alguns probleminhas. Leia e veja uma ínfima parte dessa história de exploração.

9 anos atrás

enterprize

Houve um tempo em que nosso pequeno planeta era um mundo, um vasto mundo. Povos isolados se achavam o centro do Universo, e viviam felizes assim, mas alguns inconformados acharam que havia mais. Em busca de conhecimento, lucro, oportunidades se lançaram ao desconhecido. De imensos navios chineses a modestos barcos vikings, galeões e caravelas descobriram novas terras, novas civilizações.

Com o mundo explorado, e as guerras mundiais consumindo recursos, a sede de exploração secou. Lambendo as feridas a Europa foi deixada para trás. Estados Unidos e União Soviética eram os grandes jogadores da Exploração Espacial. Eram. Hoje o Espaço embora ainda seja aonde nenhum datilógrafo jamais esteve, está sendo explorado por várias nações, e todas sem exceção aproveitam os benefícios disso.

A Europa por sua vez deu a volta por cima e além de sócia da Estação Espacial Internacional tem diversos projetos próprios. O mais espetacular é a sonda Rosetta.

Rosetta-raggiunge-orbita-cometa

Em 1986, no tempo em que se vendia plutônio em farmácias a NASA e a Agência Espacial Européia (ESA) decidiram por uma missão conjunta a um cometa. Em 1992 a NASA ficou sem grana e pulou fora do projeto, mas a ESA continuou. O resultado foi a Rosetta, uma sonda com o ousado objetivo de chegar a um cometa e lançar um módulo de pouso, para pela primeira vez estudarmos sua composição in loco.

O Lançamento

A Rosetta foi lançada em 2/3/2004, com mais de um ano de atraso. a explosão de um Ariane 5 no final de 2002 congelou o programa, ninguém ia arriscar uma sonda com um foguete não-confiável. Quando finalmente deram sinal verde, o cometa 46P/Wirtanen já estava fora de posição. Era preciso achar outro alvo. O escolhido foi o cometa 67P/Churyumov–Gerasimenko.

Essa escolha não foi aleatória. Em ficção científica naves usam motores o tempo todo, pois aplicam cheat codes e conseguem combustível infinito. Na vida real nós precisamos trapacear de forma mais elegante, usando a gravidade de outros planetas para criar um efeito estilingue e acelerar a nave. Isso rouba energia do planeta, fazendo ele girar mais lentamente, mas não se preocupe, é ínfima, mais ou menos a energia que há no seu corpo no sofá, depois da macarronada do domingão quando a mulher chama pra ir na casa da sogra.

As Manobras

Esse balé espacial é matemática pura, é de uma beleza ímpar, usa princípios conhecidos por Isaac Newton. Mesmo Kepler entenderia perfeitamente. São Leis muito simples (mas Gravidade é apenas uma Teoria) aplicadas, e em sua simplicidade, nos levam a outros mundos.

Depois do lançamento em 2005 a Rosetta teve um primeiro (re)encontro com a Terra, em 4/3/2005. Isso a acelerou, entrando em uma órbita que a faria encontrar Marte, em 25/2/2007. Essa foi a mais arriscada. Para garantir o impulso gravitacional necessário ela precisou passar a 250 km de altitude. Um pentelhonésimo de grau a mais ou a menos no ângulo de entrada e adeus Rosetta. Também havia o problema de a sonda ficar muito tempo na sombra do planeta, ninguém sabia se as baterias iriam aguentar. Aguentaram.

CIVA_Mars_30_H

Oi Marte. Ah? Não, só de passagem…

Feito isso ela entrou numa trajetória que em 13/11/2007 a faria passar pela Terra. De novo. Em 2008 ela passou perto de um asteróide, e em 12/11/2009 ela fez oooouuutra passagem pela Terra, pegando velocidade para ir pros cafundós do Sistema Solar, na rota final para o 67P. Veja as manobras:

European Space Agency, ESA — Rosetta's twelve-year journey in space

O cometa 67P tem 4 km de comprimento, parece um pato de borracha. Tem massa de 10.000.000.000 toneladas. Como todo cometa, é mais antigo que os planetas do Sistema Solar. Guarda segredos de nossa origem, além de ser a fonte da água na Terra. Possui compostos orgânicos e muitos mistérios a explorar. Infelizmente ele tem um campo gravitacional pífio.

Isso não quer dizer que esse campo não exista, senão o próprio cometa se esfacelaria, mas por ser muito baixo, é complicado manobrar nele. Até o Rubinho, se não tomar cuidado atinge velocidade de escape, que é de 1 m/s.

rosetta-comet-67p-orbit-525_zpsc9ba2c58 (1)

Tente VOCÊ pousar nesse troço

A Rosetta não poderia usar uma manobra normal para entrar em órbita do cometa, então os jovens cientistas da ESA (jovens pois depois dos 30 ninguém arrisca a reputação propondo algo assim) sugeriram uma série de manobras em trajetórias hiperbólicas, para reduzir a velocidade da sonda. É o tipo de coisa que uma nave espacial não deveria fazer, nem em ficção científica ruim. O problema é que funcionou. Vejam:

European Space Agency, ESA — Rosetta's orbit around the comet

Os objetos não estão em escala, claro. O cometa é muito maior que a Rosetta. Para facilitar vejamos algumas imagens.

Comparado com Los Angeles:

l7ioeyY

Para os trekkers entenderem:

QfUaAUL

Chegando no cometa a Rosetta fez toneladas de sondagens, fotos e até um selfie, pra ficar na moda, mas para coroar a missão era preciso lançar o Philae, um módulo de pouso batizado com o nome da ilha onde foi achado um obelisco com uma petição bilingue  online contra o PT dos sacerdotes locais reclamando de funcionários públicos que iam passar férias se fazendo de peregrinos e vivendo às custas do Templo de Osíris. O obelisco, junto com a Pedra da Rosetta foi fundamental para o entendimento dos hieroglifos.

philae_lama1yyyyyy

Um robô testando um robô.

Do tamanho de um frigobar de hotel e custando quase tanto quanto um, se você consumir tudo que há dentro incluindo o Toblerone, o Philae pesa 100 kg e foi projetado para funcionar em ambientes de microgravidade. Lotado de câmeras e instrumentos ele seria lançado da Rosetta, desceria por 7 horas puxado pela gravidade do cometa e quando tocasse no chão, um propulsor o firmaria.

ESA_Rosetta_OSIRIS_NAC_Farewell_Philae_crop-1024x489

Philae, visto da Rosetta

Arpões prenderiam o módulo ao solo, e brocas literalmente aparafusariam o bicho ao solo.

Yeah, Arpões Espaciais!

Isso é importante pois cometas não são astros mortos, eles sofrem abalos sísmicos, emitem jatos de gás e poeira, e como são compostos boa parte de gelo, tendem a não funcionar direito perto do Sol.

Na teoria isso deveria acontecer, mas estamos falando de hardware que ficou 10 anos no espaço. Não se sabia nem se o Philae conseguiria se desprender da Rosetta.

Bem, ele se desprendeu mas aí as coisas começaram a dar errado.

Ao tentar pressurizar o propulsor a telemetria indicava que algo não havia funcionado. Um pino deveria perfurar um tampão de certa e liberar o gás (sim, simples assim) mas não conseguiu. O Philae dependia agora da gravidade e dos arpões.

15739982196_f69eaebcb1_b

Parece Halo, mas é um cometa, visto de 10 km.

As informações iniciais do pouso indicaram que os arpões não haviam disparado, e que os sinais de rádio estavam intermitentes. Isso era perigoso. As baterias não aguentam muito tempo, será que ele havia pousado torto?

Outros sinais indicavam que o Philae havia penetrado (epa!) 4 cm no solo, mas isso não explicava os sinais de rádio com problema.

A teoria é que o Philae, ao contrário da mãe (quem pega essa referência?) havia quicado. Um dos diretores do projeto brincou dizendo que a ESA havia pousado não uma mas duas vezes em um cometa. Ele foi modesto. Análise dos magnetômetros mostrou que o módulo quicou duas vezes, pousando TRÊS vezes em um cometa. ESA 3 × 0 NASA.

Rosetta_mission_selfie_at_comet

Um selfie com um cometa. Foi mal aê.

O pouso inicial foi às 15:33. Ela quicou com uma velocidade inicial de 0,285 m/s e seguiu em uma parábola por 455 metros. às 17:26 ela atingiu o solo de novo, quicando mais uma vez, com velocidade de 0,019 m/s. Sete minutos e 3 metros depois, a Philae pousou pela terceira vez, em seu local de repouso final.

O módulo está 100% operacional, exceto que não fixado ao solo. Isso pode afetar partes como o braço coletor de amostras, e se o cometa começar a se agitar é capaz de o pobre módulo ser ejetado para órbita, fazendo com que o inabitado cometa 67P tenha um programa espacial melhor que o do Brasil.

Para piorar parece que a Philae caiu em um buraco ou ravina, e não tem luz solar suficiente para recarregar as baterias.

Rosettajets_free

Jatos de gás. Isso não é bom.

Não importa, ele já cumpriu sua missão original, pousar em um cometa, e como diz o Capitão Boeing, qualquer pouso de onde você saia andando é um bom pouso.

Agora a ESA vai estudar os dados e tornar o cenário mais claro. Neste momento a Rosetta está transmitindo de meio bilhão de quilômetros a 28 kb/s, mais ou menos o que a minha operadora oferece quando ultrapasso a franquia de dados. 2 kb/s são telemetria, o resto são dados científicos.

Ela só tem 55 horas de bateria. 8 dos 10 instrumentos estão funcionando, os outros dois dependem de movimento então não serão usados. Ela só está recebendo 90 min de luz a cada 12 h. Ela parou 1 km fora da posição planejada. Só um dos painéis solares está funcionando, não se sabe se por dano ou bloqueio. Esperam que com a rotação e libração do cometa ela receba mais luz nos próximos dias.

B2UEKTaIMAE8R0H

Nada não, apenas a primeira imagem na História da Humanidade feita da superfície de um cometa.

The End?

Em agosto de 2015 o cometa atingirá o periélio, ponto mais próximo do Sol. A Rosetta acompanhará, orbitando, e se sobreviver ao evento, continuará até dezembro, quando então tentarão um pouso suave. Já sabemos que ela quicará, o que só prova que não existe fracasso científico, só aprendizado.

10 anos, dois planetas, dois asteróides, um cometa, incontáveis dados. 500 anos atrás, mesmo com a ganância sendo o motivo principal para explorarmos o desconhecido, por trás dela estava a curiosidade. Hoje chegamos a um ponto onde pelo menos de vez em quando deixamos para trás a mesquinharia e embarcamos na busca do conhecimento puro.

Um dia, quando estivermos terraformando Marte, e poderosos rebocadores espaciais colocarem cometas em órbitas de colisão com o planeta vermelho, repetindo artificialmente o que aconteceu com a Terra bilhões de anos atrás, ainda estaremos usando conhecimento adquirido com a Rosetta e o Philae. Nosso conhecimento e nossa civilização consegue enxergar mais longe, como dizia Newton por estarmos em pé no ombro de gigantes. Curioso um desses gigantes ser um robozinho quicador de 100 kg.

Para saber mais:

Site oficial da ESA

Flickr da ESA

Twitter da ESA

Leia mais sobre: , , , , , , .

relacionados


Comentários