Carlos Cardoso 10 anos atrás
Existe um fenômeno interessante em Internet, que é o sequestro de Threads, onde uma conversa nos comentários desvirtua completamente o tema e fala-se tudo, menos sobre o assunto do texto. Hoje ocorreu algo inédito: sequestro de post.
Eu ia escrever sobre a polêmica envolvendo o observatório E-ELT, European Extremely Large Telescope, que está sendo construído em Cerro Amazonas, próximo a Paranal, no Chile. A briga é antiga, da mesma forma que com a Estação Espacial Internacional, o Brasil se comprometeu com projetos científicos de grande porte, não teve dinheiro pra bancar e ficou com fama de caloteiro.
Enquanto isso graças a um acordo com cara de favor, o Brasil paga € 4 milhões por ano e tem acesso aos telescópios do completo VLT, apenas o maior do mundo, também do ESO – European Souther Observatory. O favor é um pré-acordo, o acordo formal vem desde o Governo Lula, mas NUNCA foi votado pelo Congresso, foi engavetado pelo Mercadante, desengavetado pelo atual Ministro (não riam!) da Ciência, Tecnologia e Inovação. Achei que esse fosse o Marco Gomes.
Um grupo de astrônomos mandou uma carta aberta pedindo que o acordo seja votado e aprovado, o que significaria investimento de € 270 milhões. Em 10 anos. O Ministro não está empenhado, acha que não há consenso entre a comunidade científica. Vou contar um segredo, Ministro: NÃO EXISTE CONSENSO ENTRE A COMUNIDADE CIENTÍFICA SOBRE NADA. Existem opiniões predominantes. Durante o Programa Apollo um monte de cientistas era contra, preferindo exploração com robôs. Nem dinossauros eram algo próximo de consenso, e Einstein foi engolido a contra-gosto por muita gente.
Você pode ler mais sobre a história aqui, mas não foi isso o que me deprimiu. Vendo o Brasil mendigar uma verba que muito provavelmente é menos do que o Congresso gasta em café, percebi que a afirmação dos opositores ao projeto é correta. € 270 milhões é muito caro. Céus, € 4 milhões é irreal para nossa realidade.
Enquanto rola a discussão do ESO/VLT, a Universidade Federal do Espírito Santo está enfrentando um drama próprio. É o Telescópio Robótico do Espírito Santo. O projeto é, bem, um telescópio robótico, que é nada menos que o Maior Telescópio do ES. O objetivo era instalar o equipamento no Observatório Astronômico da UFES, no campus de Goiabeiras, em Vitória (não vou escrever ES novamente).
Chegando lá descobriram que o prédio estava abandonado, sem condições de uso. Na verdade foram proibidos de utilizar a construção. Também não seria muito útil, os equipamentos estavam armazenados indevidamente, com lentes contaminadas com fungos.
Aí você imagina os milhões de Reais perdidos. Bem, pelo menos o prejuízo não foi tão grande. Sabe qual era “O maior e mais moderno telescópio do Espírito Santo”? (juro, palavras deles, aqui o PDF)
Este:
É um Meade LX200. Excelente aparelho, sonho de consumo de muito astrônomo amador, e sonho alcançável, se você fizer um carnê. Ele custa novo no fabricante, US$ 2.599,00. Caro? Sim, mas é nenhum Hubble, mas se você pesquisar no site da Meade, acha o Max, um monstro com 20" de abertura e US$ 34.999,00 de preço.
Dá para fazer astronomia com um telescópio mais barato do que dois PS4? Com certeza, Galileu descobriu as Luas de Júpiter com algo com menos visão do que o Stevie Wonder, mas isso foi, sei lá, em 1960. Estamos falando de fazer pesquisa com brinquedos de amadores e hobbistas, equivale ao Depto de Engenharia Química pesquisar com um Pequeno Químico.
Agora você vai falar que o Brasil tem prioridades, que não temos dinheiro para esse tipo de gasto em pesquisa, bla bla bla.
Aí eu falo para você de outra notícia: uma nação sem nenhuma tradição científica está inaugurando o maior observatório da região. Estão construindo no alto de uma montanha um observatório, ao custo de US$ 3,4 milhões. O grupo, que em 2004 era chamado de “malucos” inaugurou sozinho o programa espacial do país.
O projeto de recuperação do Observatório da UFES, que a muito custo conseguiu R$ 200 mil, está parado. O país que está investindo US$ 3,4 milhões em seu observatório? Etiópia.
Ciência no Brasil tem a característica de ser dolorosa para todos os envolvidos, seja você um beagle ou não.