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Precisamos de e-mail?

17 anos e meio atrás

Quando o e-mail surgiu em 1965 seu propósito era ser um sistema rápido e fácil de usar para que as pessoas pudessem trocar informações dentro de um grupo. Não existia internet ainda, não existia o conceito de mensagem instantânea como entendemos hoje, não existia VOIP e nem telefones celulares. O e-mail tornou-se então a forma mais avançada e ajustada de enviar informações à alguém. Talvez ela não estivesse perto de um telefone para ser chamada, ou por questões profissionais talvez fosse inapropriado para ela atender ao telefone. Uma carta demoraria horas ou dias para chegar ao destinatário tornando a informação carregada dispensável ou obsoleta. Mas o e-mail parecia fantástico, é como uma secretária dedicada que anota seus recados e o entrega, sem erros, quando você puder recebê-los.

O apelo prático do e-mail foi tão forte que hoje, 40 anos depois, ele continua sendo a forma de comunicação intra-pessoal mais usada pelas pessoas afeitas à informática. A internet transformou o e-mail em um dos meios de comunicação mais conhecidos por todos e disseminou a possibilidade de trocar informação fácil e rápida de uma forma antes nunca vista. Mas será que precisamos do e-mail hoje?

E-mail como arma
Ou melhor, precisamos ainda do e-mail da forma como ele é hoje? Eu recebo cerca de 100 mensagens de e-mail todos os dias. E aproximadamente 70 delas é spam. Spam é uma gíria para mensagens de e-mail que você recebe mas que não gostaria de ter recebido. É o equivalente escrito ao trote telefônico. A grande diferença é que enquanto o trote telefônico é uma brincadeira de crianças onde quem aplica o truque paga para divertir-se (gastando ao fazer a ligação) o spam é feito de forma gratuíta, pois o envio de e-mails hoje pode ser feito de graça. E claro que da mesma forma que trotes telefônicos também tornaram-se um vetor para a aplicação de golpes financeiros logo o spam tornou-se uma arma importante para criminosos tentarem extorquir vítimas desinformadas. Cavalos de tróia e phising scams tornaram-se termos conhecidos até de leigos, mesmo quem não sabe configurar um roteador sabe que pode ser vítima de um ataque que vai saquear sua conta bancária. Os bancos preocupam-se com a segurança das operações efetuadas via internet mais pela insegurança agregada ao sistema de e-mails do que por falhas em seus próprios sistemas de automação bancária.

Se hoje o e-mail tornou-se uma arma que pode ser usada para praticar crimes na internet é porque pouco, ou nada, se fez para melhorar a forma como o sistema funciona. Praticamente inalterado desde o seu nascimento o sistema de e-mail continua não sendo capaz de propor uma forma segura para que o usuário identifique quem escreveu e enviou a mensagem. Pelo contrário, é muito simples e fácil fraudar os dados de cabeçalho que acompanham uma mensagem eletrônica para enganar uma vítima desatenta. Servidores de e-mail da maioria absoluta dos provedores pagos e gratuitos não requerem mais que uma simples senha para enviarem toneladas de mensagens à centenas de destinatários distintos. Não existe um sistema de identificação simples e funcional para identificar as origens das mensagens. E o perfil global da internet, que permite à um atacante das Filipinas usar um servidor no Caribe para enviar spam para usuários no Chile torna a ação das autoridades ineficaz contra esse novo tipo de crime digital.

Enquanto o e-mail se torna cada vez mais popular e usado, um número crescente de pessoas mal intencionadas se aproveita da estrutura demasiadamente simples do sistema para usos desleais. Especialistas estimam que em poucos anos a maioria das pessoas não desejará usar mais e-mails por entenderem que não vale a pena receberem tanto lixo em suas caixas de mensagens. Filtros e técnicas para tratar automaticamente spams não conseguem evoluir na mesma velocidade que as ações criminosas tem crescido e nada, até agora, indica que isso vá mudar para melhor.

Seriedade em meio ao caos
Com abusos freqüentes cometidos por vários usuários, mal intencionados ou apenas equivocados, o sistema de comunicação via e-mail corre o risco de perder sua credibilidade dia após dia. Em um infeliz incidente, recentemente eu mesmo tive problemas com um usuário que não queria me aplicar nenhum golpe e tão pouco vender-me nada. Recebi em minha caixa de mensagens um e-mail com conteúdo ofensivo. Ao retornar mensagem ao usuário, requisitando que não mais me fossem enviadas mensagens daquela espécie, argumentei que e-mail não solicitado configura desrespeito e até mesmo crime, dependendo do conteúdo. E que entre as conseqüências para ambos poderíamos até mesmo perder nossos empregos, de acordo com as políticas de e-mail de algumas empresas. O que eu queria era conscientizar aquela pessoa de que ela não mais deveria agir daquela forma.

A interpretação incorreta de minha resposta pela outra parte, que acreditou que eu estava ameaçando seu emprego com uma denúncia ao seu empregador levou à uma réplica recheada de palavras de baixo nível e de agressividade contra minha pessoa. Recorri então à empresa que prestava serviços de e-mail para aquele usuário, no caso o provedor de internet Terra. Após algumas mensagens com a equipe que cuida das políticas de uso do provedor me foi requisitado que enviasse as mensagens na íntegra e com os cabeçalhos para que eles pudessem avaliar se fora um cliente o autor da mensagem e se o conteúdo realmente poderia ser considerado inapropriado. Em menos de 24 horas o provedor Terra bloqueou o envio de mensagens daquele destinatário para minha caixa, acabando com o problema.

Infelizmente essa postura séria e comprometida com os bons hábitos de internet do Terra não é regra. Em outros casos minhas mensagens requisitando o bloqueio de spam não foram respondidas e em outras fui orientado a bloquear o endereço em meu próprio cliente de e-mail. Como se não fosse responsabilidade do prestador de serviço cuidar do bom uso de seus produtos por seus clientes. Ponto para o Terra, por sua presteza em atender à um problema de um usuário que não é seu cliente (eu) em detrimento à uma atitude de um assinante que paga por seus serviços. Se todo o mercado se comportasse dessa forma no mundo todo provavelmente teríamos menos problemas com mensagens não solicitadas de e-mail.

Comunicação Instantânea
Em contrapartida outro tipo de comunicação tem assumido o lugar do e-mail em operações empresariais e pessoais. As mensagens instantâneas, lideradas pelo MSN (Microsoft Network), recebem atenção dos usuários como uma forma de comunicação escrita instantânea mais conveniente que o e-mail. As mensagens instantâneas crescem no mundo todo por apresentarem praticamente as mesmas vantagens dos e-mails sem trazer no pacote suas mazelas. Com MIs você pode arquivar o histórico das conversas, como faz com e-mails, e assim manter um registro escrito de tudo que é necessário. Pode-se transferir arquivos e fazer conferências de forma tão prática quanto grupos de e-mails ou listas de discussão operam. E você sempre sabe com quem está falando, de tal forma que é muito raro haver spam em sistemas de MIs.

Entretanto esse tipo de comunicação traz consigo as velhas desvantagens do sistema de telefonia. Você não consegue contatar alguém que não esteja disponível imediatamente e quando o contato é feito a interação normalmente prende as duas pessoas à conversação, impedindo o desempenho de outras tarefas. Esses fatores fazem muitas empresas proibirem o uso de MIs por seus funcionários, pelo receio da perda de produtividade.

Foram as possibilidades de contato com alguém que não está prontamente disponível e a comodidade de ler suas mensagens e respondê-las só quando você quiser ou puder que tornaram o e-mail tão popular. As MIs corrigem os defeitos do e-mail como ferramenta de comunicação de massa mas revivem defeitos que o e-mail foi criado para enterrar. Esse fator é suficiente para que muitos acreditem que será mais fácil melhorar o e-mail do que fazer as MIs assumirem seu lugar.

Alô, alô. Quem fala?
Há poucos anos, entretanto, um novo tipo de comunicação digital apareceu no cenário. Em duas personificações distintas as mensagens de voz surgiram como forma de conectar as pessoas. De computador para computador como um substituto das MIs convencionais ou de computador para telefone normal como VOIP, a vedete dos profissionais de TI, as mensagens de voz estão marcando seu território. Hoje é mais barato do que nunca falar com alguém que está longe de você usando a internet e um programa de VOIP, como o Skype.

Os problemas são os mesmos das MIs, não se engane. A única vantagem das mensagens por voz é seu custo baixíssimo. Por alguma razão temos a predileção por conversar uns com os outros e ouvir a voz do seu interlocutor agrada 10 entre 10 usuários de sistemas de comunicação via internet. Entretanto, por possuir as mesmas fraquezas de seu ancestral, o telefone, dificilmente algum sistema de mensagem de voz irá conseguir a abrangência de uso que o e-mail apresenta.

Comunidades do mal
Algo que, por um breve período, gerou expectativa de tornar-se uma nova forma de comunicação entre as pessoas pela internet, foi a rede social. Sua primeira encarnação, o Orkut, foi um fracasso tão retumbante que até hoje o Google não faz questão de aproximar de seu próprio nome. Spam, comentários inconvenientes, pedofilia, comércio de drogas, agendamento de brigas de torcidas, tudo isso acontece no Orkut todos os dias. O único país do mundo onde o Orkut conseguiu alguma atenção do público foi no Brasil, sabe-se lá porquê. Uma rede chamada Myspace faz muito sucesso nos EUA, tanto que gera desconforto até para o gigante Google. Mas fora dos EUA o Myspace não consegue repetir seu grande sucesso, o que indica que as redes sociais são um fenômeno muito pessoal para tornarem-se uma ferramenta de integração global como o e-mail. Além do mais, quem falaria sobre seu trabalho em um lugar onde adolescentes discutem qual é a melhor banda emo do momento?

Presos ao e-mail
O e-mail tornou-se a forma de comunicação mais usada na internet atual porque resolveu problemas do meio de comunicação mais usado então, o telefone. Todas as outras formas de comunicação via internet desde então são melhorias do conceito original do telefone ou uma mistura de telefone e e-mail que ainda não convence. Mas passaram-se quatro décadas sem que o e-mail recebesse alguma melhoria significativa. Os problemas que temos hoje usando esse sistema são reflexos de sua idade.

Ainda não conseguimos um substituto à altura, entretanto você pode encontrar boas qualidades em outros sistemas de comunicação que tem mais a oferecer além da praticidade e conforto. O fato é que mesmo com seus problemas e falhas intrínsecas de segurança o uso do e-mail na internet continua crescendo. Ainda que parte deste crescimento possa ser creditado exclusivamente ao aumento contínuo do spam, outra parte pode ser considerada legítima graças ao aumento de usuários que é percebido todos os dias.

Esse cenário indica que o e-mail continuará sendo por algum tempo a ferramenta de comunicação mais usada pelos internautas. Até porque muitas atividades sociais que não tem relação direta com a internet já fazem uso de e-mail. Ao procurar emprego, ao montar um grupo de amigos para jogar futebol nos finais de semana, e em várias outras atividades pessoais e profissionais as pessoas adotam o e-mail como forma de comunicação, principalmente pelas já citadas vantagens sobre outros meios.

Substituindo o e-mail
Parece que apenas uma forma de comunicação que mantenha as vantagens do e-mail sem trazer consigo as desvantagens do telefone poderá substituir o velho e-mail no dia a dia das pessoas. Profissionais, empresas e entidades de pesquisa há muito sugerem alternativas ou modificações no sistema de e-mails atual da internet. Até agora nem uma coisa nem outra aconteceram. A única evolução nos últimos anos tem sido o esforço dos clientes de e-mail (sejam programas ou interfaces web) em conseguir classificar spam de forma adequada e colocá-lo em uma pasta ou caixa separada. É alguma coisa mas não muito, varrer a sujeira para baixo de um tapete com uma etiqueta SPAM não é minha opinião de uma solução adequada.

Em sua última entrevista para a Info Exame Steve Ballmer, CEO da Microsoft, disse que sua idéia para aumentar a segurança dos usuários de e-mail é “aumentar o custo de envio de e-mail”. E provavelmente ele está certo. Quando fala-se de aumentar o custo para enviar e-mails não estamos falando de dinheiro ou de tornar serviços pagos, mas sim de tornar o processo de enviar e-mails algo mais complexo e menos automatizado. Propostas como um cadastro global de usuários que podem enviar e-mails ou de a obrigatoriedade de estar devidamente registrado em um serviço de uma empresa, como o Google ou a Microsoft já foram feitas. Esse sistema de cadastro, que incluiria dados pessoais do usuário e possivelmente números de documentos válidos em seu país de origem poderia diminuir os problemas ao passo em que seria mais fácil para as autoridades pegarem criminosos digitais. Infelizmente contra essas propostas surgem sempre discursos que levantam a bandeira da privacidade e liberdade individual. Como se o sistema de e-mails atual, que mais se parece com uma cidade do velho oeste fosse muito seguro para nossa privacidade ou liberdade.

Sistemas de autenticação, onde usuários não pudessem enviar mensagens para muitos usuários ao mesmo tempo, ou onde você precisasse fornecer uma chave para que alguém conseguisse lhe enviar um e-mail já foram propostos e até testados. Mas todos eles falharam pela resistência natural dos usuários à mudanças que diminuam a praticidade. Aparentemente mesmo usuários que revoltam-se ao receber spam preferem isso à mudar seus hábitos atuais.

Por diversos fatores como esse provavelmente ainda está longe no horizonte o dia em que um sistema mais seguro será implementado e usado em larga escala na internet. Até lá você precisará conviver com dezenas de mensagens por dia vendendo remédios para impotência, ou correndo o risco de, a cada mensagem, fornecer a senha do seu banco para um ladrão digital.

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