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Tubarões, Celacantos e Maremotos - Do Microsoft Comic Chat ao Chat do UOL

13 anos atrás

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Muito, MUITO tempo atrás, tanto tempo que Guerra nas Estrelas se passava no futuro (mais ou menos 1996) três pesquisadores da Microsoft Research ficaram curiosos sobre o IRC, que já era velho.

Um serviço de chat centrado em texto, o IRC tem a característica universal de ser feio, depende de comandos crípticos, tem uma hierarquia sombria onde reina a hostilidade aos novatos e –sim, o pessoal do Linux adora, como adivinhou?

A idéia de David Kurlander, Tim Skelly e David Salesin era criar um frontend para o IRC onde toda a simbologia usada fosse traduzida para formato visual. A escolha natural foi uma tira em quadrinhos. Uma abordagem não-fotorealista era condizente com os recursos de computação da época. Trabalhar em 2D também tornava o resultado menos cansativo que o 3D.

O resultado da pesquisa foi o Microsoft Comic Chat, uma brincadeira deliciosa que usava um servidor IRC por base mas criava uma verdadeira história em quadrinhos. Você saía escrevendo, colocando emoticons e ele se virava. O servidor identificava quando você gritava, quando estava triste, quando mandava uma mensagem privada e colocava o personagem e o balão em forma de sussurro.

Personagens –digo, pessoas- conversando apareciam olhando uma para as outras. Cumprimentos geravam gestos, acrônimos como LOL mudavam a expressão dos avatares, e por por aí vai.

O Microsoft Comic Chat era deliciosamente divertido, mil vezes mais atraente que uma tela chata de texto e acessível. Entender o histórico de uma conversa nele era bem mais simples.

E Não Pegou?

Não. Calma que chego lá.

 

Mais ou menos na mesma época eu trabalhava no Infolink, excelente pequeno provedor do Rio, último reduto de True Hackers, no verdadeiro sentido do termo. Incumbido de criar um servidor de chat para os usuários, e sem paciência pra escrever um tutorial de MIRC, comecei a fuçar até descobrir qual o servidor mais usado por todo mundo que já tinha idade pra se barbear.

Achei um servidor da Magma, uma empresa canadense que pouco tempo depois fechou as portas. Era extremamente ágil, fácil de customizar e era um webchat nativo, sem gambiarras. Se bem me recordo (dica: não) o Terra já usava, logo após o Infolink o UOL entrou com o mesmo serviço.

Muitos anos depois por curiosidade voltei aos webchats para descobrir se a moda do “tem cam?” já tinha passado, e se a primeira usuária realmente mulher havia finalmente entrado. A resposta para ambas as perguntas é negativa, mas o que me espantou é que o chat do UOL continua basicamente o mesmo de 15 anos atrás. Estagnação? Preguiça? Falta de dinheiro para comprar a interface holográfica ou o plug pra Matrix?

O chat do UOL é um tubarão. O Comic Chat um dodô. O IRC um celacanto.

Existe uma que tendência em informática onde saímos enfiando recursos e mais recursos até o programa se tornar insuportavelmente pesado e a interface se parecer com a penteadeira de uma dama que troca favores por dinheiro. A própria Microsoft era especialista nisso, só se tocaram com o lançamento da interface Ribbon, depois que as próprias pesquisas mostraram que 90% dos usuários usavam 10% dos recursos do Office.

Usuário não quer novidade, usuário quer usar. Se o serviço atende bem ele não fica procurando alternativas, só quem acha isso é evangelista de Linux. Vide a dificuldade em convencer usuários do Windows XP a migrarem pro Windows 7.

dodoMicrosoft Comic Chat

O Comic Chat era soberbamente adaptado a seu meio, mas assim como o Ruby, ele não escala. Funciona muito bem em conversas pequenas, com um punhado de participantes. Uma sala com mais de 5 já seria complicado de acompanhar. Imagine colocar 50, 100 personagens na mesma tirinha.

Ele morreu como os dinossauros, por não saber lidar com a mínima pedrinha caída do céu. Grande e complexo demais para lidar com os poços de piche à sua volta, o Comic Chat fazia uma coisa bem mas essa coisa era limitada demais. Mais que um dinossauro, ele era um pássaro Dodô. Curioso, complexo mas sem potencial real.

 

celacantoIRC

O IRC não mudou nada, ele é perfeitamente adaptado para seu meio, mas seu meio vem morrendo. O mundo underground não é mais o que era, o usuário novato não quer se aventurar nas vielas escuras da linha de comando, os clientes “gráficos” sempre jogam o usuário de volta às linhas de texto, onde serão cruelmente devorados por gente que odeia os “n00bs”. O IRC nada confiante sem perceber que seus domínios cada dia encolhem mais. Como ninguém se aventura nas profundezas, ele se ilude e convence que é o Rei dos Mares, quando no máximo venceu por WO.

 

tutubaraoChat do UOL

Enquanto as telecomunicações evoluíram do orelhão pro iPhone, enquanto meu PC saiu de 4MB para 4GB de RAM o Chat do UOL é o mesmo, com uma firula ou outra a mais. Pode, Arnaldo?

Darwin diz que pode. Em time que está ganhando não se mexe. O Tubarão é basicamente o mesmo nos últimos 100 milhões de anos. Nós nem sonhávamos em deixar de ser ratinhos patéticos e a Evolução já tinha chegado ao modelo supremo de predador aquático. Até a hidrodinâmica foi tão bem resolvida que outras espécies a kibaram, vide golfinhos.

O segredo do sucesso do tubarão é ser soberbamente adaptado a seu meio E seu meio não ser um nicho. Os chats do UOL ou do Terra individualmente comportam mais usuários simultâneos que o Second Life.

temcam

Há um equilibro entre expectativas dos usuários e complexidade de uso. Poucas interfaces são mais universais que o telefone. Mesmo com a mudança do pulso para o tom, do disco para o teclado a curva de adaptação foi zero. Os webchats atingiram esse equilíbrio. Não adianta oferecer um monte de recursos se o sujeito não pode entrar e sair falando. Também não adianta entrar, sair falando e descobrir que enquanto não aprendar a usar os 2432 recursos do serviço, você será visto como um usuário de segunda classe.

Os webchats como o do UOL nivelam os usuários, a hierarquia artificial deixa de existir. A experiência é efêmera, sem históricos ou badges. Isso anula a competição natural por relevância que acontece em todo serviço online.

Se está quebrado mas funciona, não conserte

Consertar o que não funciona é fácil. Deixar o que está funcionando em paz exige mais esforço mas ainda é racional. Complicado é ter a percepção que algo obsoleto, fora de todos os bons padrões existentes, provavelmente cheio de POGs e remendado com silvertape é a melhor solução para um problema.

Na percepção popular Evolução equivale a melhoria e aprimoramento constante. Se fosse assim depois de 420 milhões de anos os tubarões de hoje deveriam ser iguais ao MegaShark.

Para nós, geeks de carteirinha, early adopters e sedentos de novidades é uma heresia sem tamanho tal comportamento, mas o Mundo está se lixando pro que achamos herético. O Mundo quer seus problemas resolvidos, não vivem de hype ou de promessa. Claro, todos gostariam de um botão para evitar isto:

Infelizmente não é possível, o preço –abrir mão da privacidade- seria alto demais. O usuário, que coletivamente não é burro sabe disso. Pode ser que amanhã surja uma alternativa que mate do dia para a noite o chat do UOL, mas estatisticamente é improvável.

Não que seja impossível. Enciclopédias surgiram por volta do ano 1, sobreviveram como Repositório de Conhecimento por mais de 2000 anos, hoje um simples Nokia E71 pode conter toda a Enciclopédia Britânica, com seu 1GB de informação, e ainda sobrar espaço pra várias temporadas de Stargate. Se conectarmos o telefone à Internet então, a informação se torna viva. O papel, mais que nunca se torna uma coisa morta.

Existir por muito tempo não quer dizer que algo seja imortal, mas que algo tem cada vez menos chance de morrer. Os webchats viram o nascimento e agora assistem ao ocaso do webmail, do Instant Messenger e do VRML.

Webchats são mais que a exceção, são a lembrança que seu objetivo não é inovar, seu objetivo é atender seus usuários. Inovação gratuita transforma seu produto naqueles MP27 vendidos na DealExtreme. Centenas de recursos, nenhum deles bem implementado. Parabéns, você criou um Ornitorrinco.

Para Saber Mais:

Quem acha que fazer software é sentar a bunda e sair codificando, aprenda: Aqui está o paper original do Comic Chat [PDF], é um trabalho a 6 mãos de 12 páginas com algumas linhas de código e um monte de fórmulas.

NOTA: Este post não faz parte do acordo do MeioBit com o UOL, é só a mistura de um tema pertinente, uma justa prestigiada no nosso querido patrocinador e uma espetada nas malas que acham que falar nome de anunciante é pecado.

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