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Histeria + Oportunismo = Lucro, até no mundo Android

Os celulares causam câncer?

13 anos atrás

elixirSnake Oil é uma expressão em inglês que se referencia aos vendedores de Óleo de Cobra do Velho Oeste. Viajantes mascates, paravam de cidade em cidade, fazia uma demonstração com um comparsa infiltrado no meio da plateia e “curavam” o infeliz de alguma doença inexistente. Esses elixires prometiam curar de tudo, o que era interessante, já que todo mundo sofria de tudo, naquele tempo.

Feita a venda, algumas pessoas consumiam o negócio ali mesmo, e graças ao efeito placebo ficavam animadas e “mais saudáveis”. Claro, outras compravam pelo impulso. O vendedor sumia da cidade no mesmo dia e seguia sua rota, voltando só quando tivessem esquecido.

Essa prática existe até hoje, vide a quantidade de cogumelo do sol, cartilagem de tubarão e outras porcarias que são vendidas livremente. Curiosamente atraem muito mais seguidores do que medicina de verdade, afinal esta falha. Alegações exageradas e fantasiosas? Sem problema, errado é quem questiona o funcionamento dos remédios milagrosos.

Junto dos remédios que curam tudo, surgem as coisas que fazem mal. A ignorância popular parte do princípio de que se algo é novo, é perigoso. Quando os primeiros serviços de trens surgiram na Inglaterra cientistas chegaram a calcular que acima de 60 km/h o ar seria sugado para fora e os passageiros morreriam sufocados. Quando Edward Jenner inoculou o filho de seu jardineiro com varíola bovina, imunizando-o contra a varíola humana, mil vezes mais mortal e cruel, não só mudou a ciência da Imunologia e iniciou um processo que salvaria bilhões de vidas de 1796 até hoje.

Isso iniciou uma série de protestos de gente que não compreendia o que estava acontecendo, não queria compreender e preferia a estupidez e o risco certo da doença. E não, o povo não aprendeu com o tempo. Em 1904, 108 anos depois do experimento de Jenner uma campanha de vacinação pública liderada por Osvaldo Cruz bateu de frente com ignorância popular. O clima no Rio de Janeiro já não estava bom, uma ação punk da Secretaria de Saúde estava desratizando casas, demolindo barracos, destruindo cortiços e forçando a população a recolher seu lixo.

Juntando a isso uma campanha de vacinação obrigatória, onde agentes de saúde podiam invadir casas e aplicar vacina contra Varíola na marra, e temos uma revolta popular. Depois de 6 dias a cidade tinha 50 mortos e 110 feridos. Saldo extremamente positivo, pois em 1902 por volta de 1.000 pessoas morreram de Varíola na cidade. Em 1904, ano da vacinação, 39. Em 1909 nenhuma foi registrada.

A Varíola era uma doença absolutamente terrível, pois quando não matava desfigurava permanentemente a vítima. Para ter uma idéia, visite este link, mas aviso: Cuidado, são imagens nada agradáveis.

O melhor e único caminho era a prevenção, mas principalmente em países pobres isso era problemático. Na Europa e Américas a vacinação compulsória praticamente eliminou a doença, mas faltava o resto do mundo. Foi aí que um esforço global, daqueles que a gente só vê em filme de invasão alienígena aconteceu.

Em 1958 o Ministro da Saúde Interino da União Soviética propôs à Organização Mundial da Saúde um esforço mundial de erradicação da Varíola. Era o auge da Guerra Fria, ocidente e oriente se odiavam e estavam à beira de uma guerra nuclear, mas 50 milhões de pessoas pegavam Varíola todos os anos, e 2 milhões morriam. Os EUA e a Europa compraram a idéia e depois de quase 20 anos de esforços conjuntos em 1975 a Varíola contaminou sua última vítima, uma garotinha de 2 anos que ainda está viva. Em 1980 a OMS declarou a Varíola erradicada. Hoje as únicas amostras do Vírus estão no CDC, nos EUA e em um laboratório na Rússia. Até 2010 era a única doença infecciosa que havia sido erradicada totalmente.

Mesmo assim, mesmo depois de ninguém mais ver crianças com sequelas de Pólio, ainda há gente que tem medo de vacinas. Não só, alegam que vacinas causam autismo, esclerose múltipla e até AIDS. Sendo que o ÚNICO estudo científico ligando vacinas a autismo foi retirado do índice da Lancet e é descrito pelo British Medical Journal como FRAUDE, com todas as letras. Isso não impede que celebridades como Jenny McCarthy façam campanhas contra vacinas, efetivamente MATANDO crianças pelo mundo, ao convencer os pais da “ineficácia” das vacinas.

sarampo

Sim, o gráfico (fonte) acima, mostrando os casos de Sarampo nos EUA, destacando a introdução comercial da vacina evidencia que não há nenhuma relação entre vacinação e virtual extinção da doença exceto… a de CAUSA E EFEITO.

A bola da vez é O Celular Que Causa Câncer. Brrrrrrrrrrr…..

TODOS os estudos feitos, inclusive um que durou dez anos, custou US$ 40 milhões e envolveu dez mil pessoas e 13 países apresentam resultados inconclusivos.

“Ah, se é inconclusivo pode causar”

Não, caro desesperado. O problema é que é complicado você provar uma negativa. Se eu disser que a Luciana Vendramini está aqui do meu lado, você pode exigir uma foto, mas se eu disser que ela está invisível e intangível, como provará que não está?

O estudo citado encontrou duas divergências interessantes. Em uma heavy users de celular tinham 40% a mais de chance de desenvolver um glioma, um tipo raro de tumor. Note que é diferente dizer que tinham 40% a mais de chance de desenvolver E desenvolviam 40% a mais do que os usuários normais. Os pesquisadores deixaram claro que NÃO é uma epidemia.

A outra divergência vai detonar quem está pulando “eu falei! eu falei!”. Usuários moderados apresentaram MENOS casos de câncer do que pessoas que não usavam celular.

“EI! CELULAR PREVINE CÂNCER!”

Seria até justo soltar essa manchete, mas é igualmente errônea.

A maior prova de que não há qualquer relação entre celulares e câncer é a imensa quantidade de gente que fica o dia inteiro pendurada no telefone. Se houvesse algo minimamente danoso em ondas de rádio, teríamos uma epidemia de proporções globais, pois apesar dos teóricos da conspiração acharem possível, não dá para esconder efeitos danosos nessa escala.

Que o digam o Casal Marie e Pierre Courie. Quando isolaram o Rádio em 1902 não tinham noção da radioatividade ionizante, e anos de exposição ao elemento acabaram tirando a vida de Marie em 1934. Pierre morreu bem antes, atropelado, senão provavelmente teria o mesmo destino.

Radithor1O Rádio era usado em um monte de atividades, como mostradores de relógios e painéis de instrumentos de aviões, pois brilhava no escuro. O brilho era decorrente de radiação, um milhão de vezes mais potente que a do Urânio. As jovens trabalhadoras da United States Radium Corporation, que pintavam os mostradores molhavam os pincéis na boca e até pintavam as unhas com a tinha radioativa, o que resultou em mortes e doenças para mais de 4.000 delas.

A empresa existiu de 1917 a 1926, mas mesmo depois disso o Rádio ainda era usado para outros fins, inclusive… medicinais. Um negócio chamado Radithor era água aditivada com Rádio, e se você acha isso idiota, imagine um tal de Eben Byers, playboy da Alta Sociedade que ficou viciado no negócio e depois de beber 1.400 garrafas acumulou 3 vezes a dose letal.

Em 5 anos ele perdeu quase toda a mandíbula, ficou com abcessos no cérebro e buracos no crânio, morrendo em 1932. Ele foi enterrado em um caixão de Chumbo.

O Radithor não era o único. Havia toda uma indústria de remédios radioativos, inclusive um “Aquecedor de Próstata Radiativo” e essa coisinha aqui:

radium

Não tivemos uma epidemia generalizada por um único motivo: Os Espertos. A maior parte dos “remédios” não era mais do que água pura, os que tinham Rádio usavam uma dosagem ínfima, as pessoas não corriam risco.

Ao contrário daquela época não temos NENHUMA indicação de casos de câncer fora da média normal, apesar do uso de celulares ter explodido nos últimos anos.

Mesmo assim a palavra-chave RADIAÇÃO ainda assusta quem não entende o conceito. TUDO que você vê é radiação. Luz é radiação eletromagnética, ondas de rádio, raios-x. No gráfico:

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Se você reparar verá que em um extremo temos ondas de rádio e no outro Raios Gama. Mais ou menos no meio temos a luz visível, que reage excitando (uia!) os fotorreceptores em nossos olhos. Mesmo assim eles não caem, apesar de expostos o tempo todo a radiação.

Existem duas classificações básicas, radiação ionizante e não-ionizante. A ionizante é a realmente perigosa, pois é energética o suficiente para arrancar elétrons de suas órbitas, e no caso das frequências mais altas (e mais energéticas) mesmo partículas do núcleo são afetadas, desestabilizando as ligações entre os átomos das moléculas.

A radiação não-ionizante não mexe nisso. Claro que pode ser perigosa, olhe pro Sol em um dia sem nuvens e verá (não por muito tempo) o que quero dizer. Colocando a mão em um raio de Sol e sentindo seu calor estamos experimentando radiação, agitando nossas moléculas.

O efeito não é danoso NEM permanente, você (não eu, sai fora) só pega câncer de pele por causa da luz ultravioleta, no extremo do espectro visível e o nível energético mais baixo capaz de causar danos em nível atômico.

Ah, mas e o forno de micro-ondas?

As micro-ondas (veja no espectro, estão abaixo do infravermelho) afetam matéria causando oscilação molecular. É o chamado Efeito Dielétrico. Geram um campo eletromagnético que quando atinge moléculas polarizadas faz com que elas girem e se alinhem com o campo. Só que o campo é oscilante, então as moléculas giram e colidem umas com as outras. Isso gera calor.

O único perigo do micro-ondas é cozinhar você. Não vai pegar câncer por ser exposto a esse tipo de radiação. Tanto que sua pipoca NÃO sai do forno mais radioativa do que entrou.

E o celular?

cancermanA radiação eletromagnética dos celulares fica na faixa das micro-ondas, mas não vai cozinhar seu cérebro. Um celular normal em pleno uso emite mais ou menos 1 watt de energia. O forno pequeno que você tem em casa emite 1.000 watts e ainda demora uma eternidade pra descongelar uma lasanha. Por isso aquele vídeo do celular estourando pipoca foi uma ofensa a todo mundo com conhecimentos de Física.

Mesmo assim os espertos, que vendem pomada milagrosa e óleo de cobra continuam insistindo nos medos irracionais das pessoas. A última é um programa para Android chamado… Cancer Block (não foi idéia minha, juro).

Eles prometem PREVENIR câncer e de quebra ainda economizar a bateria do seu telefone.

Como? Fácil. Dizem eles que reduzem em até 93,33% a exposição aos terríveis raios cancerígenos da RADIAÇÃO DO CELULAR (se chamar de micro-onda não assusta, né?).

A “lógica” é que há 4 fontes de radiação no celular: Telefonia, Wi-Fi, Bluetooth e GPS.

Pra começar, o GPS não TRANSMITE nada, apenas recebe.

O Bluetooth vem em 3 classes:

  • Classe 1 – Alcance de 100 metros, potência de 100 mW
  • Classe 2 – Alcance de 10 metros, potência de 2,5 mW
  • Classe 3 – Alcance de 1 metro, potência de 1 mW

Na PIOR das hipóteses o Bluetooth do celular emitira 1/10 da energia do rádio 3G.

WIFI? Nos EUA o protocolo está limitado a uma potência de 100mW.

Mas tudo bem, vamos fingir que wifi, Bluetooth, é tudo maligno. Sabe COMO o Cancer Block se propõe a minimizar sua exposição as Raios Cancerígenos?

DESLIGANDO os circuitos de rádio do celular. Isso mesmo.

A tal redução de 93,33% na exposição é conseguida com uma programação de ciclos no qual o telefone fica 15 minutos offline, depois 1 minuto ligado, para em seguida desligar os rádios por mais 15 minutos.

Isso é a coisa mais ESTÚPIDA que eu já vi, e note que lá em cima falei de gente que enfiava supositório radioativo no tartugo. MESMO ASSIM ainda é mais racional do que ter um celular que fora 1/15 do tempo é um peso de papel.

Piora (sempre piora)

Pelo privilégio de colocar seu telefone offline, tornando-o mais inútil que… um supositório de Rádio, você paga US$ 2,99.

Quanto a economizar, faz sentido, pois quem compra um programa imbecil desses vai achar GENIAL essa sacada digna de um Einstein, de que se você desliga 80% do celular ele consome menos energia e a bateria dura mais.

E sim, eu aposto tudo que quiserem que essa porcaria vai vender como água, pois ao contrário do câncer mesmo detectada cedo estupidez não tem cura.

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