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Sonic the Hedgehog, o ouriço que desafiou uma lenda

No ano em que completa seu 30º aniversário, conheça os detalhes por trás da criação do jogo mais importante da história da Sega, o Sonic the Hedgehog

2 anos e meio atrás

No final da década de 80 a Sega tinha uma tarefa quase impossível nas mãos. Com a Nintendo dominando o mercado graças ao seu console de 8-bits (e apoiada no enorme sucesso de um encanador baixinho e bigodudo), a empresa tinha tanta confiança na sua força que nem chegava a considerar a fabricante do Mega Drive como uma real concorrente. Era preciso partir para uma abordagem mais agressiva e foi isso que deu origem a um personagem que mudaria sua história.

Sonic the Hedgehog

Crédito: Reprodução/The Video Game Museum

Comandada na época por Michael Katz, a Sega deu início a uma campanha de publicidade que tentava mostrar o Genesis (como era conhecido o Mega Drive nos Estados Unidos) como um videogame muito superior ao Nintendinho e para isso eles criaram o lendário slogan "Genesis does what Nintendon't". Além disso, sem ter os direitos para publicar muitos dos títulos que faziam sucesso nos fliperamas, eles focaram em jogos de esportes que fossem estrelados por atletas famosos, como Joe Montana, Tommy Lasorda, James 'Buster' Douglas etc.

Mas enquanto a divisão norte-americana da empresa focava em atacar os reis do pedaço, no Japão foi dado início a uma competição interna para que fosse criado algo que conseguisse desafiar o principal mascote da Nintendo, um personagem que, na opinião do presidente Hayao Nakayama, teria que ser para a Sega assim como o Mickey Mouse era para a Disney.

Além de ter um forte apelo ao público, aquela mascote também precisaria ajudar a vender a superioridade técnica do console e por isso era fundamental que a ação acontecesse em alta velocidade. Coube então a uma equipe conhecida como AM8 a tarefa de dar vida àquele personagem e nos próximos meses, eles dedicariam seu tempo a encontrar o animal que melhor corresponderia às exigências.

Ilustração feita pelo game designer Hirokazu Yasuhara (Crédito: Reprodução/Sonic Scene/Sega)

Do coelho ao ouriço

Num primeiro momento, a equipe cogitou criar uma mecânica em que poderíamos pegar objetos espalhados pelos cenários e arremessá-los nos inimigos e um dos esboços trazia um coelho que usaria suas orelhas para fazer isso. O problema é que o sistema se mostrou muito complexo para o console e logo eles levantaram a possibilidade de um personagem que simplesmente se transformasse numa bola e assim pudesse atacar.

A partir daquele momento Naoto Oshima criou diversos modelos, de um cachorro a um tatu, passando por um ouriço até um velho de bigode (que era baseado no personagem Humpty Dumpty e depois seria aproveitado como o vilão do jogo, o Dr. Robotnik). Porém, não havia consenso sobre qual funcionaria melhor e como tinha uma viagem marcada para Nova York, o artista decidiu fazer um teste: ele espalhou diversos esboços pelo Central Park e pediu para as pessoas escolherem seu favorito, com o ouriço que recebeu o codinome Mr. Needlemouse tendo sido o grande vencedor.

Para o designer de personagens, o que teria levado a maioria a escolher aquele animal seria o fato dele “ser fofo e transcender raça e gênero”. Seria preciso então entregar “um nível de familiaridade e até mesmo conforto, com o objetivo de transformá-lo em um personagem que parecesse familiar.” Ele optou por usar azul por esta ser a cor da Sega e para o tênis inspirou-se nas botas que Michael Jackson usou em Bad, colorindo-os de vermelho e branco para remeter àquele que considerava o personagem mais famoso do mundo, o Papai Noel.

Também teve influência na aparência do personagem a paixão de Oshima por coisas como as ilustrações presentes nos narizes dos aviões de guerra, além das jaquetas e emblemas utilizados pelos pilotos. Segundo ele, na década de 40 havia um piloto que adorava voar em alta velocidade e que por isso seu cabelo ficava espetado, o que lhe garantiu o apelido de ouriço. O sujeito chegou a desenhar o animal na parte da frente do seu avião e a influência fica mais clara ao olharmos para a tela de abertura do Sonic the Hedgehog, onde o personagem aparece em um emblema com asas e estrelas.

Com a arte sendo uma mistura do Gato Felix com o Mickey, Oshima queria que a sua criação pudesse ser facilmente desenhada por crianças, com a mascote podendo ser transformada em brinquedos e aproveitada em todo tipo de produto. Ele ainda ganhou espinhos mais pronunciados e passou a ser chamado de Mr. Hedgehog, para depois adotar o nome pelo qual ficou conhecido e o grupo que estava trabalhando na sua criação fosse rebatizado como Sonic Team.

Crédito: Reprodução/Sega

A paixão de Naka pela velocidade

Depois de todo o estudo feito para chegar ao personagem ideal, faltava um detalhe importante: o jogo propriamente dito. Para isso seria de suma importância o talento de um programador que vinha se destacando na Sega, seu nome era Yuji Naka. Tendo feito um fantástico trabalho no Phantasy Star e ao adaptar de maneira magistral o Ghouls 'n Ghosts para o Mega Dive, Naka era um apaixonado pelo Super Mario Bros., mas sempre pensou em um jogo que funcionasse de maneira mais rápida.

Com o sugestivo nome de “Defeat Mario”, o projeto passou a contar com a colaboração de Hirokazu Yasuhara na criação dos estágios, que precisavam ser acessíveis a novos jogadores, mas também entregassem algum desafio aos mais experientes. No entanto, devido a sua experiência, posteriormente ele acabaria assumindo a liderança do desenvolvimento e cabe a ele o crédito por aperfeiçoar uma ideia dada por Yuji Naka, que era fazer com que a jogabilidade funcionasse com apenas um botão. Para isso o game designer fez com que o Sonic causasse dano aos inimigos quando pulava ao se transformar numa bola.

Faltava ainda um elemento que diferenciaria o Sonic the Hedgehog de tudo o que havia no mercado até então, a sua velocidade. Para isso a equipe voltou sua atenção para o jogo que tanto queria derrotar e chegou à conclusão de que para parecer mais rápido, a velocidade padrão do ouriço deveria ser igual ao do Mario quando este estivesse correndo. Contudo, ao tentar atingir este objetivo, logo as ferramentas de desenvolvimento para o Mega Drive começaram a mostrar limitações, com quedas na taxa de frames e flickering aparecendo por todos os lados.

Foi aí que entrou a genialidade de Yuji Naka. Usando todo o seu conhecimento, o programador criou um algoritmo que tratava de cuidar da fluidez da animação e o resultado foi tão impressionante que algumas pessoas que testaram a versão preliminar do jogo o acharam rápido demais. A solução foi diminuir um pouco a velocidade, fazendo com que a experiência não se tornasse desagradável.

Ainda entre os desafios presentes na produção estava a vontade de testar os limites do console, o que os levou a ter que redesenhar várias áreas por diversas vezes e como os mapas eram muito grandes, era preciso garantir que as pessoas não ficariam perdidas. Um exemplo é a tão adorada Green Hill Zone, cuja geografia teve a Califórnia como inspiração e levou oito meses para ser produzida, com o esquema de cores tendo sido baseado na obra de Eizin Suzuki.

Mas mesmo com todo o primor técnico presente no jogo, isso não quer dizer que cortes não tiveram que ser feitos. Um deles foi um desejado modo para dois jogadores, algo que só acabou acontecendo no Sonic the Hedgehog 2, onde uma segunda pessoa poderia controlar a raposa Tails. A equipe também queria incluir um modo onde poderíamos testar os sons, com o protagonista dançando enquanto uma banda formada por animais tocava ao fundo. O lado positivo desta ausência foi que a memória livre pôde ser utilizada por Naka para incluir o famoso áudio “Se-ga!” que é dito antes da tela título.

Sonic the Hedgehog

Crédito: Reprodução/The Video Game Museum)

O borrão azul que sacudiu a indústria

Depois de Naka, Ohshima e Yasuhara terem enfrentado jornadas de trabalhos de 19 horas por vários meses, o Sonic the Hedgehog foi lançado nos Estados Unidos no dia 23 de junho de 1991, chegando à Europa e ao Japão no mês seguinte. A recepção tanto por parte da crítica quanto por parte do público foi a melhor possível. As pessoas adoraram a velocidade; a jogabilidade simples e frenética; a fantástica trilha composta por Masato Nakamura e a aparência do personagem, com o título rapidamente se tornando motivo de orgulho para quem possuía um Mega Drive.

Mesmo contando com ótimas adaptações de fliperamas, aquele era o jogo que fazia o console da Sega subir de prateleira, mostrando que a nova mascote da empresa tinha carisma suficiente para agradar ao público mais novo, mas ainda contando com um lado despojado que era capaz de conquistar os adolescentes. Estar no controle daquele ouriço fazia com que o jogador se achasse “maneiro” e a empresa capitalizou em cima disso.

Insatisfeitos com o desempenho de Michael Katz até então, a Sega decidiu trocá-lo por Tom Kalinske e mesmo sem ter experiência com videogames, o executivo cercou-se de pessoas capacitadas e tratou de levar os planos do antecessor adiante. Sob o seu comando a Sega of America cortou o preço do Genesis e criou uma equipe para desenvolver jogos para o público americano, além de ter continuado com o marketing agressivo e trocado o jogo que vinha com o videogame, saindo o Altered Beast e entrando, adivinhe? O novo queridinho do público, Sonic the Hedgehog.

Outra intervenção importante feita pela Sega of America foi na construção do personagem. Entre as ideias propostas pelos japoneses estava ele fazer parte de uma banda de rock, contar com presas parecidas com as de vampiros e até ser namorado de uma garota (humana) chamada Madonna. No entanto, Kalinske e sua turma achavam que a identidade do ouriço precisava ser a mais simples possível e eles venceram a queda de braço.

Estes movimentos ajudaram não só a tornar o ouriço ainda mais famoso, como alavancaram as vendas do Mega Drive, fazendo com que pela primeira vez a Nintendo percebesse que poderia ser atingida. Pelos anos seguintes o que se viu foi o que ficou conhecida como a Guerra dos Consoles, mas este é assunto para outra hora.

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