Ronaldo Gogoni 6 anos atrás
A Pixar não teve um bom retorno com Carros 3, a mais recente aventura de Relâmpago McQueen nos cinemas e, de qualquer forma, a ordem do estúdio é de agora em diante focar em histórias originais, ao invés de sequências. Nisso, temos Viva A Vida é Uma Festa, uma nova trama sobre música e família, tendo a cultura mexicana como pano de fundo. O longa recebeu excelentes críticas e um retorno excelente em bilheteria, nos Estados Unidos.
Será que a Pixar desta vez acertou a mão no violão? É o que você vai descobrir em nossa resenha sem spoilers.
O filme conta a história de Miguel Rivera, um garoto de 12 anos de idade que sonha em ser o maior músico do México, tal qual seu ídolo Ernesto de la Cruz, que fez fama décadas atrás - antes de morrer de forma trágica.
O problema é que sua família odeia música, tudo porque seu tataravô abandonou mulher e filha, hoje sua bisavó Inês (no original, Coco: é ela quem dá nome ao filme, em inglês) para perseguir seu sonho e nunca mais voltou.
Os Rivera esperam que Miguel siga o ofício da família, como sapateiro, ao mesmo tempo que abominam qualquer relação dele com a música, que é a causa do conflito original do filme.
As coisas se complicam quando no Día de Muertos (o nosso dia de Finados, mas sem chuva), que os mexicanos celebram com festa a visita de seus entes passados, Miguel resolve desafiar sua família em prol de seguir seu sonho e, após uma sucessão de eventos, acaba cruzando o limiar entre o mundo dos vivos e dos mortos.
Então, ele se vê com um problema nas mãos: precisa voltar até o amanhecer e, para isso, vai buscar a ajuda do próprio de la Cruz, que permanece um astro depois de morto. Caso contrário, ele vai virar uma calavera e bem, bater as botas de vez.
O protagonista terá que lidar com seus parentes mortos, que tal qual os vivos, desaprovam sua decisão de ser músico e contará com a ajuda do atrapalhado cachorro Dante e de Hector, um morto que não consegue visitar o mundo dos vivos porque ninguém faz uma oferenda a ele. Hector só quer rever seus parentes uma última vez.
Miguel vai aprender que perseguir um sonho tem um preço, que a família, mesmo que ela não pareça apoiá-lo, ainda é muito importante e que morrer não é um problema de maneira alguma. Na verdade, muito pior do que estar morto é ser esquecido.
O elenco é totalmente latino (Viva — A Vida é Uma Festa é o primeiro filme com tal escalação a atingir um Budget de US$ 200 milhões) e o original conta com vozes como Gael García Bernal (Diários de Motocicleta, Babel, Mozart in the Jungle) como Hector, Benjamin Bratt (o Rey Curtis de Law & Order), como Ernesto de la Cruz, e Edward James Olmos (o William Adama de Battlestar Galactica), em uma participação especial muito tocante. No entanto, é o jovem Anthony Gonzalez, que empresta sua voz a Miguel que anda chamando a atenção lá fora e que pode indicar um potencial talento futuro.
Em se tratando de uma produção de um estúdio subsidiário da Disney, não surpreende que o filme se foque em valores que a casa do Mickey defende há décadas e aqui não é diferente. O tema central de Viva — A Vida é Uma Festa é a importância da família, seja de membros vivos ou mortos. Miguel não aceita o fato de que nenhum dos seus parentes o apoia em sua decisão de perseguir uma carreira como músico.
No entanto, mesmo na mais improvável das situações, o protagonista descobre que mais fortes são os laços que unem uma família e nem a morte pode rompê-los.
É um baita clichê batido, que a Disney já usou várias vezes, mas contado de forma excelente, graças ao trabalho perfeito de Lee Unkrich. Embora Viva — A Vida é Uma Festa seja seu primeiro filme como diretor, ele já atuou em obras anteriores da Pixar como editor e, mais recentemente, como produtor executivo, ironicamente nos menos inspirados Universidade Monstros e O Bom Dinossauro.
Sua mão neste filme acabou por entregar uma obra que traz a boa forma da Pixar de volta, de contar histórias com humor e, principalmente, com o coração.
Digo isso porque, embora Viva — A Vida é Uma Festa seja um filme divertido em sua essência, ele brinca com as flutuações de emoção do espectador. Há momentos em que a película pula do humor à melancolia em um piscar de olhos e o roteiro segue uma montanha russa de reviravoltas, que mesmo previsíveis ainda causam impacto.
A sequência final do filme é um soco no estômago, capaz de fazer qualquer um se debulhar em lágrimas e, ainda assim, o espectador sairá da sala de projeção com um sorriso no rosto. De olhos marejados, mas sorrindo.
Como eu disse, é a Pixar de volta em sua melhor forma.
Tecnicamente, o filme é lindo. A Pixar se manteve a empregar efeitos de luz e sombra de modo a criar o Mundo dos Mortos de forma viva (pun not intended). O local é muito mais rico e variado que o mundo dos vivos, mas resguarda elementos antigos.
Ele não é moderno e seus residentes fazem uso de itens como câmeras de TV dos anos 1950 e um Macintosh original, que aparece em uma cena bem divertida (e que os appletards não vão gostar muito).
De certa forma faz sentido, ele possui um viés nostálgico e a vila onde Miguel mora é uma comunidade rural do México, ao mesmo tempo em que o filme é uma homenagem aos antigos musicais. E mais, nada no longa é estereotipado e o filme reproduz, fielmente, aspectos comuns à cultura e identidade popular do México.
No entanto, o aspecto visual mais impactante são as calaveras em si: os mortos possuem uma grande gama de animações, graças ao fato de serem "desmontáveis" e mais flexíveis, o que gera uma série de piadinhas visuais, muito bem executadas, e que só são possíveis em tal contexto.
E a música é outro ponto forte: a Pixar entregou a tarefa mais uma vez nas mãos de Michael Giacchino (Os Incríveis, Ratatouille, Up!, Star Trek: Sem Fronteiras), que compôs uma excelente carta de temas inspirados no estilo musical Mariachi.
As canções interpretadas pelos atores também são muito boas. Embora a dublagem nacional seja competente, eu fiquei com uma tremenda curiosidade de ouvir as versões em espanhol.
Embora a música seja a mola motriz de Viva — A Vida é Uma Festa, o tema central da película é o valor da família, seja ela como for: se sapateiros ou músicos, vivos ou mortos são os laços entre os entes que permeiam todos os momentos da trama, mesmo os mais improváveis.
Aqui, Miguel e seus familiares aprenderão que tão importante quanto perseguir um sonho é saber apoiar uns aos outros, mesmo quando ambas as partes não se entendem e não querem dar o braço a torcer, de modo a permanecerem unidos, na vida e no pós-vida. Porque morrer não é ruim, é apenas mais uma etapa da vida.
O filme pode ser uma repaginação dos valores e clichês que a Disney sempre empregou em seus longas, mas em Viva — A Vida é Uma Festa eles foram usados de uma maneira magistral, de forma a contar uma história sólida de amor, amizade e perseverança, regada pela riquíssima cultura mexicana e uma excelente trilha sonora, com doas doses de humor e emoção.
É uma obra feita com coração, como a muito não se via na Pixar e que é forte candidata a se tornar uma das melhores produções do estúdio de todos os tempos.
Nota:
5/5 Fridas Kahlo.
Viva — A Vida é Uma Festa estreou nos cinemas brasileiros no dia 04 de janeiro de 2018.
O Meio Bit compareceu à cabine de imprensa de Viva — A Vida é Uma Festa a convite da Disney.