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NASA comprova (preliminarmente) propulsão impossível digna de ficção científica

Um cidadão diz ter criado o EmDrive, um motor de foguete que gera propulsão sem emitir qualquer material. A NASA testou e... Funciona

9 anos e meio atrás

Uma coisa chata em ciência é que de vez em quando aparece um maluco com alguma proposta maluca que nem ele sabe como funciona, mas que para funcionar todo nosso conhecimento científico deveria estar errado. O sujeito em geral não tem um paper, não publica detalhes nem deixa ninguém avaliar os experimentos. Se alguém olha e diz que não funciona, é conspiração da indústria / governos / illuminati. Esses sujeitos costumam convencer investidores, pegam bolos de dinheiro para montar seus moto-perpétuos e somem. Em uma olhada rápida, a proposta do EmDrive é absurda nesse nível.

espaço / pexels

Trata-se de um motor não-newtoniano, produzindo propulsão sem que haja emissão de qualquer tipo de material. Algo que qualquer criança sabe ser impossível. O problema: o sujeito que criou o tal motor não preenche nenhum dos requisitos de maluco, publica suas pesquisas, aceita correções e revisão de pares e teve seus resultados replicados por cientistas (sérios) chineses e, agora, por gente da NASA.

O EmDrive é obra de Roger J. Shawyer, um engenheiro aeroespacial britânico. O que já é bom sinal, em geral as máquinas revolucionárias mágicas que não funcionam são criações de verdureiros e garçons. Ele se baseou em um conceito desenvolvido nos anos 50 por um outro engenheiro. A ideia é que um feixe de microondas dentro de uma cavidade ressonante, especialmente projetada, geraria pressão de radiação nas paredes em quantidades diferentes. Isso faria com que ela fosse empurrada e, com ela, todo o resto do motor.

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Em síntese seria como se você agarrasse os cordões do sapato, puxasse com força e voasse para o espaço. Não faz sentido e boa parte da comunidade científica não deu bola quando Shawyer publicou suas ideias em 2000.

Não é que pressão de radiação não exista. Se você colocar uma lanterna em uma balança, apontada para baixo, ela registrará pesos diferentes para a lanterna ligada e desligada. Claro, será uma diferença de um pentelhonésimo de isignificantograma, mas os fótons emitidos têm momento angular linear, e a 3ª Lei de Newton é implacável. Para toda ação há uma reação igual em sentido oposto. O fóton emitido faz com que a lanterna seja empurrada para trás.

A pressão da radiação solar é levada em conta, inclusive no cálculo de órbitas. Uma sonda para Marte pode chegar mais de 15 mil km fora de posição, se não incluírem na computação o efeito da radiação eletromagnética.

O problema não é a radiação, o problema é que o CONCEITO do EmDrive é basicamente isto:

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Isso não funciona, pois a vela está sendo impulsionada para frente com força F, a mesma exata força com que o ventilador está sendo impulsionado para trás. Sim, eu sei que os Mythbusters conseguiram fazer um barco funcionar assim, mas trapacearam.

Sendo assim, o EmDrive falharia qualquer teste, certo?

Errado. Shawyer insiste que seu motor não viola as Leis da Física atuais, nem usa nenhum fenômeno misterioso desconhecido.

Em 2001, ele conseguiu uma verba de 45 mil libras do governo britânico, para produzir as equações associadas com o projeto e construção de um protótipo. Tudo seguiu o cronograma e, em 2002, ele conseguiu um equipamento com potência de 850 W que gerava 16 milinewtons de propulsão. Um newton equivale a força exercida por uma massa de 102 g, na gravidade terrestre.

Por volta de 2003, outro protótipo foi construído, com resultados mais eficientes. Em 2007, conseguiram uma eficiência de 310 mN/quilowatt.

Em 2009, cientistas da Northwestern Polytechnical University, na China, construíram seu próprio propulsor EmDrive e produziram propulsão de 720 mN. A pesquisa foi devidamente publicada. Em 2010, já havia um protótipo de motor para ser testado em satélites, com propulsão de 326 mN.

Outra pesquisa chinesa em 2012 produziu uma força de 720 mN.

Em 2014, em um trabalho de título Anomalous Thrust Production from an RF Test Device Measured on a Low-Thrust Torsion Pendulum quatro pesquisadores da NASA, do Josnson Space Center, comprovaram a existência do efeito de aceleração no motor de Shawyer ou, mais precisamente, em um equipamento semelhante desenvolvido por um italiano. Trabalhando com potência bem menor, detectaram forças entre 30 e 50 mN.

O paper não se propõe a explicar o que acontece. Especulam que o negócio utilize plasma virtual de vácuo quântico. Como as microondas dentro da câmara de ressonância viajam à velocidade da luz, estão expostas a efeitos relativísticos, e podem interagir com a nuvem de partículas e antipartículas virtuais que formam o substrato do Universo.

Agora, o momento mindfuck: os cientistas da NASA testaram seu motor com uma câmara de ressonância que não deveria gerar propulsão, mas ela também funcionou.

Shawyer quer que o equipamento seja testado em órbita, talvez em cubesats, para acabar de vez com as dúvidas sobre seu funcionamento. Por enquanto, está todo mundo com uns 3 pés atrás, e tanto a pesquisa da NASA como a dos chineses está sendo alvo de muita análise crítica. O que é bom, ciência funciona assim.

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Carl Sagan dizia que afirmações extraordinárias exigem demonstrações extraordinárias. As demonstrações existem, agora é hora da revisão por pares. Já tivemos alarmes-falsos assim. O mais recente, os neutrinos supraluminosos, mas a Fusão a Frio foi bem mais complicada. Depois do anúncio entusiasmado, em 1989, de que havia sido detectada fusão nuclear em um experimento simples de bancada todo mundo tentou replicar, e por pura estatística vários chegaram a resultados positivos.

Depois, com mais calma, percebeu-se que os resultados positivos eram fruto de metodologia ruim, equipamento defeituoso e falta de critério. Fleischmann e Pons, os autores da pesquisa original, no final descobriram que seu experimento não havia detectado nada de anormal.

Pode ser que as pesquisas de Shawyer, da China e da NASA, além de outros que replicaram o experimento estejam erradas. Equipamento de medição defeituoso, evaporação, atração eletrostática, são muitas as possibilidades, mas também é possível que essa tecnologia seja real.

E se for real?

Aí o bicho vai pegar. 99% da massa dos foguetes é combustível. Precisamos acelerar muito no começo e ir na banguela até o destino. Com uma propulsão igual ao Motor Shawyer você não precisa de combustível, pode usar energia elétrica via painéis solares ou mesmo via um reator nuclear.

A segunda geração do motor vai usar supercondutores para que as microondas ricocheteiem dentro do ressonador de forma milhares de vezes mais eficiente. Mesmo aplicando as limitações teóricas um motor desses produziria forças na ordem de 0,93 toneladas por quilowatt. Um motor de Fiat Uno 1,0 L tem 33 kW de potência. Daria para levitar o carro, mover uma hélice e ainda acionar o ar condicionado.

Uma nave espacial com propulsão não-newtoniana se pareceria com isto:

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Você aceleraria continuamente até metade do caminho, então começaria a desacelerar. Uma viagem a Marte não levaria meses, talvez não passasse de uma semana. Acelerando continuamente a 1 G resolveríamos os problemas causados por longo tempo em gravidade zero, e alcançaríamos velocidades só limitadas por Einstein e por nossos escudos de micrometeoritos.

Na Terra, até seu colchão poderia flutuar, carros economizariam combustível utilizando repulsores para diminuir o peso. Em vez de uma tonelada, os pneus só teriam que suportar 300 kg, por exemplo.

Aviões não teriam mais que depender de Bernoulli para voar. Suas turbinas gerariam energia elétrica e propulsão horizontal, enquanto repulsores no casco gerariam a sustentação. Seria o fim das pistas, todo avião teria decolagem vertical.

ISTO seria viável:

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Cientistas podem ser muito conservadores. A maioria dos críticos do EmDrive diz que não funciona por não fazer sentido. Se não fossem os nomes sérios replicando o experimento e constatando resultados esquisitos, ninguém daria a menor bola para as alegações de Shawyer. É injusto, mas há tanto maluco por aí que ou os cientistas os bloqueiam ou não farão mais nada a não ser desqualificar picaretas.

O segredo é perceber quando o que parece maluquice tem um fundo de verdade. No caso o experimento da NASA ter dado resultado quando não deveria torna o Motor Shawyer muito mais interessante, pois um simples caso de metodologia falha não deveria produzir resultados assim.

Pode ser que não dê em nada, mas também pode ser que…

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Com informações: Wired

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