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Valiant Hearts: The Great War — Review

Confira a análise de Valiant Hearts: The Great War, o game da Ubisoft que mostra o drama humano entre a loucura da Primeira Guerra Mundial

10 anos atrás

A Primeira Guerra Mundial foi o primeiro grande conflito do século 20 e um dos mais sangrentos da história da humanidade. Estima-se que cerca de 9 milhões de soldados tenham perecido durante os quatro anos do conflito, mas somados ao número de civis e incluindo o número de vítimas da gripe espanhola (cujas informações foram censuradas pelo alto-comando de ambas as frontes para manter a moral dos combatentes), hoje calcula-se que o número de casualidades pode chegar a 65 milhões de pessoas.

Foi o segundo conflito de escala mundial (a Guerra dos Sete Anos envolveu boa parte do globo 160 anos antes) e simplesmente redesenhou o mapa da Europa, onde reis, imperadores, czares e governos caíram.

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E é esse cenário desolador que a Ubisoft Montpellier escolheu para contar uma história de amor, amizade e perseverança, contra todas as convenções do gênero dos jogos de guerra. Esse é Valiant Hearts: The Great War.

Não há vencedores na guerra

Os primeiros esboços de Valiant Hearts já eram conhecidos pelo público desde o início do desenvolvimento da UbiArt Framework, a engine gráfica criada em parte por Michel Ancel que tornou possíveis games como os recentes Rayman Origins e Legends, assim como o belíssimo RPG Child of Light, assim, foi um game desenvolvido com cuidado e sem um pingo de pressa pelo pessoal da Ubisoft Montpellier, o estúdio de Ancel.

Como a equipe envolvida é estritamente francesa, era de se esperar que o game se concentrasse em seu ponto de vista da guerra e acontecimentos no fronte ocidental, mas ao contrário do que poderia acontecer, o game não procura se concentrar no conflito e sim em suas consequências, principalmente na população civil.

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O game se comporta como uma aula de história. Seu visual cartunesco, aliado ao poder gráfico da UbiArt e à narrativa resultam numa das mais sensíveis e humanas experiências sobre a guerra que já se viu nos games. Ele se preocupa o tempo todo em evitar a dicotomia.

Não há bem ou mal, certo ou errado. Ao focar nos dramas pessoais dos personagens, o game foge das implicações políticas e o horror da guerra se torna um pano de fundo, uma força que suga os protagonistas para as profundezas do conflito contra sua vontade.

Logo no início ele já deixa claro que não há mocinhos e bandidos numa guerra: Karl é um imigrante alemão que vive na França com sua esposa e o filho recém-nascido, mas tão logo o conflito eclode ele é deportado de volta para seu país, sendo forçado a se alistar no exército do Império Alemão.

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O mesmo ocorre com seu sogro Emile, que apesar de sua idade avançada é convocado pelas forças armadas francesas. Nenhum dos dois tem a menor intenção de lutar, mas são forçados a isso e única coisa que querem é voltar para casa, como acontece com tantos outros em situações semelhantes.

Temos também Freddie "sortudo", um norte-americano radicado em Paris que se voluntariou para entrar na guerra ao lado da França, mas embora a princípio possa parecer que ele seria o mais combativo, mesmo suas motivações são bem menos nobres ou óbvias.

Anna, por sua vez é uma enfermeira e voluntária belga no fronte, se devotando a salvar quantas vidas forem possíveis independente de que lado os soldados estejam; por fim, o cachorro Walt desempenha um papel fundamental na trama toda, seja ligando os personagens uns aos outros ou ajudando a resolver puzzles.

Nos planos originais haveria ainda um aviador britânico chamado George, mas seu background foi cortado na versão final do game, e sua participação se resume a uma ponta.

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A jogabilidade de cada um dos personagens é muito similar, embora com algumas diferenças. Em comum, nenhum dos quatro personagens mata um inimigo em momento algum, mas todos podem nocautear adversários em algumas situações.

Cada um possui um feature próprio: Emile pode cavar, Freedie possui um cortador de arame farpado permanente, Anna precisa resolver sequências de ritmo a fim de salvar feridos, enquanto Karl se desvencilha dos inimigos com uma jogabilidade mais stealth, se escondendo em moitas ou vestindo uniformes de outras pessoas.

Por se tratar de um adventure você terá diversos puzzles para resolver, independente de qual personagem você estiver controlando no momento. Alguns deles são simples, outros um pouco mais complexos e boa parte deles depende da ajuda de Walt ou de outro personagem, dependendo da situação.

De qualquer forma eles não oferecem um grande desafio e você não vai sequer suar a camisa com eles. Há também trechos mais leves, como a cena em que Anna sai de Paris rumo ao fronte de carro levando soldados franceses, tendo que desviar de obstáculos no ritmo e ao som de... cancã.

Há pelo menos quatro fases do tipo no game com a mesma mecânica, cada uma com uma música diferente.

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Aliás, esse é o grande calcanhar de Aquiles de Valiant Hearts: a jogabilidade é simples e fácil demais, o que em alguns momentos deixa a dúvida se estamos diante de um game ou uma história interativa. Além de simples, os puzzles possuem um sistema de dicas que entregam a resposta ao jogador, sem exageros.

Não há penalidade por morrer, cada sub-capítulo possui diversos checkpoints e por causa disso, terminar esse jogo não chega a ser um desafio. A equipe de desenvolvimento preferiu abrir mão de realizar um game no sentido literal da palavra e preferiu contar uma história, e se você espera um jogo minimamente desafiador vai se decepcionar.

A preocupação da Ubisoft Montpellier em fornecer um enorme background para a história é admirável, há um sem número de informações interessantes sobre a guerra (inclusive acerca da participação do Brasil na guerra, graças à equipe de localização), bem como mais de 100 itens colecionáveis que desfraldam os costumes da época; o game também convida o jogador a ler os diários dos personagens, para saber mais sobre cada um deles.

É através deles e de algumas cutscenes que você aprende mais sobre os protagonistas, e vale lembrar que o game foi baseado em cartas trocadas pelos combatentes com seus familiares, a fim de dar uma dimensão de como o conflito afetou as pessoas comuns.

Um trabalho primoroso

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Tecnicamente o game é um deleite. Os efeitos de luz, sombra, paralaxe e mesmo o contraste dos personagens caricatos (quase todos os homens são "quadrados", o que chega a ser engraçado) com o cenário triste é interessante.

A trilha sonora é uma das melhores dos últimos tempos, indo de momentos mais amenos a temas bem mais sombrios; o som também é inteligentemente utilizado: à exceção do narrador, ninguém fala no game.

Os personagens se resumem a dizer palavras minimamente identificáveis em seu próprio idioma, como o nome ou um "help" ocasional, no restante são utilizados uma mescla de balões ilustrados e linguagem corporal.

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A ambientação é construída de modo a emocionar e afligir o jogador, Valiant Hearts não tem receio de abordar eventos controversos da guerra e ilustrar alguns momentos terríveis, como o que você precisa utilizar uma pilha de cadáveres para se esconder da artilharia inimiga, ou um puzzle em que Anna tem que amputar um membro de um soldado com uma serra (embora não mostre, você sabe o que está havendo), além de outros que não discutirei aqui por se tratarem de spoilers.

Como dito anteriormente, com exceção de um único personagem inimigo um tanto estereotipado, não existem antagonistas no game. O grande vilão é a guerra e a loucura que ela causa em pessoas comuns, levando em muitos casos às últimas consequências.

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Se há um outro defeito no game é sua extensão. Valiant Hearts é extremamente curto, se você não parar para coletar os itens e troféus é possível terminá-lo em menos de cinco horas, e após platinar todo o game, o fator replay é praticamente zero.

Além disso eventos emblemáticos da guerra, como  a Trégua do Natal de 1914 e o envolvimento norte-americano foram ignorados, esse último com certa razão: o game abrange o período entre o início da guerra e meses antes da saída do império russo do conflito (portanto antes da entrada dos Estados Unidos), apesar de que sua participação no conflito é levemente mencionada, e a Revolução Russa não é discutida.

Novamente, informações acerca de cada localidade ficaram a cargo dos estúdios responsáveis pela localização do game. Ainda assim, na minha opinião esses são pequenos tropeços cometidos mas no fim, a Ubisoft entregou um produto de primeira qualidade, um game que permanecerá na memória de muita gente por muito tempo.

Alguns sobreviverão... outros, não

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Valiant Harts: The Great War é um game que ou você ama ou odeia. Os ávidos por jogos de guerra ou que esperam um adventure ao menos no nível de Machinarium no quesito mecânica podem se desapontar, mas pode gostar de caso deseje apreciar uma bela história com uma guerra como background, ou procure saber mais sobre o conflito centenário.

O título foi lançado a tempo dos 100 anos completados do assassinato do arquiduque Franz Ferdinand do Império Austro-Húngaro, o evento que serviu como o estopim da guerra, e levando isso em conta, Valiant Hearts: The Great War será um dos melhores investimentos dos últimos tempos, independentemente de onde você escolher jogar.

Só esteja ciente que em uma guerra, muitos não voltam para casa.

Valiant Hearts: The Great War — Ficha Técnica

Pontos Fortes

  • Belos gráficos, muito fluídos e com personalidade;
  • Música e efeitos sonoros muito bons e bem situados;
  • Excelente narrativa, ainda que trágica (guerra é guerra);
  • Grande quantidade de conteúdo informativo, ótimo para quem quiser aprender sobre a Primeira Guerra Mundial;
  • Localização muito bem executada, com informações sobre a participação do Brasil no conflito.

Pontos Fracos

  • Quase não há desafio;
  • Um tanto curto;
  • Fator replay quase zero.

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