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Street Fighter: a trajetória de um dos jogos de luta mais famosos

Conheça a trajetória de Street Fighter, a franquia de jogos de luta mais famosa e influente de todos os tempos, conhecida mesmo fora dos games

4 anos atrás

Street Fighter é sem dúvidas o jogo de luta mais influente da história. A franquia da Capcom, que teve seu início em 1987, revolucionou o gênero com o lançamento de sua segunda versão e acabou influenciando todos os títulos que vieram depois.

Ao longo de mais de 30 anos, Ryu, Ken, Chun-li, Sagat e cia redefiniram conceitos, transitaram entre diversas mídias e tornaram ícones da cultura pop. No entanto, a jornada em busca do mais forte foi longa e cheia de "causos".

Capcom / Street Fighter

No princípio, havia Street Fighter... 1

As origens de Street Fighter podem ser traçadas até um obscuro beat 'em up de visão de cima, lançado pela Capcom em 1987 chamado Hissatsu Burai-ken no Japão, renomeado para Avengers (ou Avenger) no ocidente. O jogo foi dirigido e produzido por Takashi Nishiyama, com planejamento de Hiroshi Matsumoto.

Embora bem mais simples do que títulos da concorrente Technōs Japan, como Nekketsu Kōha Kunio-kun (conhecido por aqui como Renegade) e sua sequência espiritual Double Dragon, lançado posteriormente no mesmo ano, Avengers serviu para ao menos aproximar a dupla que trabalharia novamente em um jogo de luta ainda em 1987, mas desta vez competitivo, um gênero que não era comum na época.

Lançado em 30 de agosto daquele ano no Japão, Street Fighter trazia um inovador sistema de controle analógico acompanhado por seis botões de ação, três para socos e três para chutes, divididos em golpes fracos, médios e fortes. O rol de lutadores era dividido entre dois de cada país, mas o jogador só tinha dois à sua disposição: os caratecas Ryu e Ken, atribuídos respectivamente aos controles 1 e 2.

Não havia seleção de personagens, assim, para terminar o jogo com Ken era preciso que o jogador no segundo controle vencesse uma partida contra outro jogador e continuasse até o fim. Além dos principais, neste jogo estavam presentes personagens que voltariam bem depois, como Gen, Adon, Birdie e Eagle, além do chefe Sagat.

Como nota curiosa, Nishiyama conta que a inspiração para o Hadouken veio do canhão de ondas (no original, "hadouho") de Space Battleship Yamato/Patrulha Estelar.

A verdade, no entanto, é que Street Fighter era um jogo bem limitado. Os inputs dos controles eram terrivelmente bugados, fazer um Hadouken ou um Shoryuken era uma tarefa quase impossível, o que obrigava os jogadores a girarem loucamente os controles e apertarem os botões, até que algum golpe especial saísse.

E nem vamos falar da "versão Deluxe" da máquina de Arcade que trazia apenas dois botões, um para socos e outro para chutes, em que a diferença de força era identificada pela pressão aplicada, e os jogadores, bem... Tinham que esmurrar o gabinete para jogar.

A dificuldade também era alta e o jogo em si era bem desequilibrado, com um Sagat absurdamente poderoso. Ainda assim, Street Fighter foi portado para MS-DOS, Amiga, Amstrad CPC, Commodore 64, e PC Engine/TurboGrafx CD. Curiosamente, na versão para o console da NEC o jogo foi renomeado para Fighting Street, nome que muita gente usa para se referir ao título e diferencia-lo de Street Fighter II.

No fim das contas, Nishiyama e Matsumoto saíram da Capcom e foram para a SNK, onde o desenvolvedor implementou todas as ideias que não pôde usar em Street Fighter em um novo título que, segundo ele, foi o que o jogo original da Capcom deveria ter sido desde o início.

Seu nome: Garou Densetsu ou, como foi nomeado no ocidente, Fatal Fury (1991).

Capcom / Street Fighter '89 / Final Fight

Pôster de Final Fight ainda com o nome original, Street Fighter '89

A Luta Final

Apesar dos pesares, a Capcom considerou Street Fighter um título passível de receber uma continuação e a tarefa ficou a cargo de Yoshiki Okamoto, desenvolvedor responsável por títulos como 1942, SonSon e Forgotten Worlds. Junto com o animador Akira Yasuda, o designer Akira Niskhitani e compositoras como Manami Marsumae (franquia Mega Man) e uma certa novata chamada Yoko Shimomura, os trabalhos em torno de Street Fighter '89 começaram.

A ideia desde o início era desenvolver um beat 'em up influenciado, mas muito melhor do que Double Dragon II: The Revenge, mas usando o nome Street Fighter para gerar buzz. Segundo Okamoto, quando ficou evidente para todo mundo que o novo jogo não tinha nava a ver com a aventura original de Ryu e Ken, o nome foi mudado para Final Fight.

A referência permaneceu na ficha técnica de Mike Haggar, onde o prefeito de Metro City é referenciado como um "ex-Street Fighter"; ironicamente, ele é o único dos três personagens selecionáveis do jogo que nunca foi incluído em um jogo da série Street Fighter.

Final Fight foi um jogo importante para o gênero de beat 'em up, por conta de seus gráficos de alta qualidade e opção de selecionar lutadores, um desafio equilibrado e personagens memoráveis, desde os heróis a vilões como Rolento, Sodom, Andore (posteriormente chamado Hugo) e Poison, todos aparecendo como personagens em Street Fighter posteriormente, além dos protagonistas Guy e Cody.

Em outra curiosidade, vale destacar o caso da Poison e sua "pallete swap" Roxy: como a Capcom achava que bater em mulheres, mesmo em um jogo não era algo muito legal, ambas personagens foram descritas na ficha técnica original como "newhalf", um eufemismo japonês para uma mulher transsexual. A Capcom nunca esclareceu muito este tópico, com Nishitani uma hora dizendo que a ideia sempre esteve lá, outra que foi implementada após o lançamento do jogo, para evitar reações no ocidente.

No fim, Nishitani encerrou o assunto jogando para a torcida, dizendo que o jogador decide qual é o gênero da Poison e Roxy, mas que sob seu ponto de vista, ela sempre foi mulher. De qualquer forma, ambas foram censuradas na versão para Super NES no ocidente, sendo substituídas por personagens masculinos, respectivamente Billy e Sid.

Independente disso, a excelente recepção de Final Fight fez a Capcom dar carta branca a Okamoto e seu time para a produção de uma sequência real de Street Fighter, mas ninguém esperava pelo que aconteceria a seguir.

UDON Comics / Capcom / Street Fighter

Brigões de rua mundiais

A produção de Street Fighter II: The World Warrior reuniu um time de 35 a 40 profissionais da Capcom, entre eles Nishitani, Yasuda e novamente Yoko Shimomura, que compôs a quase totalidade das músicas do jogo, entre os temas mais memoráveis. A produção, inicialmente a cargo de Noritaka Funamizu, passou para Okamoto posteriormente.

As inspirações para os personagens foram as mais variadas possíveis: Dhalsim, por exemplo é baseado em um lutador do obscuro filme O Mestre da Guilhotina Voadora (1975), um iogue indiano com o curioso poder de (wait for it...) esticar seus braços.

Já Chun-li, embora nunca tenha sido clarificado (a Capcom nunca admitiu) guarda muitas semelhanças com a atriz taiwanesa Angela Mao, que no seu tempo foi chamada de "Lady Kung-fu" e rivalizava com Bruce Lee em popularidade nos filmes feitos em Hong Kong. Curiosamente, ela é mais lembrada no ocidente como a irmã do personagem de Lee em Operação Dragão (1973), onde leva uma surra e morre rapidamente.

No entanto, basta ver a performance de Mao em filmes como Hapkido (1972) para entender de onde veio a maestria em chutes e voadoras de Chun-li:

É interessante notar que nos designs originais, Chun-li (que se chamava Zhi Li) usava calças, ao invés do cheongsam (ou qipao, um vestido tradicional chinês) estilizado. Por outro lado, Okamoto chegou a sugerir que a personagem tivesse uma barra de energia menor, para refletir que mulheres eram fisicamente mais fracas que homens. Essa ideia foi abandonada graças à sugestão de outro designer.

De Street Fighter voltaram Ryu, Ken e Sagat, uma história mais ou menos crível foi implementada para dar motivação aos oito lutadores originais, e os três novos chefes, o boxeador Mike Bison, o espanhol Balrog e o maligno Vega foram definidos. Como deu para notar, quando Street Fighter II foi levado para o ocidente os nomes dos três foram embaralhados, para evitar um processinho de Mike Tyson. Assim, Vega virou apenas M. Bison.

Lançado em fevereiro de 1991, Street Fighter II revolucionou o conceito de jogos de luta e estabeleceu de vez o sub-gênero competitivo, que com o tempo suplantou o beat 'em up. O frenesi em torno das casas de Arcade chegou a níveis vistos poucas vezes antes, como com títulos como PONG e Space Invaders em seus respectivos lançamentos.

O jogo implementou de forma intencional o conceito dos combos, as combinações de golpes normais e especiais que resultavam em sequências devastadoras, e os controles eram muito mais responsivos, com comandos fluídos e mais simples de executar do que em seu predecessor. Com isso, Street Fighter II podia ser apreciado por novatos e mais profundamente explorado por veteranos.

Street Fighter II sozinho foi o responsável pelo surgimento dos torneios dos jogos de luta, hoje representados por campeonatos gigantescos como a EVO; na época, a Capcom do Japão oferecia prêmios muito generosos a quem derrotasse os melhores jogadores, de dinheiro a viagens.

De qualquer forma, Street Fighter II se tornou um fenômeno cultural, com versões em quadrinhos, animações, filmes para o cinema (animados e em live action), brinquedos e etc., além de Chun-li, "a mulher mais forte do mundo" ter sido elevada à condição de ícone feminino nos jogos, tanto em beleza e sensualidade quanto em força, coragem e determinação.

Versões, versões, versões...

Street Fighter II foi recebendo expansões ao longo dos anos (SFII' Champion Edition, SFII' Turbo Hyper Fighting, Super SFII, Super SFII Turbo, Super SFII Turbo HD Remix e Ultra SFII: The Final Challengers), que traziam mais personagens, novos golpes, reequilíbrio entre golpes e lutadores e etc. foi portado para uma enorme quantidade de plataformas ao longo das décadas, mas essa estratégia, ao mesmo até Super SFII Turbo foi muito mal vista pelos jogadores.

Primeiro, porque a Capcom podia muito bem ter implementado todos os 17 personagens (até Akuma) desde o início, ao invés de vender cada nova expansão como um jogo novo; segundo, a insistência em requentar a marmita ao invés de partir logo para Street Fighter III foi deixando os jogadores cansados. Concorrentes se aproveitaram e lançaram toneladas de jogos inspirados em SFII, como a SNK, com Fatal Fury 2 e Special, além das séries Art of Fighting e The King of Fighters, ou até mesmo Samurai Shodown.

Outros foram por caminhos mais violentos, como a franquia Mortal Kombat, ou apelaram para a cópia descarada, como Fighter's History, que levou a Data East a ser processada pela Capcom por plágio. O ponto é que o público começou a se diluir.

Para evitar isso, em 1995 foi lançado Street Fighter Alpha: Warriors' Dreams (Street Fighter Zero no Japão), um prequel situada entre Street Fighter e Street Fighter II, mas que também tinha ligações com Final Fight. Com visual mais cartunesco (graças à placa CPS-II) ao estilo de Darkstalkers, ele serviu para apaziguar os ânimos por um tempo... até receber suas próprias expansões.

Somente em 1997 (um ano antes de Street Fighter Alpha 3) a Capcom decidiu lançar Street Fighter III: New Generation. O jogo seguiu os moldes de SFII ao retornar só com Ryu e Ken, acompanhados por todo um rol de novos lutadores, sendo o jogo baseado em uma nova placa, a CPS-III. Com gráficos e músicas de alto nível, ele era superior em tudo aos seus antecessores, ao menos tecnicamente.

O problema foi justamente a parte técnica. A Capcom se focou em lançar um jogo com várias novas mecânicas que permitiam toda uma nova forma de jogar, mas que não eram simples, o que acabou aguentando novatos e intermediários. Mesmo hoje, SFIII e suas expansões (sim, claro, por que não?) ainda são vistos como os jogos mais difíceis da série.

Ainda assim, é preciso reconhecer que os jogos são bonitos a beça.

Street Fighter de volta à velha forma

Passaram-se vários anos até a Capcom resolver voltar com um Street Fighter propriamente dito. Na primeira metade dos anos 2000, Ryu e cia. se limitaram a fazer aparições em outros jogos, como a coletânea Capcom Fighting Jam, o crossover Tatsunoko vs. Capcom e o RPG Namco X Capcom. Em 2008, porém a franquia teve uma nova chance, desta vez pelas mãos do produtor Yoshinori Ono.

Street Fighter IV recuperou a facilidade de jogar de SFII e SFAlpha, implementou melhor os recursos de SFIII e trouxe quase todos os personagens que o público sentiu falta no capítulo anterior, com a adição de novas caras e egressos do último jogo e suas expansões.

Claro que a Capcom lançou uma expansão como jogo separado (Super Street Fighter IV), mas como o ano era 2010 e a resposta foi horrível, a desenvolvedora liberou as alterações seguintes como atualizações deste, deixando SFIV como um jogo "vanilla" isolado. A última expansão, Ultra Street Fighter IV saiu em 2014.

Em 2016, Ono e a Capcom mudaram tudo para Street Fighter V, focando em unir toda a comunidade online em um jogo que permite cross-play entre jogadores do PC e PS4 (o Xbox One ficou de fora porque na época, a Microsoft não queria saber do recurso... como as coisas mudaram), vários personagens conhecidos e alguns novos, um sistema de comandos extremamente simplificado e adaptativo.

Isso foi pensado para permitir que um novato possa evoluir com o tempo no jogo, desde que ele invista seu tempo em Street Fighter V, e possa até mesmo desafiar os maiores jogadores do mundo, no conforto de seu lar. O problema é que no lançameto inicial o título era bem "pelado" e com modos de menos, o que foi resolvido com expansões pagas posteriores.

Hoje, Street Fighter V: Champion Edition é um jogo bastante completo, que proporciona horas de diversão.

Com Street Fighter II prestes a completar 30 anos em 2021, e com a franquia como um todo chegando aos 33 anos, é surpreendente ver não só como a série mudou com o tempo, mas influenciou outros jogos, obras de cultura pop e comportamentos, e se tornou uma marca reconhecível por qualquer pessoa que se preze, mesmo por quem passa longe dos videogames.

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