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Fim do PS Vita: crônica de uma morte anunciada

Relembre a ascensão e queda do PS Vita, o portátil que sofreu com decisões ruins da Sony, e conheça 10 de seus melhores jogos

4 anos e meio atrás

O PS Vita foi a segunda tentativa da Sony no mercado de consoles portáteis, mas por uma série de fatores deu tudo errado: o dispositivo sofreu com a concorrência dos celulares (que também afetou o Nintendo 3DS) e decisões questionáveis, se arrastando por anos visto como um mero acessório pela fabricante, até seu fim em 2019.

Relembre a saga do PS Vita desde seu nascimento até sua morte, além de 10 jogos para o portátil que ainda valem a pena ser curtidos.

De NGP a PS Vita: Um começo promissor

Os rumores em torno do PS Vita, que nem tinha um nome ainda (ele era informalmente chamado pela imprensa de PSP2), começaram a circular em 2010, mais ou menos na época em que o Nintendo 3DS foi apresentado. A confirmação só veio em janeiro de 2011, quando o design foi apresentado junto com um nome provisório, Sony NGP (de Next Generation Portable, ou Portátil de Nova Geração).

As primeiras informações oficiais impressionavam: ele viria com um processador ARM Cortex-A9 MPCore, um quad-core com clock de até 2 GHz, uma GPU quad-core PowerVR SGX543MP4+, tela OLED touchscreen de 5 polegadas e resolução de 960 x 544 pixels (220 ppi, para a época estava muito bom), 512 MB de memória RAM e 128 MB de VRAM, que faria dele o portátil mais poderoso do mercado, com uma capacidade gráfica próxima do então console de mesa da Sony, o PS3.

Anunciado oficialmente na E3 do mesmo ano e já com o nome PlayStation Vita, ele viria com uma série de jogos de ponta e novas formas de interação, como uma tela touch (para rivalizar com o 3DS), controles de movimento, que lhe permitiam até ser usado como um controle do PS3 (e depois do PS4) e a grande área touch na traseira, além de duas versões distintas, uma apenas Wi-Fi e outra com 3G, para quem fosse insano o bastante (como o Laguna) para jogar com ele na rua.

Assim como o PSP, o PS Vita não contaria com memória interna dedicada para jogos e apps. O consumidor teria que adquirir cartões de memória para tal propósito. Esse foi o primeiro problema do portátil, porque Sony sendo Sony...

A maldição dos formatos proprietários

Quando a Sony lançou o PSP em 2004 (2005 nos EUA), uma das maiores reclamações dos usuários era sobre os famigerados cartões Memory Stick da própria companhia, tanto o PRO Duo nas versões que aceitavam o UMD, quanto o Micro (M2) no PSP Go. Embora esses cartões sejam principalmente usados nas câmeras da empresa (o primeiro, até hoje), eles eram soluções mais caras que um cartão SD ou microSD, muito mais populares.

Com o PS Vita a Sony conseguiu fazer pior, introduzindo o odiado cartão de memória exclusivo do portátil, incompatível com todos os demais dispositivos eletrônicos do planeta. Isso foi feito para em teoria dificultar a pirataria, mas para desgosto de todos, os cartões eram ridiculamente caros. Com o fim da produção e a escassez isso só piorou.

Cartões de memória do PS Vita

Todo dono de PS Vita odeia esses cartões

Só para dar uma ideia: no dia da publicação deste post, um cartão de 16 GB do PS Vita pode ser comprado por R$ 299, enquanto um de 64 GB não sai por menos de R$ 900. Já um microSD Classe 10 de 128 GB pode ser seu por R$ 100.

Apesar dos pesares, o PS Vita prometia bons gráficos e uma proposta diferente do 3DS, focado em três dimensões, além de contar com uma carta inicial de bons jogos, como Uncharted: Golden Abyss e Gravity Rush, por muito tempo o título que servia como a vitrine do gadget. Assim, acreditava-se que haveria espaço para todo mundo.

O PS Vita foi lançado no Japão em dezembro de 2011 e nos Estados Unidos em fevereiro de 2012, por um preço de US$ 249 na versão Wi-Fi, considerado competitivo. A Sony inaugurou com o portátil a filosofia de que todo jogo físico teria versão digital na PS Store e pelo mesmo preço, além de eliminar de vez os manuais físicos, o que depois virou tendência. Afinal, sustentabilidade também é um negócio.

Tinha um iPhone no meio do caminho...

O PS Vita chegou, para variar, vendendo bem menos que o 3DS. A Nintendo continuou segurando a coroa de líder do mercado de portáteis que ela mesma criou com o Game Boy, mas os números de ambos consoles não eram impressionantes, quando comparados ao DS e ao PSP. Tudo bem que os antigos eram pirateáveis e os novos ainda não, mas esse não era o único e nem o principal motivo para o declínio nas vendas.

Em 2010, a Apple e a Epic Games haviam pego o mercado de games mobile de calças curtas, com a exibição da primeira demo de Project Sword para iPhone, jogo lançado depois como Infinity Blade.

Segundo informes, a expressão de espanto de Steve Jobs não foi encenada, o CEO da maçã não havia visto a demo até a hora da apresentação e ficou espantado em como o iPhone podia rodar jogos de qualidade, no nível de consoles portáteis ou até de mesa, algo que ele próprio não previu, porque jogos não eram o foco do aparelho.

A partir dali, a Apple começou a investir pesado em jogos de qualidade para o iPhone, fugindo da noção de joguinhos casuais e forçando desenvolvedoras a investirem em títulos poderosos. Isso foi benéfico também para o Google, porque os estúdios desenvolviam games para iOS e para Android, que também recebeu sua cota de jogos de qualidade. A evolução constante dos smartphones e tablets, muito mais rápida do que a dos consoles também lhes favoreceu.

A noção de custo também foi outro fator de peso em favor dos celulares: por mais que um iPhone ou um Android de ponta fossem mais caros que um 3DS ou um PS Vita, os jogos eram muito mais baratos (os seus não, Square Enix), com valores entre US$ 1 e US$ 5, contra US$ 40 dos portáteis da Sony e Nintendo.

Por fim, a noção de ter que carregar mais um gadget, que já estava levando ao desuso dos players de música, também afetou os portáteis.

Por mais que boa parte dos jogos fossem mais simples, fazia muito mais sentido carregar um smartphone que fosse tudo em um, do que ter um dispositivo de função quase única. Desde o início, analistas e desenvolvedores diziam que ambos consoles seriam os últimos do mercado de portáteis, ressaltando que o PS Vita sofreria uma morte bem mais lenta e dolorosa.

Eles estavam certos, principalmente porque a Sony ajudou a pregar o caixão do seu próprio gadget.

Gravity Rush / PS Vita

Gravity Rush foi por muito tempo o jogo-vitrine do PS Vita

"Lá vem o PS Vita, descendo a ladeira..."

Em novembro de 2012, a Sony levou a PS+ para o PS Vita, permitindo que assinantes passassem a ter acesso a jogos do portátil mensalmente, sem custos adicionais. Pouco tempo depois, a divisão norte-americana o posicionou como uma plataforma forte para o lançamento de jogos independentes, o que por um tempo, funcionou muito bem para o portátil.

Em 2013, o PS Vita recebeu uma atualização, o tradicional modelo "Slim" dos consoles da Sony. Mais fino, com mais bateria e que trocou a tela OLED por uma LCD, tanto pela questão de consumo energético quanto para reduzir custos.

No entanto, com os celulares prejudicando as vendas, a Sony teve que rever alguns conceitos. Em 2014, foi lançada uma versão não-portátil, o PS Vita TV, que no ocidente foi chamado de PlayStation TV, como forma de deixar clara a intenção de brigar com set-top boxes como o Roku, ou dongles como o Chromecast.

Bom, não deu certo. Além de limitado a uma resolução de 720p, com o tempo ele perdeu acesso a apps e o desinteresse fez o preço despencar, chegando a ser vendido por US$ 30 na Amazon. Ele foi descontinuado antes do PS Vita.

PlayStation TV / PS Vita

No Japão o PS Vita teve uma vida razoável, sendo alimentado principalmente por desenvolvedoras médias para pequenas com jogos indie, o que por lá se traduz em muitas Visual Novels, jogos de luta (alguns muito bons, apesar dos gostos dos desenvolvedores) e títulos... Questionáveis.

Já no ocidente, o caldo azedou: a Sony abandonou o desenvolvimento de títulos AAA próprios em 2014, com o presidente da Sony Worldwide Studios, Shuhei Yoshida, dizendo no mesmo ano que para ele, o PS Vita era um acessório e não um console. Basicamente, a empresa o via apenas como um controle opcional do PS4 que, por acaso, rodava jogos.

A Sony assassinou o próprio console com apenas 18 meses de vida, podando seu potencial e relegando-o a ser um controle de US$ 200 (o preço já havia caído), com a opção de acesso remoto do PS3 e PS4. Uma velha promessa, o port de BioShock também morreu nessa época, enquanto apostas menores despontavam aqui e ali, como Freedom Wars, que passou quase despercebido.

No fim das contas, a estratégia de minimizar o PS Vita pegou muito mal para o consumidor, que não se sentiu tentado a investir em um console desacreditado pelo fabricante. As vendas de jogos de maior sucesso em seu ciclo de vida mostram bem isso, os mais recentes já tinham anos de lançado.

This is the end, beautiful friend...

Some-se a isso a evolução dos smartphones, que continuou avançando a passos largos e chegamos a um ponto sem volta. A Sony anunciou que o mercado era limitado, enquanto a Nintendo aproveitou o fiasco do Wii U e uniu o útil ao agradável com o Switch, um console híbrido que só é portátil porque a empresa não vai renegar o filão que criou.

Em agosto de 2018, a Sony anunciou que o PS Vita teria sua produção encerrada globalmente no ano seguinte e que a empresa não tinha planos de anunciar um sucessor. A toalha foi jogada, não havia mais o que fazer para disputar o mercado com aparelhos que todo mundo carrega o tempo topo. Pouco depois, o portátil foi removido da PS+ junto com o PS3.

O grande problema da Sony foi não ter aproveitado o enorme potencial do PS Vita, um console extremamente poderoso, quase um canhão de mão, frente ao crescente interesse dos usuários em celulares para jogar em detrimento dos portáteis. O fato dele acabar rebaixado a controle do PS4 também só lhe fez mal, a percepção do público foi de que ele era um produto inferior.

Hoje, com o fim do suporte, é fato que ele se tornará com o tempo uma máquina de emulação tal como foi o PSP, mas é uma pena que ele tenha tido um destino tão triste, por pura incompetência e incapacidade da Sony em avaliar a mudança do mercado.

10 melhores jogos do PS Vita

Só para não ficar apenas lamentando o passado, vamos relembrar 10 dos melhores jogos do PS Vita de todos os tempos:

1. Gravity Rush

Não dá para começar essa lista com outro jogo que não seja Gravity Rush, afinal, foi ele o título que a Sony usou para mostrar todo o potencial do portátil.

A aventura de Kat e seus poderes gravitacionais fazia o jogador usar ambas superfícies touch e o sensor de movimentos de uma maneira bastante inteligente. A história era bem contada e os personagens carismáticos mantinham a atenção até o fim. Embora tenha sido remasterizado para o PS4, Gravity Rush ainda dá um show no PS Vita.

2. Persona 4 Golden

A versão definitiva de Shin Megami Tensei: Persona 4 é exclusiva do PS Vita, trazendo novos elementos e personagens a um dos melhores JRPGs dos anos 2000.

A franquia pode ter se tornado gigantesca, Persona 5 é o queridinho de muita gente e há quem ainda não desgrude de Catherine (o spin-off do spin-off do spin-off, se formos traçar até a série original Megami Tensei), mas em termos de uma aventura de bolso à moda antiga, poucas são tão boas quanto Persona 4 Golden.

[UPDATE] Persona 4 Golden agora está disponível também no Steam.

3. Assassin's Creed III: Liberation

Também posteriormente lançado para outros consoles, Assassin's Creed III: Liberation é considerado por muita gente uma aventura melhor do que a principal, estrelada por Connor.

Foi o jogo que trouxe a primeira protagonista mulher da franquia, a assassina franco-africana Aveline de Grandpré, em uma missão para impedir os templários de controlarem a cidade de Nova Orleans durante a Guerra Franco-Indígena. Ele trás os elementos clássicos da série, mas faz uso dos giroscópios, câmeras e superfícies touch para uma experiência única. Ainda hoje, um jogo que merece ser apreciado.

4. Dragon's Crown

Dragon's Crown é a obra-prima de George Kamitani no que tange a beat 'em ups com elementos de RPG, tendo ele trabalhado anteriormente em Dungeons & Dragons: Tower of Doom.

O jogo da Vanillaware se comporta como uma aventura de tabuleiro, com narrador e personagens bem caricatos e exagerados, mas com um sólido elemento de co-op online, suportando cross-play entre PS Vita, PS3 e PS4 (na versão Dragon's Crown Pro). Mesmo com diversas opções do gênero chegando ao mercado, Dragon's Crown ainda é um dos mais divertidos, ricos e belos da categoria.

5. Muramasa Rebirth

Ainda com a Vanillaware, temos o remake de Muramasa: The Demon Blade do Nintendo Wii, uma versão que nunca saiu do PS Vita. Muramasa Rebirth traz a aventura completa de Momohime e Kisuke, mas com DLCs que compõem a antologia Genroku Legends, com quatro histórias protagonizadas por novos personagens, o que faz desta a versão definitiva do título.

O jogo de plataforma traz combates ferozes e um sistema de evolução na história principal, que garante o fator replay por muito tempo. Sem falar que o visual e músicas são fantásticos.

6. Final Fantasy X/X-2 HD Remaster

Condensar um Final Fantasy do PS2 no PS Vita é uma tarefa e tanto, mas dois? Pois Final Fantasy X/X-2 HD Remaster trouxe ambos jogos remasterizados para PS3 e PS Vita (e posteriormente PS4, Xbox One, Nintendo Switch e PC) com o conteúdo da versão International, gráficos retrabalhados e até um audio drama inédito.

Sobre a jogabilidade nada mudou, ainda um dos melhores RPGs de turno de sua geração e a contraparte mais aventuresca, com a pegada Girl Power da época em que foi lançado. Ainda uma ótima opção.

7. Ultimate Marvel vs. Capcom 3

Ultimate Marvel vs. Capcom 3 é um dos melhores jogos de luta do PS Vita, ponto. Mesmo com botões a menos, ele traz a exata mesma jogabilidade vista no PS3 (e depois no PS4), sendo até hoje muito melhor visualmente e mecanicamente do que seu sucessor Marvel vs. Capcom: Infinite, com um rol de personagens da Marvel e da Capcom gigantesco.

Infelizmente, como tudo que envolve a Disney, ele foi removido de catálogo anos atrás, permanecendo disponível digitalmente apenas na versão para PS4.

8. Child of Light

A Ubisoft Montpellier, o estúdio de Michel Ancel lançou belíssimos games nesta década, de Rayman Legends a Valiant Hearts: The Great War, mas talvez o mais surpreendente seja mesmo Child of Light.

O RPG conta a história da pequena Aurora, perdida em um mundo fantástico mas que nunca deixa se abater pelas adversidades; ele surpreende e emociona com as mecânicas simples, gráficos belíssimos, uma trilha sonora de primeira (cortesia de Cœur de Pirate) e uma história emocionante, elementos que fizeram deste um título que atrai crianças e adultos.

9. Guacamelee!

Em uma lista normal, minha recomendação de Metroidvania seria Salt & Sanctuary ou Axiom Verge, mas a versão original de Guacamelee! ainda é a minha favorita por ser o mais diferente. O jogo mescla os elementos tradicionais de combate e exploração do gênero a uma pancadaria desenfreada, personagens malucos e a cultura mexicana, da música aos personagens.

A Drinkbox Studios alcançou seu primeiro grande sucesso com Guacamelee! (que foi portado para outras plataformas e ganhou uma sequência recentemente), permitindo o lançamento de outros títulos, como o interessante Severed.

10. Tearaway

Tearaway foi outro expandido posteriormente no PS4, mas a versão original do jogo da Media Molecule ainda é muito recomendada. Assim como Gravity Rush, ele usa todos os recursos do portátil, das superfícies touch a ambas as câmeras, incluindo os sensores de movimento, para conduzir o adorável protagonista por um mundo feito de papel.

Apesar do visual infantil, Tearaway é uma aventura para todas as idades.

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